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Estados finalmente encontram alternativa para criarem ferrovias

Fonte: Folha de S. Paulo / Luís Felipe Valerim Pinheiro*
 
Mato Grosso e Minas Gerais desenvolvem processo desburocratizado e com segurança jurídica a futuros contratos
 
 
O setor ferroviário tem colecionado boas notícias promovidas pelo governo federal, como o avanço das prorrogações antecipadas das concessões, leilões exitosos da Ferrovia Norte-Sul (FNS) e da Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol) e a realização de investimentos na Ferrovia Centro-Oeste (Fico) com recursos privados oriundos de outras concessões ferroviárias. Abre-se, agora, novo vetor de desenvolvimento com as ferrovias estaduais, que avançam rapidamente nos estados do Mato Grosso e de Minas Gerais, após um primeiro movimento promovido pelo Pará no fim de 2019.
 
Esta dinâmica não é inédita no país. As ferrovias começaram por aqui (1830 – 1930) por força desbravadora da iniciativa privada, incluindo instrumentos governamentais flexíveis quanto a cronogramas e traçados conjugados com certas prerrogativas necessárias para a sua materialização, tais como a possibilidade de desapropriações de grandes áreas para a viabilidade operacional e econômica dos projetos.
 
Tivemos também importantes iniciativas estaduais para o desenvolvimento de ferrovias locais, como foi o caso da malha paulista, originalmente pertencente à Companhia Paulista de Estradas de Ferro (1872 – 1971).
 
Atualmente, Mato Grosso e Minas Gerais retomaram a política pública de promover a construção e a operação de ferrovias situadas integralmente nos seus respectivos territórios, para movimentação tanto de cargas quanto de passageiros. O esforço destes estados partiu de sólido e cuidadoso embasamento constitucional, legislativo e regulamentar, que tem seguido um criterioso rito para conferir toda a segurança jurídica a estes empreendimentos de competência eminentemente estadual.
 
O cenário é bastante favorável para que, em alguns anos, tenhamos diversas ferrovias outorgadas e reguladas pelas entidades estaduais, à semelhança do que ocorre hoje com muito êxito no setor rodoviário.
 
Neste contexto, inclusive, a União tem o dever jurídico de desenvolver iniciativas para a interconexão das ferrovias estaduais (entre si e entre elas e a malha ferroviária federal), de modo a materializar a integração do transporte no território, como princípio basilar já contemplado no Sistema Nacional de Viação (SNV).
 
O segundo aspecto relevante que tem surgido nas ferrovias estaduais é a outorga do direito de construir e explorar tais infraestruturas por meio de autorizações em regime privado. Este instrumento tem sido utilizado com sucesso em diversos outros setores: telecomunicações, geração de energia elétrica, terminais portuários de uso privado e transporte dutoviário de derivados de petróleo e gás natural.
 
Guardadas as peculiaridades do regramento de cada infraestrutura, o propósito geral é permitir o desenvolvimento da atividade econômica de titularidade estatal, mas no interesse privado, com maior liberdade de empresa e respeitando a lógica de perenidade e de risco-retorno destes projetos de capital intensivo. Em poucas palavras, inexistindo investimento público, a demanda previsível no longo prazo e taxa de retorno assegurada nestas outorgas em regime privado, os projetos devem ser mais maleáveis e alinhados à sua efetiva viabilidade econômica ao longo do tempo.
 
Vale dizer que Mato Grosso e Minas Gerais estão caminhando bem na estruturação de procedimentos administrativos que garantem transparência, isonomia e igualdade de acesso nas novas autorizações ferroviárias estaduais. Inspirados na evolução legislativa mais recente, inclusive pelos grandes resultados trazidos pela Lei de Portos de 2013, conseguiram desenvolver um processo desburocratizado, célere e dotado de segurança jurídica aos futuros contratos que serão celebrados pelos agentes privados interessados.
 
Importante que outros estados se espelhem nestes esforços, de modo a construir uma plataforma sólida para a existência de novas ferrovias estaduais impulsionadas pela iniciativa privada, focadas no atendimento logístico local e na integração de seus territórios ao SNV. O próximo capítulo desta história será a construção de regulação contratual adequada pelos entes estaduais, de modo a extrair todos os benefícios sociais dessas novas autorizações ferroviárias.
 
*Luís Felipe Valerim Pinheiro, ex-subchefe-adjunto para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, professor da FGV Direito SP, diretor DEINFRA/FIESP
 

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