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09/12/2025 - 11h13

Leilão: decisão divide ministros, desagrada operadores e reacende debates


Fonte: BE News
 
TCU aprovou o modelo sugerido pela Antaq, que prevê o certame do Tecon Santos 10 em duas etapas, com restrição na primeira
 
O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta segunda-feira, 8, por 6 votos a 3, seguir o voto do ministro revisor do parecer sobre o modelo do leilão do Tecon Santos 10, Bruno Dantas. A pauta do TCU foi extensa, passou de 70 itens a serem apreciados. O processo do megaterminal de contêineres do Porto de Santos (SP) estava na página 34 da agenda prevista para a sessão, que tinha um total de 53. Foi o primeiro apreciado pelos ministros. Dantas defendeu que o certame seja feito em duas fases, ficando impedidos de participar da primeira os armadores e as empresas que já operam no equipamento. O voto dele foi seguido pelo presidente do TCU, Vital do Rêgo, e pelos ministros Augusto Nardes, Walton Alencar, Jonathan de Jesus e Aroldo Cedraz. 
 
Favoráveis ao ministro relator, Antonio Anastasia, que propôs o leilão em fase única e aberta a todos os interessados, com a obrigação de desinvestimentos para os operadores já instalados no equipamento, foram somente os ministros Benjamin Zymler e Jorge de Oliveira Francisco, este último vice-presidente do TCU.
 
O caso estava pendente de decisão desde 18 de novembro, quando Anastasia apresentou seu parecer e Bruno Dantas discordou. Augusto Nardes pediu vistas, ou seja, mais tempo para analisar o processo. Walton Alencar e Jorge Oliveira tinham encaminhado seus votos favoráveis a Dantas. Mas, nesta segunda, após a exposição de Zymler — que fez a defesa mais veemente do leilão em fase única —, o vice-presidente do TCU mudou de opinião e votou com o relator Anastasia.
 
A sessão teve momentos de tensão entre os ministros, que defendiam efusivamente seus votos sobre o certame. O principal ponto de discordância entre eles foi sobre a participação dos atuais operadores do equipamento, visando impedir que houvesse a concentração de monopólio das empresas já instaladas no Porto de Santos.
 
Benjamin Zymler condenou o modelo proposto pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). “Eu só concordo com a determinação feita pelo ministro Anastasia porque eu acho que o ato da Antaq é ilegal e ilegítimo. Viola o princípio da proporcionalidade. Alude a uma decisão que não se coaduna com os meios sacrificados para a produção do resultado final”, declarou Zymler. “Há outro caminho, suscitado pelo ministro Anastasia, que é a ampla concorrência com desinvestimentos para os incumbentes, que atinge o mesmo fim”, concluiu.
 
Foi esse modelo, porém, que embasou o voto do revisor Bruno Dantas: certame em duas etapas, sem a participação de armadores já instalados no porto na primeira etapa, que só poderão concorrer na segunda caso não haja interessados na primeira.
 
Dantas acabou recomendando que nenhum armador concorra na fase 1. O objetivo, segundo a Antaq, é prevenir a concentração vertical no setor. “De fato, a verticalização é um fenômeno global. O que não é um fenômeno global é permitir que um porto estratégico de um país seja 100% verticalizado”, disse Bruno Dantas. “Nós podemos permitir, e já estamos permitindo, que 75% do porto seja verticalizado. Agora, querer 100%? Isso é um escândalo”, completou.
 
Repercussão
 
Luís Cláudio Montenegro, consultor técnico da Portonave, avaliou que ainda é necessário o aprimoramento de conceitos e a compreensão técnica do “real funcionamento do porto na movimentação de contêineres”.
 
“Deu para perceber no debate dentro do tribunal que vários conceitos foram aprofundados, compreendidos, mas é importante que a gente entenda o problema principal que afeta o país para que a gente possa ter o diagnóstico correto e avançar. Nós fizemos um estudo recente com mais de 70 portos no mundo inteiro e percebemos que a intervenção regulatória não guarda nenhuma correlação com redução de preços. A redução de preços acontece pelo aumento da capacidade. A gente precisa enfrentar esse problema no país, na falta na restrição de capacidade, na restrição de capacidade de atendimento. Tenta-se fazer a intervenção regulatória para tentar resolver hipóteses de problemas futuros, e isso é complicado, gera uma série de inseguranças. E o risco maior que a gente corre é que um processo que é tão importante para o país acabe com disputas judiciais intermináveis, e o país sofra pela falta de decisão de ampliar essa infraestrutura”, afirmou.
 
Montenegro acrescentou: “A gente espera que essa decisão do tribunal seja bem compreendida dentro do governo federal, que vai executar esse leilão. E que as recomendações possam ser tratadas de forma cuidadosa para que esse leilão possa ser o mais aberto possível, tenha a maior competição possível, e que a gente resolva o nosso programa de infraestrutura o mais rápido possível. Que permita ao governo dentro das políticas públicas discutir a melhor alternativa. Faltou debate desse tema junto do Poder Executivo, da agência reguladora, e a gente espera que esse debate aconteça agora, na formatação final do leilão. Que essa discussão aconteça para evitar a insegurança e debates intermináveis de judicialização. A gente fica na dependência dessa ampliação de capacidade que pode não acontecer por conta dos riscos que isso pode trazer”, analisou.
 
Críticas
 
Diretor-presidente da Associação Logística Brasil, André de Seixas foi mais duro nas críticas sobre o resultado da votação do modelo do leilão.
 
“A gente do setor, que prima pelo elevado nível técnico, pelos estudos que refletem os fatos como eles são, sai muito decepcionado. A gente entendeu que, comparado ao voto do relator e todo o trabalho feito, (o voto de Dantas) se assemelhou muito para mim a um discurso político. A gente sai muito decepcionado. Eu nunca vi problema nenhum de verticalização. Existem mais 350 terminais espalhados pelo mundo verticalizados, e a gente não tem notícias de nenhum problema. A gente fica chateado porque perde o interesse público, perde o país, possivelmente vamos ter problemas diplomáticos. Vamos ter problemas e merecemos ter esses problemas. Todos os grandes leilões do Brasil nós temos problemas, não tem um grande leilão no Brasil que a gente não tenha um problema político no meio, e isso precisa acabar. Quem perde é a sociedade e, infelizmente, hoje, quem perdeu foi a sociedade. Não é só dinheiro de arrendamento, perdeu competição, se a gente parar e pensar infraestrutura ela não é uma questão empresarial ela é uma questão social, é socioeconômica. Infraestrutura é acesso. Quando a gente alarga o tema infraestrutura nós estamos falando da mobilidade urbana, do saneamento, e do porto. Qual o valor que a sua mercadoria vai chegar na prateleira do supermercado, da farmácia, do comércio para você consumir. Portanto, saio muito decepcionado”, desabafou.
 
O Tecon Santos 10 é matéria considerada prioritária para setores como do agronegócio. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o Comitê de Logística da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), o Conselho Deliberativo da Associação de Exportadores de Açúcar (Aexa) e a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), por exemplo, se manifestaram a favor da abertura imediata do leilão para assegurar eficiência logística, ampliar a capacidade do Porto de Santos, reduzir custos operacionais, e garantir ao agronegócio competitividade, previsibilidade e aderência ao interesse público.
 
“Se essa infraestrutura demorar a chegar, nós vamos continuar pagando uma conta muito cara. Só no mês de setembro, com 2800 contêineres de café parados, deixamos de exportar 343 milhões de dólares, o que representa 1,8 bilhão de reais. Esse prejuízo, certamente, é muito maior. Nós precisamos que as autoridades públicas entendam que esses prejuízos, apesar dos recordes, estão afetando toda a infraestrutura. Não é o exportador que está tendo prejuízo, apenas, mas os produtores que estão recebendo menos por aquilo que produzem”, declarou Eduardo Heron Santos, diretor técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil.
 
No campo das relações diplomáticas, embaixadas da Suíça, Dinamarca e Holanda chegaram a pressionar o TCU para a adoção de um modelo de leilão mais aberto. O texto da carta dos diplomatas, enviada ao presidente da corte, defendeu que o certame fosse realizado em formato aberto, sem restrições à participação de empresas já instaladas no porto. Esse modelo, na avaliação dos europeus, preserva a concorrência, transparência e previsibilidade no processo.
 
O megaterminal deverá receber quase R$ 7 bilhões em investimentos e ampliar em 50% a capacidade de movimentação de contêineres no porto, que está à beira do esgotamento. O leilão deve acontecer no primeiro bimestre de 2026, segundo o coordenador-geral de Arrendamentos Portuários da Secretaria Nacional de Portos, Carlos Magno Lopes da Silva Filho. Ele disse que o edital do Tecon Santos 10 é complexo, e precisa de pelo menos 45 dias para elaboração após a definição da modelagem do certame.
 
“O edital para um arrendamento, uma concessão desse porte, tem que ter pelo menos 45 dias. Então, a expectativa é que essa licitação ocorra entre o final de janeiro e (início de) fevereiro. Faz mais de 10 anos que não é licitado nenhum terminal de contêineres do Brasil”, explicou Carlos Magno.
 
Próximos passos
 
Após a definição do modelo, o edital da proposta deve seguir para a Antaq para publicação. Lançado o certame, os interessados terão até 30 dias para apresentarem propostas. O contrato inicial é de 25 anos, renovável por até 70 anos.
 
Pouco tempo após o encerramento do processo do Tecon Santos 10 no TCU, o tribunal disponibilizou o acórdão do processo, que é a decisão final proferida pelo órgão que formaliza a determinação e contém o relatório, fundamentação e a conclusão do caso.