Artigos e Entrevistas

Copa do Mundo e as estratégias para evitar o trabalho

Fonte: Financial Times  / Lucy Kellaway (*)
 
Em certos momentos do ano o trabalho parece mais uma obrigação desagradável - e este é um desses momentos. É verão [no Hemisfério Norte]. A Copa do Mundo está a toda, assim como Wimbledon. Mesmo que você não ligue para tênis ou futebol, também é atingido pelo entusiasmo secundário, que o torna propenso a relaxar um pouco no trabalho.
 
Uma solução popular é inventar uma doença. Segundo um relato exagerado, 3,5 milhões de desculpas como essa serão apresentadas aos chefes durante a realização desses eventos, e isso somente no Reino Unido. Mas fingir-se de doente não só é uma solução de curto prazo, como vai contra meus princípios. Em 34 anos de emprego, jamais inventei estar doente, e agora é um pouco tarde para começar a fazer isso.
 
Isso não significa que desaprovo a aversão ao trabalho. Pelo contrário, ela é necessária para a sobrevivência e é um dom que se precisa ter não só nessa época, mas durante o ano todo. Bem praticada, em vez de levar a carreiras fracassadas, com frequência leva às carreiras mais bem-sucedidas.
 
Um exemplo são dois homens que conheço, ambos da mesma idade e igualmente talentosos. Um é um imã de trabalho extra, que despenca sobre ele o tempo todo. Às vezes ele reclama um pouco, mas enfrenta a pilha de obrigações enfadonhas, sabendo que quando terminar haverá mais esperando. O outro homem jamais encara tarefas extras. Ele não é exatamente preguiçoso, mas só trabalha com coisas que o interessam. Em seu tempo livre ele fica no escritório assistindo a partidas de tênis em seu iPhone.
 
Qual dos dois é mais generosamente recompensado? O senhor Prestativo ou o senhor Nem Tanto? A triste verdade é que o primeiro não vem colhendo benefícios por seu trabalho penoso, e o segundo não vem sendo punido por se esquivar do trabalho.
 
Venho tentando entender como o senhor Nem Tanto consegue fazer isso. De início, imaginei que seria uma questão de dizer não. Essa é uma habilidade que finalmente dominei após duas décadas tentando. É muito fácil: você simplesmente diz não, de uma só vez, sem explicar as razões.
 
Mesmo assim, pela experiência que tenho, os gazeteiros profissionais habilidosos dificilmente dizem não. Eles fazem algo bem mais engenhoso: eles evitam, antes de mais nada, ser solicitados. Há algumas estratégias conhecidas a esse respeito, como circular pelo escritório com uma prancheta, parecer estar ocupado, usar fones de ouvido e ficar de olhar fixo na tela do computador para evitar que alguém se aproxime.
 
Mesmo assim, o senhor Nem Tanto me diz que seu segredo é bem mais simples - ele reduz ao mínimo possível o tempo que passa no escritório. Se você não está lá fisicamente, é extraordinário como consegue evitar o trabalho duro. É verdade que algumas solicitações chegam por e-mail, mas ele me garante que é fácil se livrar delas quando você espera 24 horas para responder - tempo necessário para que outro infeliz seja encarregado da tarefa. O problema é que, se você nunca está no escritório, as pessoas esquecem que você existe.
 
Felizmente, há outra estratégia para fugir do trabalho que já vi ser empregada por colegas com grande eficácia - e é surpreendente não haver uma literatura que dê suporte a ela e nenhum curso ensinando como colocá-la em prática: agir de maneira assustadora. As pessoas intimidantes nunca são solicitadas a fazer trabalho duro. A dificuldade é que ser amedrontador é uma característica inata, e que vem com a graduação na firma.
 
No entanto, é possível se tornar um pouco mais amedrontador jogando com o medo que os colegas têm do desconhecido. Ficamos assustados com pessoas cujos comportamentos não conseguimos prever. Assim, pode ser uma boa ideia alternar um comportamento taciturno com arroubos de tagarelice. Podem achar você assustador - ou podem pensar que você é louco.
 
A melhor de todas as técnicas para fugir do trabalho é estar perfeitamente disposto, mas mostrar-se perfeitamente incapaz. Esse truque é muito praticado em casa pelos meus filhos, que quando solicitados a lavar os pratos o fazem de maneira tão desleixada que a gente nem pensa em pedir a mesma coisa de novo - especialmente se houver alguém mais competente por perto.
 
O equivalente no trabalho é ser um caso perdido nas pequenas tarefas. Atrasar para escrever reportagens chatas ou fazer mal feitas as atas de uma reunião. Infelizmente, é um truque apenas para a classe mais avançada. Você nunca deve tentar isso se não for considerado muito bom nas grandes obrigações. Aí, você será perdoado e até mesmo respeitado pela incompetência e falta de disposição. Quando você for pego em flagrante assistindo a uma partida do torneio de Wimbledon em seu computador, as pessoas vão sorrir de maneira indulgente e pensar que você é um bom camarada.

 

 

(*) Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times"
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe