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Dissidência, greve e pluralidade sindical

Fonte: Valor Econômico / Amauri Cesar Alves (*)



O país assiste em 2014 o surgimento de um movimento teoricamente original, espontâneo e descentralizado de trabalhadores insatisfeitos ao mesmo tempo com seu empregador e com seu sindicato. As denominadas dissidências sindicais parecem ser a reunião de trabalhadores, sob liderança de alguém que não faz parte da direção do sindicato representativo da categoria, cujo objetivo é confrontar, ao mesmo tempo, o empregador e a representação sindical constituída. Tais dissidências aproveitam momentos oportunos para promover paralisação das atividades. Esse fenômeno provoca a necessidade da discussão do instituto da greve e da liberdade sindical no Brasil.
 
Embora haja teoria ampliativa do conceito de greve, coerente com a liberdade preconizada no artigo 9º da Constituição da República, a Lei de Greve ainda exige a participação do sindicato para a deflagração do movimento, cuja decisão emana da assembleia. Exige também a comunicação formal e prévia ao empregador, bem como seu início ordinário apenas no momento da negociação coletiva. Nada disso parece, entretanto, preocupar as dissidências sindicais. Teoricamente e em termos formais a paralisação espontânea e descentralizada, que sequer pode ser greve nos termos estritos da Lei 7.783, de 1989, está fadada à ilegalidade. Em análise estrita dos termos da Lei 7.783 não deve o Poder Judiciário declarar a abusividade da greve em tais casos, pois tecnicamente ela inexiste. Não pode condenar o sindicato representativo da categoria, pois ele não é responsável pela paralisação. Pode, entretanto, condenar os líderes dos movimentos, individualmente considerados, caso haja atos ilícitos praticados durante as paralisações.
 
A realidade atual exige releitura do artigo 8º Constitucional, que trata da representação sindical e deve exigir, hoje, fática e juridicamente, liberdade sindical. Possível compreender, contrariamente à doutrina e jurisprudência consolidadas no Brasil, que a pluralidade sindical é, ao mesmo tempo, exigência constitucional e realidade fática. Assim, é importante compreender a liberdade sindical como direito fundamental de aplicação imediata, nos termos da regra contida no artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição da República, bem como a normatividade dos princípios constitucionais.
 
A afirmação da liberdade sindical como direito fundamental que tem seu valor básico ratificado pelo Brasil em tratados de direitos humanos e consequente aplicabilidade direta no plano das relações intersubjetivas exige do intérprete do direito uma nova compreensão sobre o sindicato. Duas são as possibilidades interpretativas, no atual cenário normativo plural, que ensejarão releitura do disposto no artigo 8º da Constituição e, como consequência, no artigo 511 da CLT: inconstitucionalidade da regra constitucional da unicidade e interpretação tópico-sistemática do direito posto. A primeira, inconstitucionalidade da regra constitucional da unicidade, tem por base a doutrina alemã de Otto Bachof. O suposto é a possibilidade de existência - já anteriormente negada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em outra composição - de inconstitucionalidade de regra constitucional, o que ensejaria a interpretação de desconformidade da regra da unicidade com o princípio (revelador de direito fundamental) da liberdade sindical. A segunda, que pretende a compatibilização tópico-sistemática entre liberdade sindical e unicidade, pressupõe a prevalência do princípio da liberdade sindical sobre a regra da unicidade, que se preserva apenas para a indicação do sindicato mais representativo.
 
Todas as transformações aqui apresentadas, sobretudo aquelas de matriz constitucional, possibilitarão uma releitura do artigo 511 da CLT, que, em cenário de pluralidade sindical, pressupõe o direito dos trabalhadores de constituir organizações conforme escolha dos interessados. Os sindicatos (por profissão, categoria profissional, empresa ou segmentos econômicos) concorrerão livremente para a representação coletiva neste cenário possibilitado por uma nova interpretação do sistema jurídico brasileiro.
 
Assim, quem quiser ser dissidente da representação sindical estabelecida deve criar seu sindicato e com ele divergir institucionalmente. Todos os que quiserem podem fundar seu sindicato, ainda que existente outra instituição na mesma base territorial. É claro, entretanto, que com a institucionalização dos novos sindicatos concorrentes virão responsabilidades legais em âmbito coletivo, o que não há na dissidência pura e simples, pois ficam estas restritas ao indivíduo.
 
Já há então, de fato, pluralidade sindical no Brasil, ainda que marcada pelas divergências sindicais, o que exige um posicionamento do Poder Judiciário Trabalhista diferente daquele tradicional, fundado em uma ultrapassada, inconstitucional ou imprópria, unicidade sindical. Mais uma vez a pressão da realidade trará a reconstrução interpretativa do direito.



 
(*) Amauri Cesar Alves é doutor e mestre em direito (PUC-MG), professor da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e Fundação Pedro Leopoldo (FPL)
 

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