Artigos e Entrevistas

Porto Mariel, a participação ideológica do Brasil na disputa geopolítica

Fonte: FNP / Eduardo Guterra (*)



O viés tendencioso das recentes notícias sobre a inauguração das obras de modernização do Porto de Mariel, em Cuba, evidencia que, certamente, o embate eleitoral será um dos mais intensos e disputados dos últimos anos. E nós, do movimento sindical, deveremos estar atentos, buscando ocupar os espaços que interpretam estes tipos de acontecimento que poderão ser usados como fatos políticos pela oposição reacionária.
 
O certo seria informar que estes US$ 682 milhões foram financiados pelo BNDES, e não em detrimento dos portos brasileiros. Dados da Secretaria de Portos (SEP) preveem investimentos de R$ 6,3 bilhões em obras relacionadas ao PAC2 até 2014 (algo em torno de US$ 2,6 bilhões), quase 4 vezes mais. Ainda assim, o Programa Governamental para os Portos brasileiros, lançado em 2012, prevê R$54,2 bilhões (algo em torno de US$ 22,42 bilhões ou seja, 33 vezes o valor do empréstimo para o porto de Mariel) até 2017 entre investimentos do governo e privados, sendo que estes últimos contam com linhas de financiamento a taxas e condições significativamente mais atrativas no próprio BNDES, que pode financiar diretamente até 65% do empreendimento. Não é por acaso que, apenas um mês após a sanção da MP 595 dos Portos (em 05 de junho de 2013), a Secretaria de Portos tinha recebido 50 solicitações para novas instalações portuárias.
 
A aprovação do crédito pelo BNDES para o financiamento dos bens e serviços exportados para a construção do Porto de Mariel em Cuba ficou sujeita a que, do investimento total – estimado em US$ 957 milhões – pelo menos US$ 802 fossem gastos no Brasil, no financiamento de bens e serviços brasileiros para a construção do porto. Estima-se que tenham sido gerados no Brasil 156 mil empregos diretos, indiretos e induzidos.
 
O Porto de Mariel encontra-se localizado numa baía de águas profundas e poderá receber os navios chamados pós-Panamax, que transportam três vezes mais carga do que os navios convencionais, logo assim que se conclua o aprofundamento do Canal do Panamá, cuja previsão é estar pronto entre este e o próximo ano.
 
No longo prazo, os navios que atraquem no porto cubano também se beneficiarão do anunciado canal da Nicarágua, cujo início de construção, com financiamento chinês, está previsto para este ano e pelo qual poderão passar navios maiores ainda do que os pós-Panamax.
 
Desde uma visão geopolítica, esta região constitui um ponto que interliga várias rotas comerciais e onde os EUA têm tido historicamente forte presença. Grande parte do comércio da Ásia para a costa leste dos EUA passa pelo Canal do Panamá e após sua ampliação, a área caribenha ganhará mais dinamismo ainda. Por esta razão, os portos dentro da área de influência do Canal estão modernizando suas estruturas para permitir que navios maiores possam atracar. E em Cuba, o Brasil não tem a concorrência direta dos EUA como nos outros países do Caribe. É por esse motivo que muitas empresas brasileiras já demonstraram interesse em se estabelecer na Zona Especial de Desenvolvimento, área contigua ao porto que oferece regime especial em aspectos aduaneiros e tributários para as empresas que ali se estabeleçam.
 
Sem sombra de dúvidas, a abertura da economia cubana é um elemento transformador para a sociedade daquele país. Mas, certamente, é uma jogada estratégica para o Brasil que suas empresas se estabeleçam num ponto onde a China e os EUA brigarão por conquistar uma fatia do comércio mundial.
 
O Brasil poderá ter maior inserção na economia da América Central e do Caribe e, no longo prazo, tendo em vista que o bloqueio norte-americano a Cuba não consiga se sustentar por muito mais tempo, poderá ter acesso ao mercado norte-americano. Assim, o empréstimo do BNDES para a ampliação do Mariel não é algo apenas ideológico, ato que, em última instância também teria todo meu apoio. Mas, ao que tudo indica, beneficiará às empresas brasileiras que se estabelecerão no porto que será o principal do Caribe.
 
Todos estes argumentos não foram debatidos nos meios de comunicação que se limitaram apenas a criticar eleitoreiramente a iniciativa da ampliação do Porto de Mariel, que começou há 5 anos, com a qual mais de 500 empresas brasileiras se beneficiaram desde então e cujo financiamento por parte do BNDES recebe em juros, como qualquer outro empréstimo do mesmo. Talvez tais críticos ‘nacionalistas’ não enxerguem a importância da estratégia comercial e geopolítica do desenvolvimento deste porto. Talvez apoiem também a Lei Torricelli, norma norte-americana, pela qual um navio que atraca em um porto cubano, mesmo que apenas para uma parada técnica, fica impossibilitado de entrar num porto dos EUA durante seis meses e só pode fazê-lo a partir de uma permissão especial.
 
Com certeza, a decisão do governo brasileiro de fomentar a modernização do Porto de Mariel – e apoiar o processo de abertura econômica de Cuba -, não é só uma estratégia econômica acertada do ponto de vista da inserção industrial brasileira nas rotas do comercio mundial, mas também terá grande impacto social tanto em Cuba quanto no Brasil e ainda constitui uma resposta política contundente ao embargo histórico dos EUA sobre Cuba.




(*) Eduardo Guterra, presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP)
 


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