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Empresas envolvidas na Lava-Jato demitem 300 mil em três anos

Fonte: Valor Econômico
 
O casal Luiza Dutra e Thiago Gonçalves mora em Urubici, cidade catarinense de 11 mil habitantes a 170 quilômetros de Florianópolis. Arquiteta, ela tem 30 anos e está à frente de seu próprio escritório. O marido, com 32 anos, presta consultoria para a clínica veterinária da família. Sete meses antes, a vida era completamente diferente: eles viviam em São Paulo e trabalhavam havia quase cinco anos nas áreas de incorporação imobiliária e administrativa e financeira da construtora Odebrecht. Assim como eles, outros 100 mil funcionários foram desligados da empresa nos últimos três anos.
 
Esse número passa de 300 mil se contabilizados os cortes feitos por outros cinco grandes grupos citados na Operação Lava-Jato - Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Engevix, Queiroz Galvão e UTC. O balanço feito pelo Valor levou em conta relatórios divulgados pelas companhias e bases de dados do setor.
 
Como as informações referentes a 2016 estão disponíveis para apenas parte do grupo - Andrade, UTC e Engevix enviaram números atualizados e os dados da Odebrecht foram coletados com fontes do setor - o saldo negativo é certamente superior. Para efeito de comparação, a Associação das Empresas de Serviços de Petróleo estima que o setor de óleo e gás, outro que reduziu drasticamente de tamanho desde o início da operação, perdeu 440 mil empregos entre 2013 e 2016.
 
Proporcionalmente, o maior corte foi feito pela Engevix, que reduziu o quadro de funcionários de 3,5 mil para 469, queda de mais de 80%. Em termos absolutos, o saldo mais negativo foi o da Andrade Gutierrez, que fechou 144,9 mil dos 251,9 mil postos que mantinha em 2013. A assessoria de imprensa da empresa ressalta que a estimativa para o dado fechado de 2016 é parcial, e que a redução de pessoal entre 20% e 25% na comparação com 2015 inclui desinvestimentos e vendas de ativos feitos pelo grupo no ano passado.
 
Na UTC, o volume de colaboradores encolheu de 27,4 mil em 2013 para 8,3 mil no ano passado, queda de 70%. O grupo Odebrecht reduziu o quadro a 85 mil em 2016, depois de registrar 181,5 mil contratados em 2013, entre engenheiros, profissionais de recursos humanos, de áreas administrativas e trabalhadores da construção civil. O número, contudo, não é oficial.
 
Procurada, a empresa afirmou que o último dado disponível é o de 2015. "Nos últimos três anos houve forte impacto da crise econômica sobre as empresas e o emprego no Brasil. O PIB teve queda acumulada de 7,2% apenas de 2015 para cá. O resultado é que hoje temos no país 13 milhões de desempregados. A crise repercutiu de forma diferente em cada empresa e em cada setor da economia. Em alguns casos, houve mesmo desligamentos por aumento de produtividade, venda de empresas e mudança de rumo de políticas públicas. Em outros houve até expansão de negócios e contratações. Ainda estamos fazendo um levantamento desses impactos", diz a nota.
 
Para Luiza e Thiago, a situação inicialmente difícil serviu de empurrão para que colocassem em prática um desejo antigo. "Vimos no desligamento a oportunidade de realizar um sonho de morar em uma cidade menor e que oferecia melhor qualidade de vida com um custo mais baixo". Em agosto de 2016, eles deixaram o apartamento próprio em São Paulo, que puseram para alugar, e mudaram-se para Urubici. As economias foram usadas para cobrir os custos da mudança e o FGTS, usado apenas em situações excepcionais.
 
Ao contrário do casal, uma parte dos colegas afetados pelo redimensionamento ainda está desempregada, já que, além dos desdobramentos da Lava-Jato, o setor da construção também atravessa uma de suas piores recessões.
 
"Quem conseguiu se recolocar está ganhando menos, mas ainda tem muito profissional qualificado desempregado", afirma uma ex-funcionária do departamento de recursos humanos de outra grande empresa, que preferiu não se identificar. Sua estatística informal contabiliza que pelo menos metade dos colegas que foram desligados nos últimos dois anos ainda procura por uma vaga.
 
Para ela, que tem mais de dez anos de experiência no setor, o primeiro ciclo de demissões, em 2014, foi mais consequência da crise do que da investigação da Polícia Federal. Nesse período, as grandes empreiteiras vinham enfrentando sérios problemas de caixa. De um lado, os clientes estrangeiros pararam de efetuar os pagamentos feitos ao término de cada fase da obra. No mercado doméstico, chegava praticamente ao fim os contratos relacionados à Copa e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), esse último afetado pela crise fiscal do governo. Ainda naquele ano, todas as áreas do administrativo foram cortadas à metade. "Naquela época ninguém fazia ideia de quanto tempo a Lava-Jato duraria", pondera.
 
O impacto mais negativo da investigação sobre os negócios, afirma, é recente, já que há expectativa de retomada de investimentos neste ano e muitas dessas companhias ainda negociam acordos de leniência. "A crise foi muito maior que a Lava-Jato. Tenho amigos em empresas que não estão envolvidas e nem eles conseguiram pegar obra no último ano."
 
É por isso que o volume expressivo de demissões não está circunscrito apenas às empresas ligadas ao escândalo de corrupção da Petrobras. O setor da construção como um todo, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção da Fundação Getulio Vargas (FGV), atravessa uma "tempestade perfeita". Além da Lava-Jato, há a crise fiscal da União e dos Estados, indutores dos investimentos em grandes obras de infraestrutura, e o fim do ciclo imobiliário que se estendeu até 2012 e promoveu uma multiplicação no número de novas unidades no país.
 
Entre 2013 e 2015, conforme a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), os 12 principais ramos da construção fecharam 330,7 mil postos de trabalho com carteira assinada, reduzindo o volume de funcionários a 1,384 milhão, retração de 20%. Em 2016, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), foram outras 227,1 mil demissões líquidas. Neste primeiro bimestre, o setor é um dos poucos que ainda não deu sinais de desaceleração do ajuste no emprego - foram 12,7 mil cortes, número ainda próximo do registrado no mesmo período do ano passado, 18,7 mil.
 
A retomada do setor, ainda que tenha horizonte pouco definido, diz Ana, tem um forte candidato a protagonista - o ramo de infraestrutura, que seria beneficiado por ações como o Programa de Parceria de Investimentos (PPI). O fato de as maiores empreiteiras do país estarem, no geral, sem condições neste momento de protagonizar um novo ciclo de grandes obras, na avaliação da especialista, é um problema contornável.
 
"Até agora, as regras para realização desses grandes projetos beneficiavam as grandes empresas. O desafio agora é viabilizar a participação das médias", pondera a economista.
 
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, concorda que é preciso mudar a modelagem das concessões. Um exemplo é a área de rodovias, em que, até então, as ofertas se restringiam apenas a lotes grandes, de pelo menos mil quilômetros, que demandavam maiores investimentos. "Por que não cinco lotes de 200 quilômetros? O modelo era feito, de caso pensado, só para atrair as grandes empresas."
 
Ana ressalva, porém, que muitas das próprias empresas citadas no escândalo da Lava-Jato vêm tentando se reorganizar para voltar ao mercado, tomando medidas para ganhar governança, como a substituição de dirigentes ligados às famílias fundadoras por gestores profissionais.
 
Para induzir o investimento de players menores, ela acrescenta, é preciso equacionar a questão do financiamento dos projetos - a disponibilidade de crédito e as garantias -, possivelmente com uma participação maior das seguradoras, acrescenta Martins. O mesmo vale para as parcerias público-privadas, que serão instrumento importante de Estados e prefeituras que têm hoje a capacidade de investimento comprometida por conta da situação fiscal.
 
Diante do período longo de maturação dos projetos previstos no PPI - um edital aprovado hoje, diz Martins, levaria mais de um ano para sair do papel - a Cbic vem conversando com o governo federal para simplificar o modelo de concessão para uma série de serviços prestados por prefeituras, como manejo de resíduos sólidos e iluminação, uma tentativa de dinamizar a atividade do setor ainda em 2017.
 
Do lado imobiliário, também serão benéficas as mudanças anunciadas neste início de ano no Minha Casa, Minha Vida, com a ampliação no volume de recursos disponíveis para financiamento e aumento do limite de renda para que as famílias tenham acesso ao programa. "Mexeram no que tinha de mexer", afirma Martins.
 
A novidade mais comemorada pelo setor, contudo, é a aceleração no ciclo de corte de juros que o Banco Central começou no ano passado. Ação que, segundo o presidente da Cbic, tem grande potencial para alavancar os investimentos na construção. "Com Selic de um dígito é outro mundo".
 
A Sondagem da Construção da FGV já vem sinalizando um ambiente melhor, ainda que não haja indícios de reversão do ciclo. Depois de atingir em janeiro o maior nível desde junho de 2015, 74,5 pontos, o índice de confiança do setor permaneceu relativamente estável no mês passado.

 

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