Artigos e Entrevistas
Menos Brasília, mais porto
Fonte: Diário do Litoral, por Antonio Carlos Fonseca Cristiano*
Novo marco regulatório precisa fortalecer a autoridade local
Novo marco regulatório precisa fortalecer a autoridade local
O Projeto de Lei 733/2025 representa um passo importante para a modernização da regulação portuária no Brasil. Apresentado como um marco regulatório para disciplinar a exploração da infraestrutura portuária nacional, o PL traz avanços louváveis, mas impõe um alerta: a centralização excessiva de competências pode enfraquecer justamente os protagonistas do desenvolvimento portuário: as autoridades locais.
O texto, que replica um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas da Câmara dos Deputados, propõe mudanças significativas, como a criação da “Janela Única Aquaviária” e a unificação do licenciamento ambiental, medidas que prometem ganhos reais de eficiência e redução de burocracia. Introduz também contratos padronizados, novos modelos de outorga e a previsão de incentivos regulatórios para estimular boas práticas de operação e gestão. São iniciativas que apontam para um sistema mais técnico e previsível.
Contudo, ao mesmo tempo em que promove avanços, o PL amplia de forma sensível o papel da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A agência passa a ter poderes não apenas regulatórios, mas também deliberativos e normativos sobre praticamente todos os aspectos da concessão e exploração portuária, incluindo critérios de desempenho, revisão contratual, reequilíbrio econômico-financeiro e substituição de operadores. Esse movimento pode ser interpretado como um fortalecimento excessivo da União, em detrimento da governança local.
Com isso, o questionamento que fica é: o que se perde, de fato, quando a Antaq concentra decisões essenciais? Haverá mais burocracia e morosidade nas análises de reequilíbrios, percepção de decisões distantes do contexto, travamento de soluções logísticas locais, entre outras situações que são totalmente regionais?
É nesse sentido que o projeto tropeça. A eficiência dos portos brasileiros não depende exclusivamente de normas nacionais, ela nasce da capacidade de gestão local, da escuta ativa dos usuários e da articulação com os municípios. Portos como o de Santos não podem ficar à mercê de decisões padronizadas exclusivamente em Brasília, que podem ser tomadas de forma desconectada da realidade operacional e da dinâmica urbana da região.
Em Santos, por exemplo, questões como a destinação do Macuco, a dragagem ou os acessos rodoviários exigem decisões integradas com a cidade, algo que Brasília dificilmente resolverá sozinha.
Cidades portuárias têm realidades distintas, demandas específicas e relações únicas entre porto e território. Santos, por exemplo, não é apenas uma cidade portuária, é o coração logístico do País. Abriga o maior e mais diverso complexo portuário do Brasil, responsável pelo escoamento de grande parte da produção nacional.
Sua operação envolve modais ferroviários, rodoviários e marítimos altamente integrados, e impacta diretamente a vida de milhões de pessoas. Em maio deste ano, o Porto de Santos movimentou 16,6 milhões de toneladas de cargas, um recorde para um único mês e 5,1% a mais que o resultado de maio do ano passado.
A gestão desse porto exige respostas sob medida, decisões rápidas e um modelo de governança que reconheça sua complexidade. E isso constrói-se com autonomia local, inteligência técnica e diálogo permanente entre cidade, operadores e poder público.
O projeto não trata, de forma estruturada, o papel das autoridades portuárias enquanto entes gestores com autonomia decisória. Tampouco fortalece os conselhos de autoridade portuária (CAPs) como fóruns legítimos de participação. Isso enfraquece a construção de soluções territorializadas e o diálogo com os entornos urbanos.
Defendo que o PL 733/2025 seja aprimorado para reconhecer explicitamente o papel das autoridades portuárias como gestoras com prerrogativas reais. Isso inclui autonomia para firmar convênios com municípios, liderar projetos de integração porto-cidade, promover a qualificação da mão de obra local e articular soluções intermodais. A previsibilidade regulatória não deve excluir o protagonismo local.
Menos Brasília não significa ausência de regulação. Significa inteligência federativa: um modelo em que a União coordena, mas os territórios decidem. Que a Antaq regule, mas não substitua a capacidade de gestão de quem conhece, opera e vive o porto.
Se queremos portos mais eficientes, precisamos confiar na base. Valorizar a autoridade portuária como elo entre operação, cidade e desenvolvimento é reconhecer que a logística começa no cais, mas impacta toda a vida urbana ao redor. E isso só se constrói com autonomia, diálogo e governança local fortalecida.
O Brasil precisa de portos modernos, mas também precisa de gestores empoderados, que construam soluções a partir do território. Por isso, digo com convicção: o sucesso do novo marco regulatório não depende apenas de Brasília. Depende de mais porto.
*Antonio Carlos Fonseca Cristiano, conhecido como Caio, é diretor-presidente da Marimex
*Antonio Carlos Fonseca Cristiano, conhecido como Caio, é diretor-presidente da Marimex



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