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Como encarar os dilemas profissionais da meia idade

Fonte: Valor Econômico / Renato Bernhoeft (*)

É muito evidente que os dilemas da meia idade abrangem diferentes papéis da vida e não podem ficar restritos apenas a uma dimensão da nossa existência. Mas por outro lado não podemos negar que, pelo que representa em nossa cultura, o universo do trabalho e a carreira ganham importância significativa nesse contexto.
 
Para Carl Jung, “a meia idade é o momento do grande despontar, quando um homem ainda se entrega ao seu trabalho com toda a energia e vontade. Mas é este o exato momento do início da segunda metade da vida; o ‘outono da vida’, como é chamado. A paixão muda de figura e chama-se agora obrigação; o ‘eu quero’ torna-se um inexorável ‘eu preciso’; e as curvas do caminho, que antes traziam surpresas e descobertas, já se tornam tediosas pela força do hábito. O vinho está fermentado... Procuram-se verdadeiras motivações e fazem-se verdadeiras descobertas. O exame crítico de si próprio e de seu destino permite ao homem reconhecer suas peculiaridades. Essa conscientização, porém, não lhe sobrevem facilmente; ela só é alcançada mediante os mais violentos choques”.
 
Para a maioria dos profissionais, a ideia de carreira significa — erroneamente — um processo de crescimento sempre vertical. Muitas vezes, eles não admitem carreiras horizontais ou a ampliação de desafios em posições já ocupadas.
 
Para muitos a carreira pode ser importante fonte de estabilidade, mas também de frustração. A estagnação profissional pode ser consequência natural do estreitamento da pirâmide da organização, especialmente em períodos de crescimento limitado. Portanto a decorrência natural é que a maioria dos executivos chegará a um ponto de paralisação. E na maioria das organizações não existem instrumentos de auxílio para o confronto com o fracasso na vida corporativa.
 
O que ocorre muitas vezes são alguns arranjos ambíguos de deslocamento horizontal ou rebaixamento disfarçado. Ou até, como última medida, a demissão pura e simples. É evidente que cada vez mais os executivos devem apropriar-se das suas carreiras — e vidas — e não entregar simplesmente essas atribuições às empresas.
 
Segundo o economista e professor de comportamento organizacional holandês, Manfred Kets de Vries, é na metade da carreira que o executivo deverá enfrentar o primeiro confronto consigo mesmo. Levará em conta não apenas aquilo que fez, mas também o que não fez. Traços de personalidade aliados a circunstâncias externas determinarão sua maneira de enfrentar o balanço que fará de sua vida e, especialmente, a forma de encarar essa avaliação.
 
Vries pesquisou e concluiu que existem quatro estilos principais que os executivos adotam ao interagir com o ambiente nesse momento. É evidente que nunca existe um estilo puro, e sim uma certa “contaminação” entre os mesmos. A título de contribuição para o leitor descrevo abaixo uma síntese dos quatro estilos pesquisados pelo professor.
 
Estilo construtivo: É representado pelos executivos que desejam, realmente, engajar-se em uma avaliação realista e apresentam capacidade de reestruturar suas experiências através de novas informações e aprendizagens. Conseguem dessa forma repartir seus recursos, habilidades e criatividade para auxiliar o desenvolvimento da geração de profissionais mais novos. Portanto este período de vida torna-se o tempo de auto-confiança, satisfação e realização. Para estes profissionais a crise na meia idade é um período bastante calmo; não há o aspecto traumático que pode existir para outros.
 
Estilo acomodado: Alguns executivos encaram seus ambientes de uma forma realista, mas se relacionam de modo mais passivo com o mundo à sua volta. Eles não possuem aspirações elevadas e se satisfazem facilmente. Suas vidas não conhecem tormentos; não são de “balançar o barco”. Para alguns pode até parece exagerado falar de crise no meio da carreira. Essa fase passa sem dramas. São pessoas que executam bem seu trabalho estando com ele envolvido por longo tempo, e não apresentam ambições de melhoria salarial ou de status. Sentem-se satisfeitos com a autonomia do seu cargo. São descritos como agradáveis, simpáticos, obedientes à autoridade e dóceis. Essa situação pode ser interrompida apenas por uma demissão abrupta.
 
Estilo defensivo: A combinação do caráter ativo com uma orientação distorcida e irrealista em relação ao mundo produz o estilo defensivo. Os executivos desse grupo apresentam, frequentemente, numerosos sintomas de estresse. A vida é suportada e muitas vezes sentida como algo bastante tedioso. São profissionais fortemente sujeitos ao pânico quando percebem que suas vidas — pessoal e profissional — podem ter-se dirigido para fins considerados errados. Não apresentam nenhuma disposição pra treinar a geração mais nova e procuram guardar para si todo o conhecimento adquirido. São irritadiços e podem comprometer também sua vida pessoal.
 
Estilo depressivo: Com certas características do estilo defensivo, o depressivo possui também uma combinação de passividade com uma orientação distorcida em relação à vida. Culpar os outros, auto-depreciação, sentimento de fracasso e pessimismo são fortes características deste grupo. O sentimento é de não alcançar suas aspirações originais. Não confiam em si mesmos para um novo começo e também não acreditam que possam continuar aprendendo ou progredindo. Atingir a metade da carreira traz a sensação de ser sempre tarde demais. Apegam-se fortemente ao passado procurando isolamento e apresentando uma série de distúrbios psicossomáticos.
 
Além de demonstrar a importância da vida profissional, é evidente que na fase da meia idade todo este balanço de vida ganha importância. Muitas vezes este não é um processo isento de dor e frustrações. Mas é de grande utilidade.



 
(*) Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria.
 

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