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Desestatização portuária: do que se trata?

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
Aos poucos foi ficando claro, e de domínio público, que operações nos portos brasileiros já são 100% privadas
 
Aos poucos foi ficando claro, e de domínio público, que operações nos portos brasileiros já são 100% privadas. E, isso, há umas duas décadas. Ainda bem, pois permite concentrar o foco de análises e discussões. Mas esse é só um primeiro passo: seguem ruídos e nebulosidades sobre conceitos, termos e modelos.
 
A começar pelo básico: a função de administração tem a ver essencialmente com o que existe e funciona em um porto: infraestrutura/ativos e serviços. Portanto, gestão. Já a função de autoridade portuária está voltada para as questões estratégicas. Qual a clientela a ser atendida? Qual o core business? Com que parceiros se associar? Que investimentos fazer? No que e para onde expandir? E, claro, valores norteadores; razão pela qual normalmente inclui-se nessa função o poder de polícia e de arbitramento de conflitos.
 
Autonomia, como traço central do DNA das autoridades portuárias, e sua natureza pública, como opção mundialmente preferida, decorrem imediatamente dessa visão. É o que apontam pesquisas periódicas de Governança Portuária" da European Sea Port Organization (ESPO).
 
Com 800 anos de história, isso está mais ou menos assentado nas boas práticas internacionais. No Brasil ainda não. Inclusive a própria Lei dos Portos vigente (Lei 12.815/13) não o distingue: “... administração do porto organizado, denominada autoridade portuária” (art. 17, § 1º). Seria uma marca fantasia?
 
Para a exegese da lei, das normas e dos planos de desestatização portuária, porém, mais relevante que o rótulo é o conteúdo. A começar que as atribuições/funções de administração e de autoridade estão mescladas e distribuídas por duas dezenas de dispositivos da Lei e do Decreto. E, o mais relevante: nenhum dos quatro pilares sobre os quais se assenta o estratégico de um porto (planejar - incluindo investimentos e modelagem; escolher parceiros - empresas e projetos; tarifar e punir) está designado à autoridade-administradora de cada porto: pela lei vigente elas, e diversas outras atribuições relevantes, foram recentralizadas nas instâncias federais a partir de 2012/13: Ministério da Infraestrutura e Antaq. Sem falar em TCU e MP.
 
Ah! E a Europa? Não tem plano continental que equivaleria ao PNL? Sim! Só que o “Ten-T” é elaborado bottom-up (não top-down). E com a participação dos estados-membros e representantes dos diversos modos de transporte. Portanto, ele está mais para um pacto entre os pares.
 
Ah! E a Portaria 574/18? Sim! Só que, além de não ser lei, ela delega o fazer, não o decidir... que é, justamente, o que caracteriza a autonomia.
 
Em síntese: nominalmente, a função de autoridade é específica de cada porto; mas, na prática, as atribuições relevantes que lhe caracterizam são exercidas por órgãos de Brasília. Seria impróprio interpretar-se o modelo brasileiro como tendo uma única autoridade portuária?
 
O objeto da desestatização (privati-zação) foi aos poucos transitando da autoridade para a administração, enquanto os representantes do governo passavam a frisar que a autoridade seguirá sendo pública: estão corretos! Só que, ao contrário do modelo anterior, ela é federal e centralizada. É o que diz a lei.
 
O desejável seria uma revisão do marco regulatório. Mas, mesmo sem alterá-lo, é possível caminhar em direção ao padrão internacional; descentralizando atribuições e dando autonomia aos portos. Se isso é cogitado para privados (desestatização), também pode ser feito por delegação a autarquias ou empresas públicas locais; inclusive federal (art. 2º, X; e art. 6º, § 5º). Tanto pode que já o fez em portos de Rondônia e Rio Grande do Sul, além de Paranaguá.

*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 

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