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Portos, cidades e o Brasil que atraca: o futuro com o PL 733/2025

Fonte: Valor Econômico / Caroline Ribeiro Souto Bessa*
 
O desafio será encontrar o equilíbrio entre eficiência e competitividade sem se distanciar do desenvolvimento sustentável
 
O setor portuário brasileiro está diante de uma transformação significativa com a tramitação do Projeto de Lei (PL) nº 733/2025, que propõe um novo marco regulatório para substituir a Lei nº 12.815/2013. Essa mudança não se limita a aspectos técnicos ou operacionais, ela representa uma reconfiguração profunda de como o Brasil gerencia seus ativos portuários e se posiciona no comércio internacional.
 
Nem só de cargas e contratos se faz um porto. A legislação portuária também move cidades inteiras, impactando diretamente o desenvolvimento urbano, social e econômico das regiões onde os terminais estão inseridos. Quando uma embarcação atraca, não é apenas a carga que se movimenta, mas toda uma cadeia de relações econômicas, sociais e ambientais que se ativa.
 
Diante da amplitude do PL 733/2025, este artigo busca oferecer uma análise panorâmica de seus principais pontos, destacando os avanços pretendidos, os dilemas que suscita e as perguntas ainda em aberto. Trata-se de uma janela de oportunidade que pode, se bem conduzida, alinhar os portos brasileiros às demandas de um país moderno, eficiente e comprometido com o desenvolvimento sustentável.
 
O texto em discussão no Congresso traz propostas de mudanças estruturais que buscam modernizar o setor e atrair investimentos. Entre as principais inovações estão contratos mais longos (até 70 anos), redistribuição de competências entre União, Estados e municípios, novas regras para o trabalho nos terminais e estímulo à autorregulação e à resolução consensual de conflitos.
 
Um dos aspectos que mais suscitam debate é a descentralização administrativa, com a transferência de competências da União para entes como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e autoridades portuárias locais. A intenção é conferir agilidade à gestão, mas surgem dúvidas legítimas sobre a capacidade técnica e institucional de diferentes níveis de governo para lidar com a complexidade do setor.
 
Outro ponto sensível é a busca por isonomia entre os Terminais de Uso Privado (TUPs) e os terminais arrendados. Embora a Constituição assegure a livre concorrência (artigo 170, IV), a realidade atual revela assimetrias que, em alguns casos, beiram a concorrência desleal.
 
Essas disparidades aparecem nas obrigações de investimento, nas tarifas, na complexidade do licenciamento ambiental e nas exigências operacionais. Sem uma correção regulatória eficaz, há risco de distorção nos fluxos de capital e investimentos, com prejuízos à organização sistêmica do setor.
 
Embora o PL 733/2025 sinalize uma intenção de mitigar essa falta de isonomia, o debate setorial permanece intenso quanto à eficácia das medidas propostas. Vozes do setor levantam questionamentos fundamentais: a descentralização administrativa representará uma verdadeira desburocratização ou apenas transferirá gargalos para outras instâncias? Os portos públicos conseguirão competir em igualdade de condições ou veremos um aprofundamento das assimetrias competitivas? São perguntas que pairam sobre o horizonte portuário brasileiro e que só o tempo - e a implementação efetiva do novo marco - poderá responder.
 
Além da isonomia, a proposta também altera significativamente a governança portuária. A Antaq passaria a ser responsável pelas autorizações de terminais privados fora da área dos portos organizados. O Conselho de Autoridade Portuária (CAP) ganharia peso político, podendo sabatinar diretores das autoridades portuárias. Contudo, ainda é essencial esclarecer os limites de competência entre Antaq, Cade e TCU, cujos embates interpretativos têm gerado insegurança jurídica e excesso de judicialização - um dos entraves históricos do setor.
 
Discutir a nova lei também exige ouvir quem está fora do terminal, mas sente seus efeitos todos os dias. Nas cidades portuárias, decisões tomadas sem diálogo causam efeitos substanciais. Trânsito, ruídos, pressão sobre os serviços urbanos e disputas por espaço não estão nos contratos, mas pesam no cotidiano de quem vive ao redor.
 
Um tema que ganha destaque nas discussões é a situação dos portos secos (retroportuários). Localizados no interior, esses terminais retroportuários oferecem serviços logísticos semelhantes aos portos marítimos, mas sem as mesmas obrigações regulatórias, tarifas ou investimentos públicos exigidos. Essa lacuna levanta alertas sobre concorrência desleal, exigindo harmonização normativa para garantir equidade no sistema logístico nacional.
 
O Brasil precisa, sim, atualizar seu marco legal portuário. A modernização é urgente, mas o debate em torno do PL 733/2025 revela que a nova lei pode ser mais do que uma atualização técnica: é uma oportunidade para repensar a intrínseca relação entre portos, cidades e o desenvolvimento nacional.
 
O desafio será encontrar o equilíbrio entre eficiência e competitividade sem se distanciar do desenvolvimento sustentável, inclusivo e que considere as múltiplas dimensões - econômicas, sociais e ambientais - da atividade portuária.
 
A tramitação do PL no Congresso Nacional é, portanto, uma janela crucial para que todos os atores envolvidos - setor produtivo, poder público, especialistas e, fundamentalmente, as comunidades locais - contribuam para um marco regulatório que não apenas responda às demandas do comércio global, mas também impulsione um Brasil mais integrado e justo, , sem esquecer que cada navio que atraca movimenta o cotidiano de quem vive ao redor do cais.
 
*Caroline Ribeiro Souto Bessa é gestora da Área de Contencioso Cível Estratégico de Martorelli Advogados
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
 

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