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Mensagem para você mesmo nas férias: não cheque o e-mail

Fonte: Financial Times  / Lucy Kellaway (*)
 
 
A maioria das pessoas concorda com a maior parte das coisas relacionadas à vida profissional. A diversidade é uma coisa boa; as bonificações dos banqueiros são uma coisa ruim; a criatividade é uma coisa boa, atuar no "piloto automático" é uma coisa ruim, e assim por diante. Mas sobre uma coisa não existe consenso: se devemos ou não averiguar os e-mails durante as férias.
 
A notícia de que a Daimler poderá libertar seus funcionários dessa tirania colocou novamente os dois lados em luta. Com o novo plano da montadora, todas as mensagens que caírem na caixa de entrada de alguém que estiver de folga serão automaticamente destruídas, e o remetente será aconselhado a entrar em contato com outra pessoa.
 
Parabéns à Daimler, disseram algumas pessoas. Finalmente, existirão férias adequadas. Loucura, disseram outras. Não de pode ser tão radical, umas vez que passar alguns minutos por dia checando o que está acontecendo no trabalho é algo fácil e eficiente.
 
Qual dos lados está certo? Acabo de passar o verão europeu discordando violentamente de mim mesma quanto a esse assunto. Três anos atrás, escrevi uma coluna em que inventei o termo "worliday", declarando-me uma grande fã dele. Um worliday é quando você faz um trabalho leve quando está longe da empresa e, desse modo, pode fazer pausas mais longas do escritório. Se, assim como eu, você gosta do seu emprego, não parece haver nada errado em trabalhar um pouquinho enquanto a chuva cai sobre o telhado daquele chalé na Cornualha.
 
Usar o e-mail, ponderei, é inevitável, útil e bom, contanto que com moderação. Mas, nas férias deste ano, mudei de ideia. Estava sentada no mesmo chalé da Cornualha lendo o novo livro de John Lanchester. Nele, ele cita uma estatística surpreendente: os adultos britânicos passam em média menos de um quarto de suas vidas trabalhando - com base em 45 anos de trabalho, oito horas por dia, cinco dias por semana, férias anuais de 28 dias e com uma expectativa de vida de 81 anos.
 
Se o trabalho consome tão pouco de nossas vidas, por que sentimos que ele toma tanto tempo? A resposta estava em meu bolso, vibrando para me avisar que eu tinha recebido um e-mail. Não havia motivo nenhum para checá-lo, mas olhei mesmo assim. Não era nada importante - apenas um pedido para uma reunião distante. Mesmo assim, percebi uma pequena reação física, um aperto no estômago, um aumento da pulsação, uma resposta que foi maior do que se eu tivesse visto a mesma coisa na redação do jornal.
 
Eis aqui uma coisa estranha: quanto mais longe você está do trabalho, mais as notícias perturbam você. Agora, mudei completamente de ideia. Nunca há uma desculpa para usar o e-mail quando você está de férias - ou há muitas desculpas, mas todas elas são ruins.
 
Consigo pensar imediatamente em cinco.
 
- Você é indispensável. Há decisões a serem tomadas e você é a única pessoa que pode tomá-las. Se você é um executivo-chefe e uma proposta de "takeover" é feita enquanto você está ausente, você poderá ter de tomar providências. Mas isso não é motivo para checar as mensagens - é motivo para deixar um número de telefone. Geralmente, se seu patrão não consegue ficar sem você por duas semanas, ele tem problemas sérios e pode ser a hora de procurar outro emprego.
 
- Você não é indispensável. Acha que será passado para trás por alguém na sua ausência. Esse medo é perfeitamente racional, mas a resposta não é partir para o e-mail. É perceber que mesmo que alguém "roube" trabalho seu na sua ausência, a longo prazo isso geralmente não faz diferença.
 
- Seu trabalho é mais interessante do que tentar se comunicar com seus filhos adolescentes que não desgrudam de seus smartphones. Isso faz sentido, embora uma solução melhor seja fazer algo mais prazeroso: pegar uma praia ou tomar um gin com tônica.
 
- Seu smartphone está logo ali e é tentador demais dar uma olhada. Nesse caso, a resposta é não ceder - é ter uma babá corporativa como a Daimler para salvar você de si mesmo.
 
- Lidar com mensagens na medida em que elas chegam é menos ruim do que lidar com uma montanha delas quando você retorna das férias. Essa costumava ser uma desculpa moderadamente boa, mas o novo sistema da Daimler a destruiu para sempre. Como ela deleta todas as mensagens, você volta das férias e se depara com uma caixa de entrada vazia.
 
Na verdade, há três outras coisas milagrosas resultantes da postura da Daimler. A primeira é que ela significa o fim daquela quantidade irritante de e-mails que você recebe quando está de férias e as respostas que inevitavelmente seguem à chegada dessas mensagens. A segunda é que a postura muda o equilíbrio do poder do e-mail do remetente para o destinatário. E a mais importante: significa que, se os remetentes são informados de que suas mensagens foram deletadas sem serem lidas, eles poderão pensar duas vezes antes de mandar tantas mensagens novamente.
 

 
(*) Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times"
 

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