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Para tirar os portos do atoleiro

Fonte: O Estado de S. Paulo / Wilen Manteli (*)



A perda de espaço no mercado internacional e as dificuldades econômicas internas estão empurrando o governo brasileiro no caminho certo do pragmatismo. Exemplo dessa tendência é a recente consulta pública tendo em vista colher subsídios para a construção de um modelo de concessão do acesso aquaviário aos portos. O governo se mostra aberto a propostas ousadas, como a privatização dos serviços de dragagem, a sinalização e a segurança dos canais. Sem dúvida, isso representa um avanço.
 
O modelo vigente de contratação de dragagem sempre acarretou dificuldades nos processos licitatórios, causando atrasos e perdas consideráveis de recursos públicos, além de prejuízos ao comércio exterior. Não faz muito tempo, o colapso generalizado dos sistemas de manutenção converteu os canais de acesso de alguns de nossos principais portos em autênticos atoleiros submersos, exigindo malabarismos nas operações de tráfego. Por isso hoje ninguém discute a importância de prover os portos de profundidades compatíveis com navios de grande porte, o que, além de evitar problemas, gera consideráveis ganhos de escala. Exemplificando, cada centímetro a mais de calado permite ao navio carregar mais 100 toneladas, ou 8 contêineres.
 
Esta é uma oportunidade ímpar para que a sociedade e, especialmente, os segmentos cuja eficiência depende dos portos apresentem subsídios bem fundamentados para estruturar o edital de concessão e, depois, as análises dos Procedimentos de Manifestação de Interesse que vão orientar as melhores técnicas para otimizar a exploração econômica do canal de acesso.
 
Por outro lado, para avançar na questão da dragagem de forma sustentável, será preciso que o governo se disponha a enfrentar a causa estrutural do problema: a obsolescência do modelo de administração portuária das Companhias Docas e das autarquias estaduais e municipais. Modernizar a gestão dos serviços de dragagem é indispensável, mas insuficiente para eliminar os gargalos que prejudicam a performance do sistema portuário.
 
Não é admissível que, ocupando a 7.ª posição na economia global, o Brasil se resigne a ver seus portos tão mal colocados nas avaliações do Fórum Econômico Mundial. Os terminais portuários privados e os de uso público têm feito substanciais investimentos e elevado continuamente sua produtividade, mas esse desempenho é eclipsado pela ineficiência das administrações portuárias, entre outros fatores.
 
As Cias. Docas vêm sendo esvaziadas, na prática, ao longo das últimas duas décadas. Em 1993, quando da edição da primeira Lei de Modernização dos Portos (n.º 8.630), elas praticamente se retiraram das operações portuárias. Mais recentemente, com a Lei n.º 12.815/2013, a centralização das decisões na Secretaria dos Portos e na Antaq restringiu ainda mais a sua já limitada autonomia gerencial. Sem funções nem poderes que justifiquem a permanência dessas Companhias, só resta ao governo, por uma questão de coerência, repensar radicalmente o modelo de administração dos portos públicos.
 
Um país com 8,5 mil km de costa e cujo comércio exterior se processa 95% por navios precisa descentralizar a gestão do seu sistema portuário. Somente envolvendo e comprometendo as comunidades locais com o desempenho e o desenvolvimento dos seus respectivos portos será possível promover o equilíbrio competitivo e mobilizar as forças produtivas capazes de transformar o atual círculo vicioso de ineficiências em círculo virtuoso de desenvolvimento. Não se trata de reduzir o poder da União, mas de redirecioná-lo para uma esfera mais adequada - a da elaboração e execução de políticas públicas para o setor portuário.
 
Precisamos experimentar modelos de gestão de cunho mais comunitário, com ênfase nas boas práticas de governança, como ocorre nos mais importantes complexos portuários do mundo, como Roterdã, Antuérpia e Hamburgo. Quanto maior a intervenção do governo central, menor o comprometimento das regiões portuárias, que, destituídas de poder e de responsabilidade, caem inevitavelmente no comodismo e na inércia. Esse é o pior atoleiro.
 


(*) Wilen Manteli é presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários - ABTP
 


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