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Lições de 2014 para a infraestutura

Fonte: Folha de São Paulo / Paulo Resende (*)
 
Indicadores econômicos preocupantes, escândalos de corrupção e a Petrobras, orgulho nacional, valendo menos do que antes do anúncio das descobertas do pré-sal. Terminamos 2014 com um sentimento de que foi um ano para ser esquecido. Se quisermos, no entanto, construir um país melhor, o caminho não é o do esquecimento, mas o do enfrentamento com lucidez, para tirar lições valiosas e seguir adiante com mais maturidade. Muitas vezes, é exatamente nos momentos de grandes dificuldades que encontramos as chances de promover mudanças há muito necessárias.
 
Estamos certamente passando por um período que abalou a confiança dos investidores. Corremos, ainda, o risco de ver empresas de infraestrutura enfrentando problemas financeiros e para captar recursos para realizar novos investimentos. Há dois futuros possíveis. Num cenário melhor, essa credibilidade pode estar apenas temporariamente comprometida ou, no pior caso, pode acabar sofrendo um golpe profundo e de recuperação difícil, com graves consequências econômicas e sociais. São as ações do governo e da sociedade que vão mostrar qual caminho seguiremos. É hora, portanto, de parar, analisar o cenário com calma e tomar ações efetivas, que possam consertar o que está errado e melhorar o que está dando resultado.
 
De todas as áreas que poderão, neste momento, se beneficiar de uma reflexão profunda, a infraestrutura é certamente um destaque. E, neste caso, pelo menos uma saída já é bastante clara: precisamos investir em ações que fortaleçam as áreas técnicas dos órgãos governamentais, o que resultará numa gestão mais eficiente e afastada dos interesses políticos e eleitorais.
 
Um primeiro movimento está relacionado com a qualidade dos projetos licitados. O setor de infraestrutura já discute há muito tempo a necessidade que as licitações sejam antecedidas de projeto executivo que detalhe todas as propriedades físicas, legais, ambientais e jurídicas, para que os custos tenham maior nível de assertividade. O "segredo", neste caso, é investir mais tempo e recursos técnicos no planejamento, etapa que tem sido deixada de lado utilizando-se como desculpa nossos alarmantes índices de atraso na infraestrutura.
 
Na prática, no entanto, como estamos vendo no caso Petrobras, a pressa não apenas é inimiga da perfeição, mas também pode ser amiga da corrupção, de mais atrasos, de aditivos indevidos e de negócios mal feitos. Com um planejamento técnico adequado, os riscos diminuem e, no final, a obra ficará pronta no tempo adequado. Um exemplo é o Japão que, depois de devastado por terremoto, se recuperou em tempo rápido porque tem estruturas já consolidadas de planejamento. Outros exemplos são a Alemanha, França e Estados Unidos, onde desde a decisão de se fazer uma obra até sua conclusão, o tempo de planejamento ocupa cerca de 45% do total. No Brasil, ao contrário, obras de grande porte já chegaram a ter seu planejamento executado em paralelo com o início físico do projeto.
 
Além disso, um projeto executivo bem feito agiliza licenciamentos ambientais e pode ser, depois, a referência principal para um comitê de auditoria, com a participação de especialistas independentes e de comprovada experiência, para acompanhar a execução física e contábil.
 
Um segundo passo é investir em novos projetos de concessão e na evolução deste setor. Em duas décadas de bem sucedidas experiências, as concessões de rodovias, por exemplo, já se provaram de grande eficiência, uma vez que são mais transparentes, com leilões públicos realizados na Bolsa de Valores, com grande concorrência entre grandes empresas nacionais e internacionais, resultando em contratos equilibrados e regulados por agências governamentais específicas.
 
Mais recentemente, o governo também realizou leilões de aeroportos que, nas mãos da iniciativa privada, começam a se destacar como os melhores do país. Na escala de transparência, o modus operandi de um processo de concessão certamente ocupa o topo, com a realização de audiências públicas, perguntas e respostas também públicas e acesso da sociedade a todas as etapas da contratação do projeto.
 
É claro que, também nas concessões, há o que melhorar. Há, por exemplo, necessidade do fortalecimento e aumento de quadro técnico das agências reguladoras. Nos processos de acompanhamento, poderíamos, por exemplo discutir a implantação de um comitê supra institucional, com a presença da advocacia geral do respectivo ente federativo e que divulgasse de forma ampla os resultados de seu trabalho.
 
Assim como nas licitações da 8666, as concessões também poderiam se beneficiar de projetos executivos mais detalhados, que não apenas facilitariam a produção das propostas, aumentando a assertividade dos preços apresentados, mas também permitiriam às empresas entrar em níveis de detalhes que aumentariam ainda mais o interesse e competição. E quem se beneficia de tudo isso é a sociedade.
 
Por último, é preciso saber separar as coisas. A investigação em curso nos casos da Petrobras é louvável e representa um avanço fundamental e necessário para as discussões de ética no país. Os eventuais casos de corrupção devem ser investigados e punidos, quando atestadas as irregularidades, mas eles não devem, de forma alguma, contaminar projetos bem sucedidos e empresas de comprovada qualidade. Apesar de nossos atrasos e da grande necessidade de melhorias de processos de gestão, já temos, sim, um importante histórico de grandes obras de infraestrutura, realizadas por companhias nacionais e internacionais extremamente competentes, por meio de milhares de profissionais dedicados e comprometidos com o país.
 
Se olharmos todo esse cenário com mais lucidez, amplificando nosso raio de visão e análise, vamos enxergar que não estamos no caminho do retrocesso. Estamos, apenas, num momento crítico, paralisados com o cenário que nos obriga a fazer escolhas éticas e tomar decisões importantes como sociedade. Nesta encruzilhada de escolhas, não há mais espaço para promessas de números grandiosos. Precisamos de menos esperanças vazias e de mais vontade prática. O lado técnico precisa assumir a direção, se quisermos seguir pelo caminho de rodovias, ferrovias, aeroportos, energia e portos de eficiência e qualidade. Essa é uma das grandes lições de 2014 para os responsáveis por planejar a infraestrutura brasileira.
 

 
(*) Paulo Resende, PhD, é coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral
 

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