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STJ breca o confisco do salário

Fonte: Folha de S. Paulo / Maria Inês Dolci (*)

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de não permitir que o Itaú Unibanco descontasse mais de 30% do salário de um correntista para quitação de dívidas, foi equilibrada, ao encontro do combate ao superendividamento.
 
Não é possível que uma instituição financeira chegue a descontar a totalidade do salário de um cliente para cobrar empréstimos, juros do cartão de crédito ou tarifas. Como um ser humano pode fazer frente a gastos com comida e moradia, por exemplo, dos mais básicos que existem, se tiver toda sua renda mensal comprometida com débitos?
 
Cabe aos bancos ser criteriosos na concessão de crédito. E aos consumidores, evidentemente, honrar suas dívidas. Mas há direitos fundamentais das pessoas que não podem ser colocados em segundo plano.
 
O juiz de primeiro grau havia considerado que o salário, ao ser depositado na conta-corrente, era crédito, não salário nem moeda, logo poderia ser descontado. Por incrível que pareça, a decisão foi confirmada em segunda instância.
 
A 3ª Turma do STJ, porém, não seguiu esta linha de pensamento. E acertou, para sorte do correntista.
 
A iniciativa de contestar a decisão inicial foi do Ministério Público de Minas Gerais. É por essas e outras que o MP é tão importante para os brasileiros, na defesa de direitos frequentemente atropelados.
 
Estamos vivendo um período tão absurdo, que os banqueiros se recusam a aumentar os empréstimos. E no qual quem nos impulsiona a dever além dos limites razoáveis são as autoridades.
 
O endividamento virou a mola-mestra de nossa economia. Sem ele, nada feito.
 
O que incomoda alguns governantes, pasmem, é um possível Banco Central independente. Mas chamar o consumidor para se endividar em descompasso com suas posses, não, isso não cria qualquer problema de consciência.
 
Na verdade, o que seria um equívoco virou solução.
 
Economias deveriam se desenvolver pela produtividade, nível educacional dos trabalhadores, inovações tecnológicas e participação no mercado externo. A poupança interna também ajudaria nesse ciclo virtuoso, para que houvesse mais investimento.
 
Hoje, contudo, vivemos da dívida para o emprego; da produção para o empréstimo; do crédito para a salvação da economia.
 
É uma conta que não fecha, porém não há foco nos resultados em médio e longo prazos, somente no aqui e agora. A proposta é manter o status quo, haja o que houver.
 
O consumidor, porém, não deveria pagar esta conta. Uma fatura graúda, engordada por juros estratosféricos; uma febre que é sintoma, não a doença.
 
O dinheiro é sempre um bem escasso, logo se valoriza em períodos de crise, tornando-se mais caro, o que impacta os orçamentos familiares. Não caia nessa arapuca. Compre se tiver condições. Parcele pouco, preferindo o pagamento à vista. Afinal, nem sempre poderá contar com a sensibilidade demonstrada pelo STJ, ao proteger o salário de um correntista.
 
Esperamos, sinceramente, que este viés de endividamento se modifique. Que os cidadãos não sejam chamados a escorar um alicerce econômico tão frágil e inadequado. Muitas vezes, para comprar bugigangas desnecessárias, que poderiam ser adquiridas com mais tempo, sem comprometimento da renda.
 
Não é aceitável que se retire pão e lar das pessoas para cobrir furos financeiros. Mas nós também temos de prestar atenção às ofertas de dinheiro que não caibam em nossa renda.
 
O jogo não é permitido, por lei, no Brasil. Os cassinos, contudo, funcionam disfarçadamente, sob o beneplácito oficial. As cartas são embaralhadas e oferecidas a milhões de pessoas. Não temos de participar disso.
 
Cabe-nos, pelo menos, proteger a tranquilidade de nossas famílias. A matemática nos ajuda a não entrar em frias. Não importa o que digam, o salário não pode terminar antes do final do mês. Calculadora na mão não faz mal a ninguém.



(*) Maria Inês Dolci é coordenadora institucional da Pro Teste e colunista da Folha
 

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