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Alerta na aplicação da Lei das Estatais

Fonte: Valor Econômico / GS Notícias
 
A não execução das regras pode gerar impactos políticos

 
A campanha eleitoral já domina a pauta política, mas um instrumento fundamental para a manutenção da prestação de serviços à população é mantido à margem do debate travado pelos pré-candidatos e das prioridades de diversos governantes. Todas as empresas públicas precisam se enquadrar à Lei das Estatais em um prazo de aproximadamente seis meses. Mesmo assim, gestores públicos em Brasília e no restante do país parecem não dar a devida atenção à questão.
 
Esse risco é descrito com detalhes em um estudo produzido pela EY, empresa de auditoria e consultoria. De autoria de Luis Pontes, sócio-líder para Governo e Setor Público para a América Latina da EY, do gerente sênior de consultoria Rafael Colnago e do consultor sênior Daniel Silveira, o trabalho identificou 252 empresas estatais no Brasil, sendo 150 controladas pelo governo federal, 77 estaduais e 25 nos municípios de maior Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, 49 atuam na área elétrica, 34 no setor de petróleo e derivados, 17 no segmento financeiro, 16 em comércio e serviços e 8 em portos. Há ainda companhias de transportes, abastecimento, saúde e assistência social, por exemplo. Ou seja, serviços urbanos, de infraestrutura e sociais de extrema importância, cuja qualidade costuma influenciar inclusive a popularidade de presidentes, governadores e prefeitos.
 
"Essas empresas podem sofrer penalidades administrativas. Os órgãos de controle podem obviamente começar a aplicar sanções aos diretores dessas empresas e, em última análise, eles podem até responder civil e criminalmente", explica Luis Pontes, acrescentando que, no limite, diretorias de empresas estatais podem até sofrer intervenção. "As empresas podem ser obrigadas a parar de licitar porque elas não se adequaram à lei. Isso já deixa um passivo enorme sobretudo para os novos governadores, às vésperas das eleições. Os governadores que entrarem podem lidar com esses problemas nas empresas estaduais."
 
Em tempos em que vice-presidentes da Caixa Econômica Federal estão sendo afastados devido a suspeitas de irregularidades e a Lei 13.303/2016 já vem sendo um filtro às nomeações políticas para as diretorias de várias estatais, o trabalho da EY evidencia um cenário preocupante. No âmbito federal, a grande maioria das empresas estatais não tem um alto grau de aderência à Lei das Estatais. Em alguns Estados, o quadro é mais grave. Apenas 16 unidades da federação regulamentaram a Lei das Estatais. Segundo Pontes e sua equipe, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe sequer definiram os dispositivos legais que garantirão a aplicação, por suas empresas estaduais, da proposta aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer em meados de 2016.
 
É difícil imaginar que governadores e deputados estaduais ainda levarão essa discussão adiante de forma racional e transparente em tão pouco tempo. Além disso, em abril governadores que concorrerão à reeleição precisarão sair dos cargos, o que pode deixar eventuais procedimentos para a regulamentação da lei à deriva.
 
Há um longo caminho a se percorrer, destaca a equipe da EY. As exigências da Lei 13.303/2016 passam, por exemplo, pela instituição de conselhos de administração compostos por 7 a 11 integrantes, dos quais 25% devem ser independentes. Seus componentes precisam ter experiência comprovada e formação acadêmica. Há restrições também a candidatos com atuações recentes em partidos políticos, entidades sindicais ou fornecedores dessas companhias.
 
A legislação obriga ainda a realização de auditorias, a criação de conselhos fiscais, a adoção de práticas de gestão de riscos e controles internos, a elaboração de códigos de condutas e integridade, o oferecimento à população e ao público interno de canais de denúncias. Outras medidas de gestão estabelecidas são: a elaboração de estratégias de longo prazo, a divulgação das remunerações dos administradores, a avaliação de desempenho e a divulgação sobre distribuições de dividendos, além da definição de estatutos.
 
Para usar critérios mais flexíveis de contratação, a empresa estatal precisa adotar esses e outros instrumentos jurídicos e gerenciais que, pelo menos em teoria, evitam práticas abusivas. Trata-se de um conjunto de medidas complexas, mas justamente por isso o prazo para a aplicação dessas regras, fixado em dois anos, foi considerado bastante razoável.
 
Os debates sobre a criação de uma lei de responsabilidade das empresas públicas ganharam impulso após a Operação Lava-Jato, enquanto se discutia também o processo de transição entre os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Acuado, o meio político reagiu como de costume. Atuou para agradar a plateia e tentar mostrar que estava determinado a combater malfeitos e esquemas de corrupção.
 
Como mostra o estudo conduzido por Luis Pontes, Rafael Colnago e Daniel Silveira, da EY, a Lei das Estatais é a etapa recente de um processo crescente de regulamentação dos assuntos de governança e riscos no setor público. A aplicação da lei deveria servir de oportunidade para a transformação dessas organizações, com vistas a mais agilidade, desempenho e transparência.
 
Hoje, no entanto, infelizmente um dos riscos é a potencial insegurança jurídica que pode ser criada em diversos segmentos da economia, caso várias empresas de fato desrespeitem o prazo fixado. Há que se ter, também, um monitoramento efetivo, pelos órgãos de controle, da ocupação de cargos e o uso das empresas em um ano eleitoral. A Lei das Estatais reduz as brechas para nomeações estritamente políticas, mas sempre é bom lembrar que vários delatores do esquema desvendado pela Operação Lava-Jato poderiam se enquadrar nos critérios estabelecidos pela atual legislação. Eram quadros técnicos e antigos da Petrobras, mas se tornaram integrantes de organizações criminosas.
 

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