Artigos e Entrevistas
“A necessidade de qualificação profissional tornou-se imprescindível”, diz desembargador do TRT-2
Fonte: A Tribuna On-line
A Tribuna entrevista Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2)
O setor portuário promete mudanças quando entrar em vigor a nova Lei dos Portos, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados por intermédio do Projeto de Lei 733/2025. Ele é fruto do anteprojeto da Comissão de Juristas para Revisão Legal e Exploração de Portos e Instalações Portuárias (Ceportos). O relator do texto foi Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira, magistrado desde 1993 e atualmente desembargador do Tribunal Regional do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2). Em entrevista para A Tribuna, ele fala sobre vários assuntos envolvendo o setor portuário, em especial o texto que está sendo analisado pelos parlamentares.
Quais as mudanças nos portos mais significativas nas últimas décadas?
Os portos brasileiros passaram por transformações significativas, impulsionadas por mudanças legislativas e operacionais que redefiniram o setor portuário no País. Uma das principais foi a promulgação da Lei 8.630/1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos. Essa legislação estabeleceu a privatização da operação portuária por meio de contratos de arrendamento dos terminais dentro dos portos organizados, transferindo a gestão operacional para a iniciativa privada. Outro marco foi a Lei 12.815/2013, que ampliou as autorizações para terminais de uso privado. Essa mudança teve um impacto expressivo, já que hoje esses terminais representam cerca de 65% da movimentação de carga e descarga nos portos brasileiros. A expansão dos terminais privados trouxe maior flexibilidade e competitividade ao setor, além de atrair investimentos privados em infraestrutura e tecnologia. A importância do setor portuário para a economia brasileira foi ainda reconhecida com a criação, primeiro, da Secretaria dos Portos e, posteriormente, do Ministério dos Portos, que foi desvinculado da estrutura do Ministério da Infraestrutura. Essa mudança institucional evidenciou a relevância estratégica dos portos para o desenvolvimento econômico do País, garantindo maior foco e recursos para o setor.
Em meio a isso, como o trabalho portuário foi modificado?
A transformação do trabalho portuário ao longo do tempo reflete mudanças profundas no setor, influenciadas pela modernização tecnológica, automação e novas demandas do mercado. Essas mudanças trouxeram tanto ganhos quanto desafios para os trabalhadores, redefinindo o perfil e as condições de atuação no ambiente portuário. Esse processo foi acompanhado pela introdução de equipamentos modernos e sistemas automatizados, que reduziram a dependência do trabalho braçal, tradicionalmente masculino, e abriram espaço para atividades técnicas que exigem maior qualificação profissional. Essa evolução permitiu a inserção das mulheres no mercado de trabalho portuário, ampliando a diversidade e promovendo a inclusão no setor. No entanto, essas mudanças também trouxeram desafios significativos. A necessidade de qualificação profissional tornou-se imprescindível para a manutenção da empregabilidade, exigindo que os trabalhadores se adaptem às novas demandas técnicas e tecnológicas. A modernização reduziu a demanda por mão de obra não qualificada, o que poderá acarretar perdas para aqueles que não conseguiram se atualizar ou se capacitar para as novas funções. Por outro lado, os trabalhadores que se qualificaram passaram a ter acesso a oportunidades mais estáveis e bem remuneradas, além de um ambiente de trabalho mais seguro e menos desgastante fisicamente. O anteprojeto da Ceportos, por exemplo, buscou valorizar o trabalho portuário ao manter todos os direitos individuais dos trabalhadores e promover a qualificação profissional.
Quais as principais demandas judiciais envolvendo trabalhadores portuários?
A falta de segurança jurídica nos processos de acordos e convenções coletivas de trabalho tem sido um dos principais motivos para o aumento das demandas judiciais envolvendo trabalhadores portuários. Muitas dessas ações dizem respeito à contestação de cláusulas presentes em acordos coletivos, mesmo após a aprovação desses documentos em assembleias de trabalhadores e pelo setor econômico. É comum que os próprios trabalhadores que participaram das assembleias e aprovaram as normas coletivas posteriormente ingressem com ações judiciais, alegando a nulidade do convencionado e reivindicando diferenças salariais ou de direitos. Essa prática reflete a insegurança jurídica e a desconfiança em relação aos processos de negociação coletiva.
Sobre PL733/2025, a tramitação está de acordo com o esperado?
Está ocorrendo conforme o esperado e dentro do ritmo adequado, considerando a relevância do projeto. A condução do processo tem sido marcada por eficiência e transparência, sob a liderança do presidente da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, Murilo Galdino, e do relator Artur Maia. Ambos têm demonstrado comprometimento em garantir que o projeto avance de forma ágil e assertiva, com o objetivo de consolidar uma legislação moderna e alinhada às necessidades do setor portuário.
Qual será a grande virada de chave que a mudança na Lei dos Portos vai provocar?
A transformação trazida pelo PL 733/2025 apresenta uma mudança estrutural para o setor portuário brasileiro, com foco na descentralização, simplificação e desburocratização da regulação. Esses princípios são fundamentais para criar um ambiente mais seguro e atrativo para investimentos privados, essenciais para aumentar a movimentação de carga e modernizar a infraestrutura portuária do País. A segurança jurídica, um dos pilares centrais da proposta, é garantida por duas mudanças significativas: a consolidação do prazo de 70 anos para contratos de arrendamento e a possibilidade de novos investimentos além dos obrigatórios, sem necessidade de autorização prévia.
Há quem defenda a revisão de trechos da Lei 12.815/2013, em vez da edição de uma nova Lei dos Portos. O que acha?
O Projeto de Lei 733/2025 representa muito mais que uma simples atualização normativa. Ao instituir o Sistema Portuário Brasileiro, ele consolida o setor portuário como prioridade nacional, atribuindo-lhe a relevância institucional que sempre demandou. Além disso, estabelece princípios e diretrizes unificadoras, servindo como eixo interpretativo para todo o arcabouço legal portuário existente. Essa iniciativa supera a mera revisão pontual da Lei 12.815/2013, propondo uma reestruturação sistêmica que harmoniza a legislação dispersa e elimina contradições históricas, criando um ambiente normativo mais coerente e eficiente. A criação de um sistema jurídico especializado para o setor portuário traz impactos profundos e duradouros. Ele confere uma lógica coerente à regulamentação portuária, eliminando ambiguidades e garantindo maior clareza para os agentes envolvidos. Essa base estável é essencial para atrair investimentos de longo prazo, especialmente em projetos de infraestrutura que demandam segurança jurídica e previsibilidade. Além disso, o alinhamento com padrões internacionais fortalece a competitividade global dos portos brasileiros, posicionando o país como um player de destaque no cenário logístico mundial. A proposta do PL 733/2025 vai além de ajustes legislativos – é um redesenho estratégico que posiciona o Brasil na vanguarda da governança portuária.
O que achou do acordo feito pela Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop) com as federações de trabalhadores, que resultou em um texto substitutivo na parte trabalhista do projeto?
Esse acordo é fruto de um processo de negociação que buscou equilibrar os interesses dos empregadores e dos trabalhadores, refletindo um avanço significativo na construção de um ambiente mais harmonioso e produtivo nos portos brasileiros. O texto elaborado pela Ceportos é um documento técnico que incorpora boas práticas mundiais e respeita os princípios constitucionais, especialmente aqueles relacionados à ordem econômica. No entanto, a Câmara dos Deputados, como espaço político por excelência, é o local adequado para a negociação de um pacto social entre capital e trabalho.
Como avalia o futuro leilão do Tecon Santos 10?
O Tecon Santos 10 é particularmente estratégico, pois visa eliminar os gargalos na movimentação de contêineres, aumentando a capacidade operacional e reduzindo custos logísticos. Além disso, o projeto promete gerar empregos de qualidade para a população da Baixada Santista, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico da região.
Comentários (0)
Compartilhe
Voltar





Versão em pdf
