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O Brasil está preparado para enfrentar o ebola? Não

Fonte: Folha de S. Paulo / Esper Georges Kallás (*)

A natureza continuamente nos apresenta novos desafios. Ao longo da história, os humanos enfrentaram germes com grande frequência, com maior ou menor impacto.
 
A tuberculose e o HIV, por exemplo, mudaram hábitos e construíram o mundo de hoje. A epidemia do vírus ebola é mais um caso.
 
Embora o ebola tenha sido identificado em 1976, diferentes tipos do vírus vivem há muito tempo em várias espécies de morcegos na África e na Ásia. O avanço da população na vida selvagem, contudo, fez com que o vírus fosse transmitido para humanos em diversas ocasiões, um encontro que tem sido desastroso.
 
Com capacidade de ser transmitido pelo contato, o ebola provoca uma doença que inflama o organismo, afeta o controle dos líquidos corporais, pode provocar sangramentos e levar à morte uma grande proporção dos infectados.
 
As condições no oeste da África são socialmente precárias em várias regiões e a população tem difícil acesso à saúde e limitada infraestrutura. A Libéria, por exemplo, usa menos energia elétrica em um ano que Nova York em uma hora. Foi a associação Médicos Sem Fronteiras que se esforçou em enviar uma missão para prestar socorro frente a uma situação que se transformou em tragédia humanitária.
 
Ninguém sabe se a transmissão inter-humana do vírus é capaz de sustentar uma epidemia em países com melhores condições sanitárias.
 
Há cerca de uma década, um outro vírus também veio de morcegos. O agente causador da pneumonia asiática, também conhecida como SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome), era muito mais fácil de ser transmitido que o ebola. Causou mais de 8.200 casos de pneumonia e quase 800 mortes em várias regiões do mundo, entre 2002 e 2003. Ações de vários governos, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de autoridades em saúde auxiliaram na contenção da epidemia, até que ela se esgotou.
 
O risco de o ebola chegar ao Brasil ainda é remoto, mas possível. É imperativo que exista um plano de ação coordenado, num país grande e populoso como o nosso. A circunscrição da transmissão ao primeiro caso, ou a poucos casos iniciais, é a chance mais preciosa para evitar uma epidemia como experimentam Guiné, Serra Leoa e Libéria.
 
Autoridades de saúde brasileiras lançaram um plano de combate e estão trabalhando na sua implementação, diante de um quadro de transmissão do ebola no país.
 
A dúvida é se estamos preparados para enfrentar, no Brasil, uma epidemia da doença causada pelo ebola. Na minha opinião, nenhum país está preparado, caso a doença se espalhe em maior escala. Não sabemos ainda qual magnitude a transmissão e a proporção de casos graves poderia atingir.
 
No Brasil, a epidemia de gripe em 2009 e os diversos surtos de dengue nas diferentes regiões do país expõem um sistema de saúde que ainda está em estruturação e pode ficar sobrecarregado em situações epidêmicas. Precisamos reconhecer a necessidade do investimento em pesquisa, priorizar a vigilância e a notificação de doenças que são ou podem se transformar em uma epidemia e criar novas formas de monitorar agentes com o potencial de fazer o que o ebola provocou.
 
Precisamos rastrear casos suspeitos nas principais vias de entrada do país, como aeroportos internacionais, portos e pontos de grande migração em fronteiras. Os prontos-socorros e os serviços de saúde devem conhecer os sintomas da doença e ter os meios suficientes para rastrear casos suspeitos e fazer o diagnóstico com rapidez.
 
Precisamos de profissionais treinados e distribuídos em locais estratégicos do país para cuidar dos doentes e colocá-los em isolamento.

Só um investimento maior e duradouro em todos os níveis da saúde pode melhorar o combate de epidemias que já temos e as que virão.



(*) Esper Georges Kallás, 48, médico, é infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP
 

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