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Cabotagem: Mudanças Necessárias

Fonte: ComexBlog / Samir Keedi (*)
 
Há 17 anos, num seminário na hoje maior feira de comércio exterior do país, fizemos uma intervenção. Dissemos que da maneira como “o barco era conduzido”, fatalmente desapareceríamos do transporte marítimo internacional. Que no futuro seríamos jogados para a cabotagem. É claro que essa colocação irritou os armadores. Mas, o que vemos, desde final da década de 90, é justamente isso.
 
Com os armadores existentes no mundo hoje, vários com capacidade de realizar todo o comércio exterior brasileiro de container – de entrada e saída, do Oiapoque ao Chuí, de leste a oeste, unidades cheias e vazias – utilizando apenas metade da sua frota, devemos aproveitar esta vantagem internacional.
 
Como se sabe, perdemos o bonde, ops, o navio da história. No final dos anos 70 nossa marinha mercante representava 30% da carga transportada. Éramos o segundo produtor de navios do mundo. Assim, devemos aproveitar o momento, em especial que nossa infra-estrutura é deplorável. E realizar, algumas mudanças fundamentais que poderão afetar positivamente nossa matriz de transporte.
 
Para isso, sugerimos acabar com a hipocrisia e entender e assumir a situação de penúria da nossa marinha mercante. Que é pequena para nossas potencialidades. E o fato de que a cabotagem é também realizada por empresas estrangeiras. Estas como subsidiárias de grandes armadores estrangeiros.
 
Já que nosso futuro na navegação – e não vemos de outra maneira – é a cabotagem, devemos transformá-la para melhorar nosso transporte, com reflexos na nossa logística e economia como um todo.
 
Em primeiro lugar, uma abertura da navegação de cabotagem às empresas estrangeiras. Heresia, isso não ocorre em nenhuma parte do mundo dirão. Ora, o que importa? Em nenhum lugar do mundo também temos juros tão altos, impostos tão abusivos, baixa taxa de investimento, altíssimos lucros bancários, péssimos serviços públicos, etc., e aqui temos.
 
Já que temos o transporte internacional feito em quase 100% por empresas estrangeiras, poderíamos aproveitar sua capacidade e competência. Usá-las, para mudar nosso transporte interno, com melhores processos logísticos. Significando redução de frete, entrega mais eficiente de mercadoria e tudo o mais que possa ser carregado com essa ação.
 
Um armador estrangeiro já traz mercadoria do outro lado do mundo, por exemplo, para Vitória. E passa, posteriormente, por Santos, Itajaí, Rio Grande, etc. Por que não pegar carga em Santos e entregá-la em Rio Grande? Qual o ganho para a economia brasileira e para seus cidadãos?
 
Pregamos o desaparecimento da nossa marinha mercante? Não, que ela quase não existe. Pregamos apenas a melhoria da sua competência, dentro do espírito de preservar o coletivo em detrimento do individual. Em que a sociedade ganhe. E todos conhecem a competência brasileira para competir. É só dar-lhe as condições adequadas. Isso quer dizer afastar o governo da economia. Ter carga tributária e juros decentes. E assim por diante.
 
Sabemos que o problema brasileiro é o Estado, cada vez pior e mais intervencionista. E a cada dia tira algo do empresariado, não permitindo sua evolução. Também precisamos entender que, embora o comércio exterior seja de extrema importância, o brasileiro precisa ser priorizado.
 
Em segundo lugar, é preciso equiparar os preços dos combustíveis vendidos às embarcações brasileiras àqueles vendidos aos navios estrangeiros, sem impostos. Essa discriminação é descabida e inadmissível. Principalmente por que, também, o diesel para o transporte rodoviário é subsidiado. Portanto, nossa aparente ideia de entrega, exarada acima, é muito mais compatível do que essa aplicada hoje contra os armadores nacionais.
 
Uma terceira ideia a ser aplicada, e que sempre defendemos, é a equiparação dos preços de construção dos navios aos preços internacionais. Se no exterior o custo de construção de um navio porta-containers é de 12.000 dólares norte-americanos por TEU - twenty feet or equivalent unit (container de 20 pés ou equivalente), este deve ser o preço a se pagar no Brasil.
 
Como fazer isso é simples. A diferença deve ser coberta, a fundo perdido, pelo FMM – Fundo da Marinha Mercante, constituído com o AFRMM – Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante. Afinal, ele não é cobrado aos importadores para incentivo e aplicação na Marinha Mercante Brasileira? Pois que se o utilize dessa forma, mais de meio século depois que foi criado.
 
Muitas outras idéias podem ser colocadas, e depende da criatividade e vontade política de se olhar o Brasil com mais carinho, e sem donos.

 

 

(*) Samir Keedi
Professor de MBA, autor de vários livros em comércio exterior, transporte e logística, tradutor do Incoterms 2000, membro da CCI-Paris na revisão do Incoterms® 2010.
 

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