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Reformas portuárias: agenda oculta e mão invisível

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
“Decifra-me ou te devoro!” (Esfinge)
 
A literatura administrativa dedica espaço para a tal “agenda oculta” (já deu até filme!). Ou seja: os verdadeiros interesses; objetivos para além de eufemismos, da vitrine ou marketing. Identificá-la é prioridade e, quase sempre, o primeiro passo de negociadores de sucesso; seja no campo diplomático e político, seja no mundo dos negócios.
 
Desde a volta das eleições diretas o Palácio do Planalto já teve 7 ocupantes; com 25 ministros (de transportes, infraestrutura e/ou da SEP) comandando os portos brasileiros sob diversas leis e normas. E com políticas públicas, planos e programas distintos.
 
O pano de fundo é multifacetado; mas 4 ciclos de reformas portuárias, com razoável homogeneidade, podem ser identificados: i) Anos-90 (Itamar e FHC); ii) Era-ANTAQ (FHC e Lula); iii) Era-SEP (Lula e Dilma); iv) Era-PPI (Temer e Bolsonaro). As 2 primeiras sob a Lei nº 8.630/93; e as 2 últimas sob a Lei nº 12.815/13.
 
Ao se revisitar a história pode-se constatar que, além da atração de investimentos (bordão de todas elas), o apanágio das reformas dos Anos-90 era o combate/eliminação dos monopólios. Da seguinte, o alinhamento do Brasil às boas práticas regulatórias internacionais. Da Era-SEP, a solução do atávico conflito carga própria X carga de 3º (apesar da MP-595/12 ter sido anunciada como “Programa de Investimentos em Logística: Portos”). E da Era-PPI o “destravamento das amarras na gestão pública” e, com maior ênfase (pois sempre foi pauta da SEP!) a “redução/eliminação da influência política (e de políticos) nas autoridades-administradoras portuárias” - AAP.
 
Mas, sem juízo de valor, há outras leituras possíveis a par de narrativas oficiais:
 
Na perspectiva da mão de obra: nos Anos-90 o foco foi o sindicato (funções passam ao OGMO). Na Era-SEP, o mercado (via “TUPização”: em Itajaí, p.ex, ele foi reduzido a menos de 50%). Seria a plena vinculação uma tendência? O foco, aí, seria a própria existência do TPA.
 
Do processo decisório: nos Anos-90, descentralização e autonomia (Brasília como instância recursal). Na Era-ANTAQ, especialização das funções regulatórias. Na Era-SEP, re-centralização (AAP sem funções estratégicas e CAP apenas consultivo). Seria a eliminação de AAPs públicas o cenário desejado da Era-PPI?
 
Da iniciativa privada, 3 movimentos: nos Anos-90, entrar (no porto organizado: 100% das operações). Na Era-SEP, sair (dele: “TUPização”). E na Era-PPI, assumir (as funções de administração portuária): uma tendência?
 
Do poder: nos Anos-90, empoderamento das instâncias locais (municipais e estaduais). Nas Eras-ANTAQ e SEP enfraquecimento (progressivo) delas. Seria a eliminação do papel das instâncias locais (mantidas as funções públicas remanescentes nas instâncias federais) o norte da Era-PPI?
 
Adam Smith, pai da economia moderna e importante teórico do liberalismo econômico formulou, em sua obra seminal (“A Riqueza das Nações” - 1776), a ideia/termo “mão invisível”: seria uma gestora/regente da dinâmica do mercado. Autônoma em relação aos agentes econômicos.
 
Para além das atuações individuais, difícil explicar as reformas dos Anos-90 sem as impressões digitais de dois eventos da década anterior: globalização (no plano internacional) e, domesticamente, o movimento da Constituinte. Mas, daí em diante, como explicar processos em marcha batida, de progressiva privatização portuária associada à centralização de poder/decisões? Como explicá-lo se sob presidentes, ministros e administradores tão diversos... e pluripartidários? Haveria uma “mão invisível”?
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 

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