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Análise concorrencial nas desestatizações

Fonte: A Tribuna On-line / Gesner Oliveira*
 
O esforço de sumariar as características da análise concorrencial em processos de desestatização é útil
 
Cada infraestrutura possui suas características específicas de regulação econômica e jurídica, o que explica, por exemplo, as diversas agências diferentes de regulação no País. Não é diferente para o setor portuário, em que tais características de mercado são várias vezes apresentadas aqui nessa coluna. Mais importante, tais características afetam diretamente a forma como a análise concorrencial é realizada pelos órgãos competentes.
 
O arcabouço concorrencial para o setor, forjado após décadas de jurisprudência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em geral se deu pela análise de Atos de Concentração (ACs) entre operadores ferroviários e armadores com terminais portuários. Ainda que tais análises continuem comuns, as discussões do setor portuário recentemente se voltaram para a desestatização de complexos portuários e sua gestão, tal como ocorreu com a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) há alguns anos.
 
O leitor assíduo dessa coluna deve se lembrar do tema tratado aqui, por exemplo, sobre a desestatização do Porto de Santos. É interessante notar que o arcabouço analítico previamente estabelecido pelo Cade difere do utilizado em processos de desestatização.
 
Tais minúcias foram abordadas em detalhes no capítulo “Aspectos relevantes da análise concorrencial envolvendo integração vertical no setor portuário”, que integra o livro Fusões Verticais e Conglomerais sob a Lente do Antitruste, do Instituto Brasileiro de Análise Concorrencial (Ibrac), lançado recentemente.
 
De acordo com os autores, é esperado que o setor portuário apresente maiores níveis de concentrações de mercado horizontais e verticais em relação a outros setores de infraestrutura devido aos elevados volumes de investimentos, diferentes barreiras à entrada, custos de transação e economias de escala. Tais características estruturais do setor afetam a análise sobre tempestividade de potenciais novas entradas realizada pelo Cade.
 
Mais do que isso: os casos de desestatização apresentam uma integração vertical distinta das demais análises de ACs tradicionalmente analisados pelo órgão antitruste. Por envolverem players do setor e a atividade de gestão e administração do complexo portuário, há potenciais riscos concorrenciais associados a eventuais conflitos de interesse entre quem passará a ser o administrador portuário e quem opera junto aos diferentes terminais.
 
Além dos tipos de players analisados, os autores identificam outros pontos em que destoam entre os ACs tradicionalmente avaliados pelo Cade e os processos de desestatização: (i) o foco da análise em casos de desestatização costuma ser mais voltado à estratégia de desenvolvimento da infraestrutura a nível nacional, não apenas aspectos microeconômicos e concorrenciais envolvendo o mercado relevante sob análise em um AC comum; (ii) por conta disso, inclusive, ACs comuns tendem a considerar apenas o mercado relevante do produto, enquanto análises de desestatização também consideram a hinterlândia do porto; (iii) as análises de eficiência, em geral, são mais específicas em ACs comuns, enquanto são mais amplas e relacionadas a todo o complexo portuário em análises de desestatização, especialmente preocupadas com os investimentos a serem realizados; e (iv) prazo: enquanto ACs comuns focam nos impactos de curto e médio prazo, em análises de desestatização há um enfoque maior nos efeitos de médio e longo prazo.
 
Por fim, cumpre relembrar que, tal como a discussão da desestatização portuária é relativamente recente no Brasil, a análise concorrencial nesses tipos de processo também é. Não à toa o setor está no radar do Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade neste ano em termos de novos estudos e consolidação da jurisprudência.
 
O esforço de sumariar as diferenças e características da análise concorrencial em processos de desestatização envolvendo portos é útil para consolidar o conhecimento e as experiências adquiridas no setor até agora, calçando a base para que o conhecimento nesse tipo de análise continue se desenvolvendo.
 
*Gesner Oliveira, economista, professor e coordenador do Centro de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV
 

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