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Portos das cidades-sede da Copa expõem exploração sexual, trabalho infantil e o uso disseminado de drogas

Fonte: Correio Braziliense



Ao desembarcar de transatlânticos para assistir aos jogos da Copa do Mundo, os turistas vão se deparar com o abandono da infância brasileira. Nos portos das cidades-sede do Mundial de futebol, meninas seminuas vendem os corpos em troca de um prato de comida. Garotos franzinos carregam malas e vendem bugingangas para sobreviver. Jovens moradores de rua fumam crack à beira-mar para tentar fugir da rotina de desamparo e de desespero. O governo modernizou a estrutura das regiões portuárias, mas não conseguiu acabar com a violação dos direitos das crianças nessas áreas. Os terminais marítimos e fluviais de todo o Brasil são pontos para a exploração sexual de adolescentes, o trabalho infantil e o uso de drogas.
 
A equipe do Estado de Minas viajou 8 mil quilômetros e visitou quatro capitais para conhecer a realidade de quem vive em áreas onde o crescimento econômico nem sempre é sinônimo de avanço social. Desde domingo (13), o EM publica a série de reportagens Cais do abandono, que mostrará os principais abusos sofridos por crianças e adolescentes em regiões portuárias.
 
O governo federal estima em R$ 33 bilhões os investimentos em infraestrutura realizados para a Copa do Mundo em todas as cidades-sede. Já o repasse para o combate à exploração sexual infantil no ano passado ficou em R$ 1,3 milhão – o equivalente a 0,03% da despesa total em obras. Do total de gastos em infraestrutura, R$ 499 milhões foram reservados para a reforma e a construção de terminais portuários.
 
Em Manaus, nos fins de semana, casas de palafitas vizinhas ao porto transformam-se em bares, onde garotas consomem drogas e vendem sexo a R$ 10. Homens buscam meninas em jet skis para levá-las aos pontos de exploração. Barcos proibidos de circular por falta de documentação são usados como motéis, para onde são levadas as meninas aliciadas. "Por conta da Copa do Mundo, a fiscalização fluvial intensificou-se. Tem dezenas de barcos ancorados, sem poder navegar, mas em vez de resolver o problema, os donos transformaram em motel, cobrando R$ 40 por hora", afirma Clodoaldo Santos, conselheiro tutelar de Manaus.
 
A desigualdade é nítida também no Porto de Salvador. O centro histórico, vizinho ao terminal de embarque e desembarque, é a primeira parada dos turistas. Crianças espalham-se pela área do Mercado Modelo para atrair a atenção dos visitantes endinheirados. Nadam no mar, próximo à entrada do comércio, à espera de estrangeiros dispostos a atirar moedas. Instruídos por guias ou conquistados por gritos que pedem money, do alto da rampa, turistas se divertem com a disputa dos meninos pela esmola lançada ao mar. A postos, garotos usam frágeis máscaras de mergulho para enxergar as moedas no fundo da água. Não raramente, crianças cortam-se nas hélices dos barcos aportados. "Venho desde os 5 anos. Se a gente junta cinco dólares, os comerciantes pagam até R$ 14", relata Duro, de 16 anos, que ganhou esse apelido por ser valente. O dinheiro catado no mar se transforma em crack.
 
REAÇÃO TARDIA 
 
Entidades de defesa dos direitos da infância chamam a atenção para o abismo entre os valores destinados a obras e os alocados para a proteção de meninos e meninas expostos a diversas violações. "Problemas graves como a exploração existem no Brasil, sem a Copa do Mundo. Megaeventos, porém, aumentam os fatores de vulnerabilidade e expõem as crianças e adolescentes a novos riscos", explica a coordenadora de programas da Childhood Brasil, Anna Flora Werneck.
 
A socióloga e especialista em políticas públicas para a infância Graça Gadelha percorreu todas as cidades-sede da Copa e conhece de perto a realidade dessas regiões. Reconhece que existe um esforço do governo para combater a exploração sexual, mas critica a demora para o início das ações. "O país foi escolhido como sede da Copa em 2007, mas somente em 2012 o governo começou a elaborar a agenda de convergência. Foi uma decisão tardia, mas pelo menos representa um esforço para criar um mínimo de planejamento", comenta a especialista.
 
Estratégia para grandes eventos
 
Cerca de 600 mil turistas estrangeiros e 3 milhões de viajantes nacionais devem circular pelas cidades-sede durante a Copa, de acordo com a Embratur. Mais do que lembranças dos jogos e da cultura local, parte dos visitantes pretende levar para casa vestígios da dignidade de crianças e adolescentes, que se oferecem como artigo de diversão ou força de trabalho em troca de algum dinheiro.
 
No governo federal, a mobilização para implantar uma rede de proteção à infância durante os megaeventos começou em agosto de 2012, com a criação do Comitê Nacional para a Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente nos Grandes Eventos. O colegiado reúne representantes da sociedade civil, de organismos internacionais, de empresas e do governo. Também saíram do papel os comitês locais, para diagnosticar as violações mais recorrentes e a situação da rede montada para combatê-las. O combate ao trabalho infantil e à exploração sexual são alguns dos principais focos.
 
A secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Angélica Goulart, explica que a estratégia para os grandes eventos inclui a realização de plantões de equipes com profissionais de várias áreas, criação de espaços temporários de acolhimento e a formação de equipes itinerantes. "Os conselhos tutelares estão sendo fortalecidos nas cidades-sedes, com melhoria da estrutura. Também teremos ações complementares, como o fortalecimento do Disque 100", comenta Angélica. Em todos os voos internacionais que pousarem no Brasil durante a Copa, o comandante lerá uma mensagem aos passageiros alertando para o fato de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime. 

Exploração sexual de menores nos portos deve aumentar durante a Copa

Em meio ao vaivém de pequenos barcos e de navios estrangeiros, meninas miseráveis trocam os brinquedos e uniformes escolares por roupas sensuais e se exibem no cais. Vendem o corpo a turistas ou a estivadores e negociam a inocência por algum trocado. Das violações de direitos da criança registradas diariamente nos portos brasileiros, a exploração sexual é a mais cruel e uma das mais recorrentes. Com a proximidade da Copa do Mundo e o aumento do fluxo de visitantes, entidades de defesa da infância fazem um triste prognóstico: a incidência de casos de abuso de meninos e meninas em áreas portuárias tende a crescer sem controle.
 
O Estado de Minas publica desde domingo (13) a série Cais do abandono, que mostra as principais violências contra crianças em terminais fluviais e marítimos. Não existem estatísticas de violações de direitos da criança nos portos, mas os dados dão uma amostra de como a infância é desrespeitada no país. No ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu 124 mil denúncias e 26% dos casos eram situações de violência sexual contra meninos e meninas – o equivalente a 32,2 mil casos de abuso e exploração.
 
Apesar da gravidade do problema, o repasse de recursos federais para o programa de ações integradas de enfrentamento ao abuso, tráfico e exploração sexual de crianças (Pair) no país está em queda. Em 2011, segundo informações do site Transparência Brasil, o governo destinou R$ 4,8 milhões para essa rubrica. No ano seguinte, o valor caiu à metade: R$ 2,4 milhões. Em 2013, foi registrado quase o mesmo percentual de queda e os investimentos chegaram a R$ 1,3 milhão.
 
Recentemente, Fortaleza estampou as páginas de um jornal britânico como a “capital brasileira da exploração sexual”. A rede de abusos contra meninos e meninas é famosa. A organização tem aliciadores, taxistas, cafetões e termina no elo mais frágil da corrente: crianças e adolescentes que se submetem a relações sexuais com homens mais velhos. A pobreza, as drogas e a falta de estrutura familiar criam o ambiente favorável à exploração.
 
GRAVIDEZ Em uma tarde de sábado, Maria*, de 14 anos, tomava banho de mar com dois turistas, em área próxima ao Porto de Mucuripe. Os homens aparentavam ter o triplo da idade da garota, mas isso não foi impedimento para uma proposta sexual. Maria não aceitou. Três meses atrás, ela engravidou. Não sabe o nome, a nacionalidade nem se lembra do rosto do homem que será o pai do bebê. Sabe apenas que a criança é fruto de uma relação sexual em troca de dinheiro para droga. “Às vezes, eles dão R$ 10, em outros casos dão até R$ 100.”
 
Quem vê Maria no vaivém do balanço ou da gangorra, no parquinho da orla da Avenida Beira Mar, não imagina que, em breve, ela se tornará mãe. “A rua é boa por causa da liberdade. Já pensei em estudar, mas não é para mim não”, afirma a menina. “Minha mãe mora na rua, eu moro na rua, por que ele (o bebê) também não pode? Abrigo é que não é lugar de gente”, desabafa a garota.
 
Maria é acompanhada de perto por educadores da Rede Aquarela, projeto mantido pela Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Fortaleza. Liduína Soares, de 43, é educadora há seis anos. “Todos os dias, encontramos meninos e meninas que se vendem por muito pouco, por não terem opção.”
 
A Avenida Beira Mar é foco de exploração e fica a poucos metros do Porto do Mucuripe, onde turistas desembarcarão para os jogos do Mundial.
 
Os nomes de jovens usados na série são fictícios, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente 
 

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