Fonte: Agência iNFRA
Uma tese ainda mais restritiva do que a prevista oficialmente pelo poder concedente para o leilão do Tecon 10, no porto de Santos (SP), maior terminal de contêineres da América Latina, surgiu com força no TCU (Tribunal de Contas da União) no início da votação em plenário, nesta terça-feira (18), do processo que vai permitir o arrendamento da área.
Pela proposta de recomendação do revisor do processo, ministro Bruno Dantas, o leilão seria dividido em duas fases, como propõe a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Mas, na primeira fase, seriam impedidos de participar não as empresas que já operem terminais de contêineres no porto, como propôs a agência com respaldo do Ministério de Portos e Aeroportos, mas qualquer empresa vinculada a armadores (donos de navios).
Para Dantas, a mudança seria necessária para combater o que ele entende ser o real problema em relação à concorrência no principal porto do país, a verticalização – quando o armador é também controlador do terminal portuário –, o que ele classifica como ameaça ao comércio exterior do país para os próximos 70 anos.
O problema da verticalização foi contestado pelo relator do processo, ministro Antonio Anastasia, baseando-se em análise e pareceres da própria ANTAQ e de órgãos vinculados ao sistema de concorrência do país. Ele alertou ainda que, pelo tema não ter sido discutido nas fases de consulta do processo de desestatização, a restrição imposta no fim do processo seria um fato novo não analisado previamente, o que seria um risco ao processo.
Os votos do
relator e do
revisor foram apresentados, mas o processo não foi votado por um pedido de vista do ministro Augusto Nardes, e deve voltar para análise do plenário em 8 de dezembro, última sessão do ano. A sessão pode ser vista
neste link.
Caso a proposta de Bruno Dantas seja aprovada em plenário, terminais verticalizados cujos sócios são grandes armadores – como Maersk e MSC, que têm participação no terminal BTP no Porto de Santos –, seriam barradas do certame. Mas o modelo também barraria a gigante chinesa Cosco, que demonstrou interesse na disputa.
Com a restrição sugerida de pelo revisor, os grupos que poderão participar seriam apenas os chamados bandeira branca e dois deles têm sido os que até o momento mais vocalizaram a vontade de disputar, a filipina ICTSI, que opera terminais portuários no Rio de Janeiro e em Pernambuco, e a JBS Terminais, do grupo J&F, que opera o porto de Itajaí (SC).
Relator defende saída prévia
O relator do processo seguiu a recomendação da auditoria do TCU e do Ministério Público junto ao tribunal, indicando que o certame deve ser realizado em uma única fase e sem limite de participação. Para ele, o problema apontado como unânime dessa licitação, a concentração de mercado atual, pode ser resolvido com a saída prévia do vencedor da disputa caso ele já administre algum terminal no porto.
Em seu voto, Anastasia ressaltou que a ANTAQ “ao não optar pelo desinvestimento na primeira fase, fere a legislação de isonomia”. Para ele, a modelagem não encontra “respaldo jurídico”. Para o relator, “uma incumbente que aceite se desfazer dos ativos que possui no Porto de Santos previamente à assinatura do contrato do Tecon 10 equipara-se a uma entrante, tanto em relação aos incentivos para a participação no certame, quanto nos efeitos concorrenciais futuros”.
Para o revisor, Bruno Dantas, “o modelo bifásico é o que melhor concilia os múltiplos objetivos, garante o investimento, ataca a falha estrutural, promove a concorrência real”, defendeu classificando como “ingênua” a avaliação de que os armadores vão permitir concorrência pelos ativos. “Estamos longe de lidar com um setor comezinho da economia nacional, em que os atores têm baixo poder de interferência na atividade comercial do Brasil”.
Decisão da agência é legal, diz revisor
De acordo com ele, a tese assumida pelo relator “existe no mundo ideal”. “Quando lia o voto que o meu eminente relator nos apresentaria nesta tarde, eu imaginava que, no mundo ideal, certamente todas aquelas considerações receberiam a minha chancela”.
Dantas também ressaltou que a decisão da agência pode não ser a melhor escolha, mas é legal, foi fundamentada e lembrou que o TCU já permitiu outros leilões com restrição. “A causa primária do problema concorrencial no Porto de Santos é a verticalização. É ela que retroalimenta a concentração horizontal”, disse o ministro revisor, apontando que os armadores atuariam com práticas de exclusão de concorrentes. Na visão dele, ao identificar o problema da verticalização, a ANTAQ declinou em aplicar remédios regulatórios.
“A solução que defendo não representa uma ruptura com a análise técnica feita pela agência setorial. Pelo contrário: a proposta que apresento aos senhores ministros é a conclusão lógica que surge do próprio diagnóstico da ANTAQ. Foi a própria agência que identificou a verticalização, mas, no momento de prescrever o tratamento, hesitou”, defendeu ele, ressaltando que seu pedido de mudança seria uma recomendação à agência e não uma determinação.
Dantas afirmou ainda que o modelo de desinvestimento seria inócuo, estimularia a judicialização e não funcionaria para criar a concorrência, já que o vendedor é quem escolhe para quem vai vender e poderia fazê-lo a uma empresa que não seria agressiva na disputa pelo mercado portuário. Ele lembrou ainda que, em casos semelhantes, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nomeia uma espécie de interventor para avaliar se o adquirente vai estimular a concorrência.
Verticalização não foi avaliada
O relator Antonio Anastasia contestou que a agência tenha apontado a verticalização como problema, indicando que, de acordo com a nota técnica da ANTAQ, que defendeu o leilão bifásico, a autarquia ressaltou risco de concentração relevante, especialmente se operadores atuais de Santos vencerem sem restrições, mas não concluiu automaticamente que toda verticalização deve ser proibida, desde que existam salvaguardas regulatórias.
Anastasia também pontuou que a ANTAQ se adiantou ao discorrer sobre o tema da verticalização e retirar a hipótese do debate. “Por isso, o tema não foi colocado ao longo do processo nesses últimos meses”, disse o revisor, lembrando que a Subsecretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e o Cade também não indicaram a necessidade de impedir a verticalização. E que o Cade aprovou sem restrição a recente compra de um terminal bandeira branca por um armador (Santos Brasil pela CMA CGM) sem restrições.
O relator também afirmou que os terminais de bandeira branca, defendidos por Bruno Dantas para combater a verticalização, podem se associar com armadores. “Nada impede que o terminal de bandeira branca venha a se associar a um armador. Aliás, foi exatamente o que o grupo de Dubai, a DP World, fez, ainda que se tratasse de um terminal privado”.
Última sessão do ano
Em relação ao desinvestimento, Anastasia lembrou ainda que o próprio ministro Bruno Dantas deixou a possibilidade em seu voto da DP World participar do leilão do Tecon 10 se fizer o desinvestimento. Segundo ele, a regra de ambos é a mesma, o que mostra que o modelo seria funcional. A tese de Bruno Dantas contou com o apoio declarado na votação de mais três ministros – Walton Alencar, Augusto Nardes e Jorge Oliveira.
No tribunal, são necessários cinco votos para um voto vencedor. Antes dos ministros apresentarem seus votos, Augusto Nardes havia dito que votaria com o revisor. Mas, ainda durante a apresentação do voto revisor, ele pediu 15 dias para analisar “mais detalhes” do processo. A discussão retorna numa sessão extraordinária do tribunal na segunda-feira, 8 de dezembro, que será a última do ano. Depois, o tribunal entra em recesso e só retoma as votações em janeiro.