Artigos e Entrevistas

Por que um desemprego tão baixo para uma economia tão fraca? Economista explica

Fonte: InfoMoney

Em entrevista a Rio Bravo Investimentos, professor e economista Naércio Menezes Filho destaca particularidades no mercado de trabalho brasileiro para explicar paradoxo

 
De acordo com os últimos dados apresentados pela Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil fechou 2014 com uma taxa de desemprego de 6,8%. Este número ficou abaixo dos 7,1% de 2013 e dos 7,4% em 2012 e, somado a outros indicadores de baixa taxa de desemprego no País, poderia indicar um cenário positivo para o Brasil, com o mercado de trabalho aquecido e de diversas oportunidades. Porém, não é bem assim...
 
Conforme destaca o economista e pesquisador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho em entrevista realizada pela Rio Bravo Investimentos, a economia do Brasil apresenta características conjunturais que tem mantido baixas taxas de desemprego, a despeito da corrente desaceleração econômica nos últimos meses. 
 
Para o economista, existem algumas explicações possíveis para este fenômeno, como a desaceleração do crescimento da população e a diminuição de taxa de participação dos jovens, que, antes trabalhavam e estudavam, agora podem se ocupar exclusivamente dos estudos por mais tempo. E há desafios pela frente a serem superados: o destaque é o aumento de produtividade, já que o crescimento econômico com base na contratação de mais mão de obra parece ter chegado a um limite. Confira abaixo a entrevista:
 
O que pode ser atribuído a atuação do governo federal em relação às motivações para a manutenção dessa baixa taxa de desemprego?
 
Essa baixa taxa de desemprego é reflexo de uma série de fatores. Em primeiro lugar, houve a desaceleração do crescimento da população brasileira como um todo. Devido à transição demográfica que a gente teve, dos anos 60 aos anos 90, o número de jovens tem diminuído nos últimos anos. Isso é muito importante, porque os jovens formam a maior parcela dos desempregados em qualquer momento do tempo, em qualquer país, porque são aqueles que chegam da escola para trabalhar pela primeira vez e tendem a flutuar muito de emprego para emprego, mudam de firma, vão trabalhar em outro setor até se ajustarem e encontrarem um emprego que é mais adequado para as suas perspectivas e expectativas.
 
Então, nesse processo de transição de emprego para emprego, o jovem sempre fica um tempo desempregado, procurando uma outra alternativa. Então, de maneira geral, os jovens representam cerca de 45% do total de desempregados. Quando o número de jovens diminui, ou seja, há uma taxa de crescimento negativa nessa faixa etária, a taxa de desemprego cai mais do que proporcionalmente, devido a esse fator. Mesmo que a economia esteja desacelerando.
 
Além disso, a taxa de participação no mercado de trabalho, ou seja, o total de jovens e adultos que está na população participando tem diminuído também. E isso, a meu ver, tem a ver com o aumento de salário dos chefes de família menos qualificados que aconteceu nos últimos anos no Brasil. Isso fez com que a renda familiar dos menos qualificados aumentasse. E aí, os jovens que viviam de "bicos", trabalhando em empregos temporários, como empacotador de supermercado, atendente em lojas, não precisaram mais fazer esses bicos para complementar a renda familiar.
 
Então, saíram do mercado de trabalho e passaram a estudar só. Grande parte dessa redução da taxa de participação veio da porcentagem de jovens que trabalhava e estudava ao mesmo tempo e, agora, só estuda. Isso foi reflexo de políticas do governo? Em certa medida sim, porque o aumento de renda dos menos qualificados teve origem no aumento de salário mínimo, que aumentou 50% em termos reais nos últimos 20 anos, e no aumento da escolaridade dos jovens, mesmo entre os menos qualificados, que começou a acontecer nos anos 90 e continuou até os anos 2000.
 
Esses fatores que vem de uma política de salário mínimo do governo federal e do aumento de escolaridade que vem desde de antes, nos anos 90, fizeram com que a renda familiar aumentasse, o que diminuiu a taxa de participação. Por último, você tem o crescimento de emprego no setor de serviços, que foi muito grande nesse período e que também acompanhou esse aumento de consumo da classe C, que é a nova classe média, que veio desse aumento de renda também. Então, o cerne do processo está no aumento de renda dos trabalhadores menos qualificados, que causou todo esse amplo espectro de resultados no mercado de trabalho.
 
Esse cenário de baixo desemprego no país, então, tem beneficiado mais as famílias de baixa renda, em relação às famílias de classe média alta?
 
Sim. Esse comportamento do mercado de trabalho, tanto em termos de renda, como em termos de desemprego, tem beneficiado as classes mais baixas; dos trabalhadores menos qualificados. O Brasil sempre teve um grande contingente de trabalhadores menos qualificados, devido a nossa lenta evolução na educação no Brasil. Então, nunca houve problema de restrição de trabalhadores, restrição de ofertas de trabalho como a gente diz, porque a gente sempre teve trabalhadores à vontade. Inclusive, com setor informal grande.
 
Agora, nos últimos anos, devido a todo esse processo que eu descrevi, pelo lado da demanda, lado do serviço, empregando trabalhadores menos qualificados, o aumento da escolaridade, uma restrição de oferta da população, nós começamos a ter uma restrição pelo lado de trabalho não qualificado, ou seja, estão faltando ainda trabalhadores menos qualificados. Então, esses são os que estão sendo beneficiados, porque como a demanda é maior que a oferta, o salário dos menos qualificados aumenta muito, junto com o salário mínimo.
 
Essa onde de demissões do início do ano tem a ver com esse cenário não tão favorável que está à frente?
 
Sim. Nós temos, desde o ano passado, uma desaceleração da economia. Então, a economia, por vários motivos, entre eles a incerteza com relação ao futuro, as mudanças de política econômica do governo a todo momento, beneficiando alguns setores, o cenário internacional, começa a ter impacto no mercado de trabalho com a diminuição das admissões e aumento das demissões.
 
Então, se pelo lado da demanda das empresas houver um processo de demissão muito grande, a taxa de desemprego vai começar a aumentar e todo esse processo que eu descrevi e que tem acontecido nos últimos anos vai se reverter. E a gente vai ter, talvez, rapidamente, um aumento de desemprego ao longo do ano que vem.
 
Existe uma máxima que sustenta o seguinte: os profissionais mais qualificados tendem a encontrar vagas no mercado de trabalho com mais facilidade. Isso continua valendo em relação à economia nacional?
 
Na verdade, o que acontece é que a taxa de desemprego maior é para as pessoas com nível intermediário de qualificação, ou seja, as pessoas que completaram o ensino fundamental ou o médio. E ele é mais baixo para as pessoas menos qualificadas e para as pessoas mais qualificadas. Então, a relação entre qualificação e taxa de desemprego tem um formato de "U" invertido. Ela começa baixa para os trabalhadores pouco qualificados, aumenta para os trabalhadores mediamente qualificados e depois cai para os trabalhadores com nível superior e pós-graduação.
 
Por que acontece isso? Houve um grande aumento da parcela de jovens que concluem o ensino médio, nos últimos 10, 15 anos. Dobrou, praticamente, a parcela desses jovens na população. A oferta cresceu muito e esses jovens ainda almejavam ocupações qualificadas, como seus pais tinham com esse nível de qualificação. Mas, como a oferta cresceu muito, não há emprego para todos nessa área. Inclusive, com a queda da participação da indústria, ou o trabalho no chão da fábrica e outros trabalhos qualificados, você tem um aumento de desemprego bem grande nessa faixa intermediária.
 
O trabalhador menos qualificado trabalha em posições onde tem muitos empregos disponíveis, como construção civil, agricultura, trabalhos manuais, segurança. Então, ele sofre menos com desemprego. Já o trabalhador mais qualificado, que tem ensino superior e pós-graduação, consegue emprego em empresas, em empregos mais qualificados, dentro de escritórios e assim por diante. Então, na verdade, quem sofre mais é o pessoal que tem ensino médio.
 
Em algum momento, esses jovens que atualmente estão estudando vão ingressar no mercado de trabalho. Existe espaço na economia brasileira atual para abrigar esse excedente de mão de obra qualificada?
 
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que esses jovens que deixaram de trabalhar não estão estudando mais. Na verdade, eles estudavam e trabalhavam ao mesmo tempo e agora eles deixam de trabalhar e ficam só estudando. Então, se eles usam esse tempo extra para se preparar melhor para a escola, ler textos, fazer dever de casa, então eles vão conseguir ter notas melhores e avançar mais na escola. Caso eles usem esse tempo livre para jogar futebol, ficar olhando a internet, aí não vai ter impacto na sua qualificação e nem na produtividade futura.
 
Caso eles realmente se qualifiquem, sempre há espaço para trabalhadores mais qualificados na economia brasileira e em qualquer economia, porque esses trabalhadores, desde que atinjam o nível superior, ou até a pós-graduação, só aumenta a produtividade deles e o país precisa de trabalhadores com ensino superior, especialmente nas áreas de exatas e tecnologias.
 
Poderia dar um exemplo material desse aumento de produtividade em relação aos cursos de pós-graduação, por exemplo, e de como isso se materializa no cotidiano desse trabalhador?
 
Como eu falei, se o jovem para no ensino médio, ele tem muitos problemas, porque quer ainda uma ocupação qualificada e, na verdade, não tem mais espaço. Então, ele tem que trabalhar em posições pouco qualificadas e resiste muito a isso. Mas, se ele faz ensino superior, especialmente nas áreas de exatas, haveria sempre espaço dentro das empresas na área de tecnologia, inovação.
 
O Brasil ainda está um pouco atrasado com relação a gastos em pesquisa e desenvolvimento, inovações, ou seja, essa nova economia baseada em serviços muito avançados, intensivos em tecnologia. Mas, a reclamação das empresas nesse setor é que falta mão de obra qualificada.
 
Então, se a gente tiver um contingente maior de trabalhadores qualificados nessas áreas, consegue aumentar a produtividade da economia, que depende dessas inovações e serviços avançados e ter um crescimento econômico maior. É lógico que eu estou sendo otimista de achar que esse jovem de classe média baixa ou classe média vai conseguir concluir o ensino médio, entrar em uma faculdade de engenharia e concluir esses cursos de engenharia e tecnologia, porque a qualificação que esse trabalhador e jovem recebe na escola pública ainda é muito baixa, especialmente no ensino médio, onde a desistência é muito grande ainda.
 
Mas, se, porventura, ele conseguir superar essas barreiras e entrar nessa área de mais ciências exatas e tecnologia, com certeza ele vai conseguir um emprego, porque o salário dessas áreas continua aumentando no Brasil.
 
Como o aumento de salário no setor dos serviços pode interferir na dinâmica do aumento do desemprego?
 
Isso acontece de maneira bastante clara, porque todo esse fenômeno que eu mostrei de aumento de renda da classe baixa, aumenta o consumo dessa classe, que se dá principalmente no setor de serviços, que emprega esses trabalhadores menos qualificados. Então, você cria um círculo virtuoso, em que vai aumentando salário, demanda, consumo, tudo no setor de serviço. Acontece que, dada essa restrição, esse aumento de salários vai sendo repassado para preços. Então, você vê os preços de restaurantes, preços do setor de serviços em geral aumentando muito nos últimos anos no Brasil. Isso gera inflação, o governo tem que manter a inflação dentro da meta e tem que aumentar a taxa de juros.
 
Com esses aumentos seguidos da taxa de juros, mais esse ambiente de incerteza com relação à política nacional e internacional, a economia vai desacelerando, até que chega um ponto em que começa a afetar o mercado de trabalho. Aí, você tem uma diminuição na demanda por trabalhadores no setor de serviços, o salário começa a crescer menos, os jovens, filhos desses trabalhadores, voltam ao mercado de trabalho, o que tende a aumentar o desemprego de maneira mais rápida.
 
Qual são as ações vinculadas à produtividade que podem aprimorar as condições do mercado de trabalho no país?
 
O grande problema do Brasil, nos últimos anos, foi o crescimento da produtividade. Não há dúvida nenhuma. Economistas de várias tendências concordam com isso. A gente cresceu, nos últimos anos, especialmente entre 2008 e 2010, principalmente empregando trabalhadores. Foi isso que provocou essa queda na taxa de desemprego.
 
Agora, daqui para frente, a gente não tem mais trabalhadores para empregar, porque a taxa de desemprego é muito baixa. Então, a gente precisa aumentar a produtividade. Se você aumenta a produtividade, você consegue conceder ganhos salariais para os trabalhadores menos qualificados sem repasse por preços, porque eles estão produzindo mais com a mesma quantidade de trabalhadores.
 
De forma geral, isso é bom para a economia também, porque faz com que as nossas empresas se tornem mais produtivas, que o PIB cresça a taxas maiores. Então, essa é a condição que a gente precisa. Como a gente faz para aumentar a produtividade? Em primeiro lugar, você tem que melhorar do lado das empresas; as práticas gerencias.
 
As técnicas de gestão das nossas empresas industriais são muito ultrapassadas. Pesquisas empíricas mostram que nós estamos muito atrás em termos de práticas gerenciais básicas, de remuneração da mão de obra, metas para cada setor, resolução de problemas, promoção com base em desempenho e não em experiência. Além disso, os gastos em pesquisas e desenvolvimento estão estagnados no Brasil, nos últimos 10 anos. E as nossas firmas inovam muito pouco. Então, todo esse fator contribui para manter a produtividade baixa.
 
Além disso, você tem pouca realocação de um trabalho e da produção para as empresas novas, com mais tecnologias, novas ideias. Nosso mercado é muito engessado. Você tem firmas grandes que, muitas vezes, perderam já aquele ímpeto inovador, mas que conseguem sobreviver por favores de governo, empréstimos subsidiados, proteção tarifária. Então, isso impede que o emprego se desloque para firmas mais produtivas, como acontece no EUA, que tem se recuperado rapidamente da crise de 2008. Esse processo é muito mais lento e difícil no Brasil. Por último, a gente tem que melhorar a qualidade da nossa educação.
 
Os exames internacionais, o PISA, por exemplo, mostra que os nossos alunos aprendem muito pouco aos 15 anos de idade. O PISA, por exemplo, tem cerca de 60 países. O Brasil está entre os últimos colocados, em termos tanto em Ciências, quanto em Matemática e Leitura. Então, enquanto a gente não resolver esse lado dramático da educação nas escolas públicas brasileiras, vai ficar muito difícil você resolver a questão da produtividade no Brasil.
 
Em termos de capacitação pelo mercado de trabalho, tal como praticado no Brasil hoje, existe um contexto favorável para aprimorar a produtividade? Em algumas empresas essas práticas gerenciais já conseguem se estabelecer de forma mais avançada?
 
Você tem algumas exceções. As empresas que são famosas pelas práticas de gestão agressivas, como a Gerdau, por exemplo, a 3G, que controla a InBev e Burger King e assim por diante têm práticas de gestão bem conhecidas e são exemplos de destaque nessa área.
 
Mas, se você olhar para a indústria como um todo, e também para os serviços e comércio, você vê uma situação estagnada nos últimos anos; nem um movimento de aumento de inovação, de aumento de melhoria de práticas gerenciais. Eu acho que as pessoas ficaram meio acomodadas e paralisadas devido à incerteza de política econômica. Simplesmente, no setor de serviços, por exemplo, se beneficiando desse aumento de demandas, sem uma preocupação de melhoria das práticas e produtividade. Com exceções, mas, de maneira geral, o retrato é esse.
 
Essa paralisia se deve ao fato de que houve um crescimento relativamente grande nos últimos anos e isso fez com que as pessoas se acomodassem?
 
Entendo que sim. Quando você tem um mercado grande como o Brasil, um mercado doméstico e crescendo, em termos de serviços e demanda, você acaba se acomodando. Agora, a situação está piorando e, mesmo assim, essas empresas não reagem. Se uma empresa consegue melhorar suas práticas gerenciais, sua tecnologia, ela consegue ganhar mercado, ganhar parcelas de mercado das outras empresas, aumenta seu lucro, aumenta seu valor na Bolsa. É difícil entender porque elas não reagem a isso. Uma hipótese é que a economia brasileira é muito fechada ainda e você tem pouca concorrência internacional.
 
Então, se for por aí, você deveria baixar as tarifas de importação para introduzir mais concorrência, principalmente no setor mais aberto da economia, que é a indústria. Agora, apenas capacitando o trabalhador com cursos como Pronatec, a meu ver, é insuficiente para aumentar a produtividade. Ninguém sabe o que esses cursos de qualificação estão fazendo, o que estão agregando para o trabalhador. Você tem uma grande parcela desses cursos de curta duração, são cursos de 4 semanas, às vezes, de software, cursos que não agregam quase nada e você não tem avaliação bem feita. Você não sabe que cursos que funcionam e quais não funcionam. Então, fica muito difícil avançar por aí.
 
As novas teorias econômicas enfatizam os primeiros anos de vida. Você tem que agir nas famílias mais pobres, logo que a criança nasce, porque esse período é o período de formação das habilidades cognitivas, raciocínio, memória. Se a criança passa por situação de estresse nessa fase, isso vai ter reflexos pela vida inteira. Não adianta muito você gastar tantos recursos com programas de capacitação, que tem muito pouco efeito na produtividade do trabalhador. A ênfase, ao contrário, deveria ser nos primeiro anos de vida para que as novas gerações não tenham que passar por todo esse processo de atraso escolar, saída da escola, por qualificação. Os estudos mostram que investimentos feitos nesse período inicial têm impacto muito grande no futuro.
 
Então, é preciso agir dos dois lados. Na qualificação do jovem desde seus primeiros anos de vida, ou seja, na melhoria da escola pública (no ensino de matemática, de ciências, com técnicas de gestão). Não adianta só querer gastar recursos na educação porque isso não vai ter efeito. Tem que acontecer como aconteceu em Sobral, no Ceará, uma melhoria dramática da gestão que você consegue, com os mesmos recursos, melhores notas, alfabetização e tudo. E do lado da empresa, você precisa aumentar a concorrência e permitir que haja mais competição no mercado, fazendo com que as firmas melhorem suas práticas gerenciais e inovem mais para a gente aumentar a produtividade da economia.
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe