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Reforma trabalhista vai pôr sindicatos em guerra, diz líder de metalúrgicos

Fonte: Folha de S. Paulo

 
Presidente de um dos sindicatos mais poderosos do país, o dos metalúrgicos do ABC paulista, Rafael Marques teme que a reforma da legislação trabalhista em discussão no Congresso abra caminho para uma guerra entre sindicatos, com prejuízo para os interesses dos trabalhadores.
 
A exemplo da guerra fiscal, em que governos estaduais baixam impostos para atrair investimentos, Marques acha que uma flexibilização excessiva das regras pode levar sindicatos de regiões menos organizadas a aceitar condições piores de trabalho para atrair empresas para suas bases.
 
Filiado ao PT e à CUT (Central Única dos Trabalhadores), Marques considera excessiva a interferência da Justiça nas relações entre patrões e empregados, mas é contra as mudanças propostas pelo governo Michel Temer (PMDB).
 
"Essa reforma não foi pensada para colocar o Brasil em sintonia com o futuro, mas para aumentar a lucratividade das empresas", disse. Em julho, ele deixa o comando do sindicato, que foi o berço político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para criar um instituto para discutir o futuro da indústria, com apoio de federações estaduais de trabalhadores.
 
Folha - Apesar da crise política, a reforma trabalhista está avançando no Senado. Temer tem legitimidade para isso?
 
Rafael Marques - Mesmo antes da mais recente crise, o presidente não tinha legitimidade, porque essas reformas não foram referendadas pelas urnas. Só um governo que não foi eleito imporia esse ritmo de tramitação no Congresso.
 
O nível de desconfiança da sociedade é imenso. Ainda assim, o senador Ricardo Ferraço [PSDB-ES; relator da reforma trabalhista] se fia num acordo para corrigir a reforma via medida provisória [apóss ela passar no Senado]. Mas será que Temer vai cumprir o que prometeu? Não confiaria nele.
 
A CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] nasceu com Getúlio Vargas há mais de 70 anos. A legislação brasileira não precisa de mudanças?
 
A CLT foi sendo atualizada ao longo do tempo. O fato de ter nascido em 1945 não quer dizer que ficou engessada. As regras de banco de horas surgiram nos anos 2000. O programa de proteção ao emprego só foi criado há dois anos.
 
O debate não é para adequar a CLT às novas tecnologias da indústria 4.0 ou às novas modalidades de compra criadas pela internet. A reforma não foi pensada para colocar o Brasil em sintonia com o futuro, mas para aumentar a lucratividade das empresas, introduzindo regimes de trabalho que só garantem uma fração dos direitos.
 
A reforma prevê jornada de trabalho parcial, jornada intermitente e trabalho em casa. Não é uma maneira de o país se adequar à nova realidade?
 
Essas medidas só vão empobrecer os salários. Com jornada e renda menor, os trabalhadores serão obrigados a ter dois empregos e trabalhar no concorrente. As empresas vão perder comprometimento.
 
Na Itália e em Portugal, essas medidas foram adotadas e depois tiveram que ser revertidas. Setores do empresariado apoiam essa pauta equivocadamente. O fortalecimento da competitividade e da produtividade não passa por aí.
 
As mudanças propostas pelo Senado são suficientes para corrigir a reforma trabalhista?
 
Não, mas não podemos deixar de fazer esse movimento. Na Câmara, tentamos incluir o conceito de categoria preponderante nas regras da terceirização e não conseguimos. Vamos tentar de novo.
 
Essa situação é preocupante, porque a aprovação exige maioria simples no Senado. Mas vou dizer uma coisa: quanto mais dura for essa legislação, menos ela vai se sustentar. Vamos ter eleições neste país e apresentaremos para cada candidato a presidente e a deputado o que consideramos lesivo aos trabalhadores nessa reforma. A sociedade vai exigir mudanças.
 
O principal ponto da reforma é consagrar o princípio de que acordos negociados entre trabalhadores e empresas se sobrepõem a decisões da Justiça. Qual a sua posição sobre isso?
 
A judicialização das relações trabalhistas é um problema no Brasil. Como há uma tendência dos empresários a não cumprir as regras, o Judiciário age com muito rigor.
 
Por exemplo: há empresas que têm ônibus para o transporte até a fábrica e com isso o trabalhador às vezes chega um pouco mais cedo. Depois as pessoas reclamam esse tempo na Justiça. Não concordo. Esses funcionários optaram pelo que seria a melhor forma de chegar ao trabalho.
 
O senhor então é a favor desse aspecto da reforma?
 
Sou a favor da negociação direta, mas a reforma descompensa as forças na mesa de negociação. Hoje nosso sindicato tem capacidade de resistência, mas até quando? E se uma montadora ou uma indústria de autopeças começar a ter uma negociação trabalhista suave em outra base territorial porque o sindicato de lá está sendo pressionado?
 
Nos Estados Unidos, por exemplo, os trabalhadores da Nissan não se sindicalizam, porque recebem uma carta do prefeito dizendo que a empresa vai embora para o México [se eles se filiarem]. No Brasil, já temos a guerra fiscal entre os Estados para atrair investimentos. Vamos ter agora uma guerra trabalhista, com regiões oferecendo contratos favoráveis para atrair fábricas?
 
Mas algumas empresas hoje em dia já mudam para regiões com sindicatos mais fracos.
 
A questão trabalhista não é relevante nesse fenômeno. O que temos hoje são regiões novas com salários mais baixos, que vêm se aproximando do que é praticado no ABC.
 
Mas o que pode acontecer com as novas regras? Aqui temos, por exemplo, garantia de emprego para quem se acidentar na empresa até se aposentar. É civilizatório, porque a empresa tem que investir no seu processo produtivo para não lesionar o empregado. Só que, ao mesmo tempo, representa um custo importante.
 
A empresa pode se sentir atraída por uma convenção coletiva que não tenha isso. Temos que amadurecer a cultura da negociação, mas pode ser muito perigoso em regiões sem experiência sindical.
 
As mudanças previstas na reforma permitem que as empresas escolham a convenção trabalhista que quiserem?
 
Ainda não. Meu receio não é de curto prazo, mas o que virá em dez anos. Estamos importando o que de pior foi feito em outros países. O governo está utilizando uma janela de oportunidade, que é o golpe sofrido pela [ex-presidente] Dilma [Rousseff], para acelerar essas reformas.
 
A crise provocada pela delação da JBS tirou o ímpeto dessa gente, mas não a pauta. Eu estava na Câmara quando aprovaram a reforma trabalhista e os deputados provocaram dizendo que agora seria a vez da reforma sindical.
 
Está previsto o fim do imposto sindical obrigatório, com o argumento de que sustenta sindicatos sem representatividade. O sr. é contra também?
 
Quando o [ex-presidente] Lula propôs uma reforma sindical em 2003, nós defendemos o fim do imposto sindical. As entidades mais históricas estão preparadas para isso. Hoje, nos financiamos com a taxa das campanhas salariais e com a mensalidade sindical. Você tem que conquistar o trabalhador e convencê-lo a fazer parte do sindicato.
 
Mas é preciso criar outro sistema de fomento dos sindicatos, e não dá para acabar com o imposto numa tacada só. Neste momento, o fim do imposto sindical é desleal.
 
Ninguém está falando em mexer no Sistema S, que financia as entidades patronais. Esse dinheiro é para a qualificação profissional, mas acaba financiando tudo, até o pato da Fiesp [o boneco da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo que se tornou símbolo da campanha pelo impeachment de Dilma].
 
Defensores de uma reforma sindical dizem que ela deveria permitir aos trabalhadores se filiar ao sindicato que quisessem. Qual a sua opinião?
 
Acho perfeito. Permitiria, por exemplo, a fusão de sindicatos. É muito diferente de regras que favoreçam a guerra sindical. Que trabalhador vai querer uma convenção ruim?
 
Os trabalhadores da Budweiser nos Estados Unidos, por exemplo, são filiados ao sindicato automotivo, porque querem uma convenção favorável e têm liberdade para optar pelo melhor sindicato.
 
Não temos que brigar entre sindicatos, mas começar a nos fundir. Na minha opinião, já deveríamos ter um sindicato de trabalhadores da indústria, não um para cada setor -automotivo, químico, têxtil, etc.
 
Qual a saída para a crise atual?
 
Eu defendo eleições diretas e gerais. O impeachment da Dilma foi uma violência e quebrou o entendimento que existia sobre o país. Ela saiu e entrou uma quadrilha. O país está de pernas para o ar e só o povo pode consertar isso.
 
Se elegerem alguém com uma concepção totalmente diferente da minha, tudo bem. Mas é preciso que os candidatos digam que defendem as reformas. Se ganharem, as reformas estão legitimadas.
 
Por que a esquerda não está conseguindo mobilizar a população por eleições diretas?
 
Realmente não é igual a 1984 [ano da campanha por diretas no fim da ditadura]. Percebo muita gente que se mobilizou contra a Dilma e não está disposta a ir para a rua de novo, porque quebrou a cara ao ver entrar um governo pior.
 
Também há uma desvalorização da política, o que é péssimo. Executivo e Legislativo são os Poderes eleitos. O Judiciário é o Poder moderador, não pode governar o país.
 
O sr. acredita que o ex-presidente Lula tem chance nas eleições de 2018?
 
Numa pesquisa feita pela CUT, ele tem 40% de intenção de voto. A rejeição também é alta, mas ele é o quadro mais competitivo. Lula pode ser a transição que precisamos, porque rejuvenesceu e está tentando entender o que a molecada pensa. Mas faltam novas lideranças no país.
 

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