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Para destravar investimentos na infraestrutura e voltar a crescer

Fonte: Valor Econômico / Norman F. Anderson (*) e Helcio Tokeshi (**)
 
Ampliar a infraestrutura - a água que você usa para beber, cozinhar, lavar e que depois vira esgoto; as ruas e o transporte coletivo para ir ao trabalho; as estradas e aeroportos no caminho das férias; os portos e ferrovias que nos permitem vender e comprar nos mercados globais - é consensual, o que faz com que seja paradoxal que tão pouco seja efetivamente realizado.
 
Isto lembra a situação no início da década de 80, quando a necessidade de estabilizar a economia era um consenso, mas mesmo assim ficamos anos sofrendo com crises fiscais, de balanço de pagamentos e altíssima inflação.
 
O paradoxo se resolve se nos damos conta de que entre o consenso sobre um gargalo de infraestrutura - por exemplo, que se perdem horas para chegar ao trabalho ou que o transporte terrestre para exportar a soja do Mato Grosso chega a custar o dobro do custo em Illinois - e a implementação de uma solução existem muitas coisas que precisam acontecer.
 
A estruturação de um bom projeto não é trivial. Para qualquer necessidade de serviço, uma solução técnica possível deve coincidir com o financeiramente viável e ainda conciliar interesses e prioridades das partes interessadas.
 
É melhor investir em alguns poucos quilômetros de metrô ou em dezenas de quilômetros de corredores de ônibus que custam a mesma coisa? Ampliamos a capacidade de exportação de grãos em Santos e Paranaguá ou priorizamos novos terminais no Norte? Se formos desenvolver a exportação por Santarém, melhor expandir os terminais existentes no porto antigo ou construir um porto novo?
 
Trata-se de projetos de grande porte e de longo prazo de maturação, realizados sob incerteza, afetando muitos interesses que ao mesmo tempo geram benefícios e oportunidades para a sociedade como um todo.
 
Os comerciantes e motoristas afetados por um corredor de ônibus terão prioridades diferentes dos proprietários dos imóveis que vão se valorizar com uma nova estação de metrô ou dos moradores que serão desalojados para a obra da mesma estação. Se tenho um terminal em Santos, não será necessariamente bom que a soja passe a ter mais alternativas para chegar à China.
 
Neste contexto, como aumentar os investimentos em infraestrutura e dar o salto de competitividade proporcionado por viver numa cidade melhor, chegar mais rápido ao trabalho, e viajar e transportar mercadorias mais rápido e barato?
 
Justamente porque qualquer sociedade tem conflitos de interesses, cabe ao Estado mediar e arbitrar forjando um consenso em torno de escolhas estratégicas de longo prazo. O controle da inflação alta, sintoma de um conflito distributivo que se expressava na forma de descontrole fiscal e monetário, foi possível com a construção de um conjunto de instituições - a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tesouro com controle efetivo sobre o orçamento e a autonomia do Banco Central - que mantém um consenso sobre as políticas monetária e fiscal compatíveis com a estabilidade macroeconômica.
 
Da mesma forma, o boom de investimento em infraestrutura das próximas décadas será tão maior e melhor quanto o conjunto análogo de instituições que construa consensos sobre uma estratégia de desenvolvimento de cada setor, os projetos prioritários, a forma de implementá-los como obras públicas, concessões ou PPPs e a forma de financiá-los combinando financiamento público e privado de forma criativa.
 
Uma boa parte do trabalho já foi feito. Temos marcos regulatórios adequados na maioria dos setores, as principais agências reguladoras montadas, instituições de planejamento de longo-prazo como a EPE e EPL no governo federal, e nos Estados e municípios casos bem sucedidos como o do Instituto Jones dos Santos Neves interagindo com o Espírito Santo em Ação, o IPPUC em Curitiba, o Plano Integrado de Transporte Urbano de São Paulo, diversos planos diretores das cidades e unidades de PPP atuantes.
 
O que falta? Para destravar os investimentos em infraestrutura precisamos agora aprofundar e acelerar a construção de mais processos de planejamento coordenados por corpos técnicos estáveis e que possam ser fóruns para a expressão dos interesses legítimos da sociedade e de coordenação dos diversos agentes e níveis de governo que necessariamente tem que ser envolvidos para se sobrepor ao ciclo de eleições a cada dois anos no Brasil.
 
Uma forma de acelerar o processo de desenvolvimento e execução de projetos é aproveitar o sistema federalista para reforçar equipes centralizadas e especializadas em tipos específicos de projetos. Mas centralizadas onde essa expertise já existe - com apoio do governo federal mas não necessariamente no nível federal - como por exemplo para PPPs de saúde na Bahia, creches em Belo Horizonte, iluminação pública e metrô em São Paulo, saneamento no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.
 
Requer também abertura do mercado de engenharia e construção para novos concorrentes e profissionais de outros países, como já ocorreu no ciclo das ferrovias, dos primeiros grandes sistemas de água e hidrelétricas. E criar também a oportunidade para atrair mais investidores financeiros, nacionais e internacionais, para manter a demanda das firmas de engenharia e construção de contratos privados com melhores incentivos e mecanismos para controlar custos e garantir a execução. Assim como o restante da nossa economia, esse setor, que já tem empresas fortes que se globalizaram, precisa se beneficiar da maior concorrência no mercado interno.
 
A infraestrutura presta serviços essenciais por décadas e décadas que merecem ser o resultado do melhor que o setor privado tem a oferecer em imaginação e eficiência e da melhor visão estratégica de longo prazo em torno de projetos que façam sentido não do ponto de vista do tamanho do contrato de obra, mas do impacto para o bem estar e competitividade do país.


 
(*) Norman F. Anderson é fundador, presidente e CEO da CG/LA Infrastructure.
 
(**) Helcio Tokeshi, diretor da GP Investments, foi o diretor-geral da Estruturadora Brasileira de Projetos.
 

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