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Justiça do Trabalho afasta investimentos

Fonte: Brasil Econômico



O que mais preocupa hoje o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, não é a carga tributária, nem a alta das taxas de juros, ou os limites da infraestrutura. O principal gargalo que aflige o setor, afirma ele, é o excesso de exigências da Justiça do Trabalho, que causa insegurança nas empresas.
 
"A Justiça do Trabalho hoje é um impeditivo para os investimentos. Ela faz o papel do Congresso, promulga as leis, decide, e ainda decide de maneira diferente em cada estado, em cada cidade", criticou Andrade, em entrevista exclusiva ao Brasil Econômico.
 
Ao contrário dos representantes das federações de indústrias do Rio de Janeiro e de São Paulo, que descarregam as baterias contra a contínua elevação da Selic, o presidente da CNI mostra-se compreensivo com o Banco Central: "Qual o outro mecanismo que você tem? Não estou dizendo que concordo com a política de aumento dos juros. Estou dizendo que o Banco Central não tem outra saída".
 
Para ele, o Brasil melhorou, mas ainda há muito a ser feito: serviços públicos mais eficientes, expansão dos investimentos, e um plano de longo prazo capaz de dar direcionamento ao país são tarefas ainda pendentes.
 
Fala-se muito na gangorra da indústria este ano: um mês é bom, outro é ruim. Como se explicam essas idas e vindas do setor?
 
É claro que certas coisas são sazonais mesmo. Os setores com produtos mais voltados para o consumo - eletrodomésticos, imagem e som - dependem mais de eventos da economia, como Dia da Mães, Dia das Crianças, acordos salariais. O que não justifica que haja um mês bom e um negativo. Poderia justificar um mês melhor do que o outro. Não ligo isso às grandes questões macroeconômicas. Elas têm influência no país, mas uma influência diferenciada.
 
Por todos os lugares em que tenho andado no Brasil, observo que a indústria voltada para o mercado brasileiro está vendo melhoria dos empregos, aumento de salários, do consumo. O que impacta no ânimo das pessoas para consumir são notícias como as manifestações populares e declarações negativas de alguns analistas, investidores, questionando o sucesso do país na política econômica. As pessoas começam a ficar com medo de perder o emprego.
 
Claro que todo ano a indústria começa com estoques elevados e 2013 foi assim: a CNI desde o início projetou o crescimento para a indústria para abaixo de 2%, em 1,8%, que é o que está sendo desenhado. Mas acho que os analistas internacionais foram muito severos com o Brasil.
 
E agora as empresas de rating ficam dizendo que podem rebaixar o Brasil...
 
Em todas as pesquisas que fazemos, os empresários ou têm mantido ou têm melhorado um pouco a confiança no país. Não dá para dizer que isso é uma retomada, mas também não existe desconfiança no crescimento do país e da indústria. As pesquisas mostram que os empresários estão investindo. O problema é que as grandes empresas de capital estrangeiro olham muito para essa questão do rating. Que notícia o investidor que está na Europa, nos EUA ou na Ásia recebe? De sua filial no Brasil e dos analistas internacionais, que falam sobre rating, inflação, insegurança...
 
Fala-se muito no tripé macroeconômico ameaçado...
 
Sim, mas quando o investidor olha o resto do mundo, não vê uma calmaria. Talvez a China, que está crescendo acima do que se esperava, 7,8%, tem futuro de crescimento enorme, com uma população gigante entrando no mercado de consumo. Mas qual segurança jurídica você tem lá? Há a burocracia brasileira, mas a deles é muito maior. Então, onde investir? A Europa não tem investimento. Investir no Japão não é fácil. Precisa ser na América Latina, na África ou nos Estados Unidos.
 
Mas os EUA também estão com a situação política complicada...
 
O Brasil tem múltiplos problemas, como, por exemplo, as questões trabalhistas. A Justiça do Trabalho hoje é um impeditivo para os investimentos. Ela promulga as leis, decide, e ainda decide de maneira diferente em cada estado, em cada cidade. Por isso, às vezes, em alguns setores, é mais fácil investir nos EUA do que no Brasil. Temos um mercado enorme, uma posição privilegiada na América Latina e no mundo. Não há no mundo inteiro um país que tenha restrição ao Brasil, enquanto há blocos com restrições aos EUA. Mas não temos custo de produto para poder vender lá fora. Se tivéssemos, estaríamos numa posição de vantagem enorme no mercado internacional.
 
O que mais prejudica essa competitividade?
 
Há algum tempo, eu responderia que é a carga tributária. Mas as últimas pesquisas que a CNI fez apontam que, à frente da carga tributária, estão as questões trabalhistas, de infraestrutura, de tecnologia, de inovação e de burocracia.
 
À frente da carga tributária?
 
Sim. O Brasil avançou bastante nas desonerações, mas a burocracia é um negócio fantástico, tem um custo muito elevado.
 
Para a questão trabalhista há proposta específica?
 
Fizemos um livro chamado "101 Propostas para a Modernização Trabalhista", procuramos nessas propostas não tirar nenhum direito do trabalhador. Essa questão da Justiça Trabalhista causa uma insegurança enorme às empresas, além de ela estar fazendo o papel do Congresso, porque é quem está fazendo as leis.
 
Que tipo de problema esbarra na Justiça Trabalhista?
 
Problema de terceirização, trabalho escravo, acordos trabalhistas. Não há mais empresário disposto a fazer convenção trabalhista, porque o acordo não tem validade perante a Justiça. E o Ministério do Trabalho fica editando normas que só aumentam o custo. A alegação é de que são para a segurança do trabalhador. Isso não é verdade.
 
A Norma Regulamentadora nº 24 diz que as empresas têm que ter um metro e meio quadrado de vestuário para cada trabalhador. Uma empresa veio conversar comigo porque tem 35 mil funcionários: teria que construir 52 mil metros quadrados de vestiário. Será que é obrigação do Ministério do Trabalho falar o tamanho de um armário do vestiário? Visitei recentemente empresas nos EUA. Aqui a empresa é obrigada a ter refeitório e servir alimentação para o funcionário. Nos Estados Unidos, eles não têm uniforme, levam marmita e comem no lugar em que trabalham. Isso é trabalho escravo?
 
De que burocracia o sr. está falando?
 
Para tudo. Para exportar, por exemplo. Para você tirar uma guia de exportação, leva alguns dias. Em alguns países, é online. Para cumprir a burocracia do mercado interno brasileiro, você tem de ter um número de pessoas razoável na sua empresa. Tem uma coisa chamada Obrigações Acessórias, que não serve para nada, mas se você não fizer isso, não pode tirar empréstimo, negociar com o governo. Nos impostos, PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), você tem diferenças tão grandes! O que é PIS e Cofins para a indústria? E para o comércio? Na indústria, você transaciona com uma prestadora de serviços técnicos, de engenharia, e não sabe o que pode creditar e o que não pode. Quando vai olhar, vai ter custos que nem imaginava.
 
O maior pesadelo hoje para as empresas é o Ministério Público do Trabalho?
 
Não, é a Justiça trabalhista brasileira. Os próprios juízes. Estamos discutindo a terceirização com o Congresso Nacional, onde há os grupos de influência: sindicatos, centrais sindicais, empresários. Mas quem está fazendo o maior lobby é a Justiça Trabalhista.
 
É porque ela não quer a terceirização da atividade fim?
 
Ela não quer nenhum tipo de terceirização, não quer regular a terceirização. Isso é papel dela? É da sociedade, dos sindicatos, dos empresários. O maior terceirizador hoje é o governo. A própria Justiça do Trabalho terceiriza! Ameaçar dizendo que se uma legislação passar será inconstitucional é papel dela?
 
Será porque o autor do projeto é um empresário, o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO)?
 
Um deles é do Sandro Mabel, mas os relatores são outros parlamentares. Se for para desqualificar o Sandro Mabel, o (Ricardo) Berzoini (PT-SP) também não poderia ser presidente da Comissão de Constituição e Justiça, porque já foi ministro e é representante dos trabalhadores, dos bancários.
 
Em que setor essa questão da terceirização complica mais?
 
O call center é uma das grandes brigas da Justiça trabalhista, porque trabalha para muita gente: para empresas de cartão de crédito, de telefonia, bancos, empresas de energia. É um grande gerador de empregos para pessoas que estão cursando universidade, mas precisam de atividade para complementar a renda. E se aqui há problema para instalar um call center, o empresário vai instalar na Bolívia, no Uruguai, no Paraguai, nos Estados Unidos, onde quiser. O custo da ligação é irrisório. Estamos levando emprego para outros países. A Justiça do Trabalho não está vendo que está retirando empregos do Brasil. O que queremos é dar segurança para o trabalhador terceirizado.
 
Há hoje 14 milhões de trabalhadores na indústria brasileira e 12 milhões de terceirizados. Trabalha-se contra eles porque não se quer dar segurança para eles, regulamentar esse trabalho, não se quer que as empresas sejam responsáveis pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), pela aposentadoria.
 
O governo adotou uma política anticíclica para enfrentar a crise, se saiu bem, há a política de desoneração, mas se diz que não há uma política maior, uma política industrial no Brasil. Falta um plano para o desenvolvimento da indústria?
 
Em muitas áreas - não digo em relação à indústria especificamente - falta eficiência da máquina pública. Falta a divulgação de um programa, de um plano de longo prazo que dê o direcionamento ao país, que diga onde desejamos chegar, a maneira com que vamos chegar e o que devemos fazer para chegar. Reduziria aquele jogo das instituições para ocupar espaço. Há uma disputa que não leva todos para o mesmo lado. Com relação às desonerações tributárias, o país avançou muito. Não sei se haveria espaço para ir além do que já se fez.
 
Vamos chegar a algum lugar coma alta dos juros?
 
Mas qual é a política que temos para combater a inflação? Ou aumentar os juros ou reduzir o gasto público. A redução do gasto público está ligada à prestação de serviços. O país teria que elevar a eficiência do serviço público para reduzir seu custo.
 
Firjan e Fiesp sempre apontam as taxas de juros como grandes vilãs. Mas o senhor parece olhá-la com mais compreensão...
 
Ela é vilã (a taxa de juros). Com a redução dos juros nestes últimos anos, veja o aumento nos investimentos que tivemos no Brasil. Os juros passaram a ser um componente muito pouco impactante nos investimentos.
 
A ameaça de volta aos dois dígitos preocupa?
 
É ruim, é preocupante. Mas qual o outro mecanismo que você tem? Não estou dizendo que concordo com a política de aumento dos juros. Estou dizendo que o Banco Central não tem outra saída. A alternativa é gastar menos. E essa não é uma questão só do governo federal. Os governos estaduais e municipais têm a mesma contribuição a dar, de melhorar a eficiência da máquina pública. O Brasil tem uma carga tributária equivalente a 37% do PIB, mais 3% a 3,5% do PIB de déficit (nas contas públicas). Logo, entre 40% e 41% de tudo que se produz no Brasil é consumido pela máquina pública - municípios, estados e União. Além disso, muitos serviços ainda são prestados pelos empresários. Paga-se por algo que não se tem. Haverá uma redução da carga tributária quando tivermos uma redução do gasto público.
 
E há esforços para gastar menos?
 
Temos aí o Gerdau (empresário Jorge Gerdau, presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade), que, junto com consultorias importantes como o INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial) e o Movimento Brasil Competitivo, está ajudando o governo a melhorar a eficiência da máquina pública em diversas áreas como educação e saúde, que são setores que têm um custo muito elevado, talvez pela própria atividade. Uso o exemplo da minha empresa: se eu levar alguém de fora lá, certamente essa pessoa vai achar muitas formas de reduzir custos que eu, que estou lá dentro, não estou vendo. Quando você está dentro, é mais difícil ver.
 
Quando converso com governadores - aqueles eficientes, que têm fama justificada de serem bons gestores, bons administradores - eles me dizem: "Eu tenho comprometimento de gastos com educação e com saúde, tenho uma legislação relativa à Polícia Militar que não posso mexer, não posso demitir, não posso reduzir salários". A única coisa que eles podem fazer é não investir, justamente o que nós precisamos. Dizemos: "Governador, o imposto aqui está muito alto." E a resposta é: "Eu não posso mexer". Porque o custo de energia é tão alto? Cinquenta por cento dos custos de energia são impostos e, desses 50%, mais da metade, é imposto estadual. E qualquer governador dirá: "Eu discuto aqui qualquer imposto, mesmo que seja sobre vestuário, pão, calçados. Mas sobre combustível, energia e telecomunicação, eu não converso".
 
Qual o efeito para a indústria da taxa de juro de curto prazo, que agora ameaça subir além dos dois dígitos?
 
O impacto é muito negativo: diminui o consumo, reduzem-se os investimentos, porque o custo do dinheiro para investir fica mais caro. Do ponto de visa do desenvolvimento da economia, é um prejuízo muito grande. Quando comparamos os juros do Brasil com os do mundo, estamos na direção oposta. No mundo inteiro, a tendência é o juro diminuir. Tivemos uma valorização do dólar, que facilitava as exportações e reduzia as importações, e agora nós estamos indo no caminho contrário.
 
A falta de rigor do governo com os gastos públicos estaria forçando o Banco Central a elevar os juros? O governo está descuidando do tripé econômico (superávit fiscal robusto, câmbio flutuante e metas para a inflação)?
 
Não, o governo não está descuidando não. As coisas são muito complexas. O governo tem que cuidar do crescimento do país, mas para fazer isso, tem que abrir a torneira de um lado, fechar do outro, fazer alguma concessão. Para alguns analistas a solução é fechar tudo, manter a inflação lá embaixo. Se a decisão for não ter crescimento, não ter empréstimos, assegurar o superávit primário, também não haverá desenvolvimento. Então, o que a sociedade quer? Não estou defendendo o governo federal. Isso ocorre em qualquer governo.
 
Mas o governo federal não parece estar segurando os gastos.
 
O administrador tem que estabelecer prioridades, e nas prioridades, definir o que segurar e o que soltar. E é preciso conviver com os movimentos sociais. Temos as ONGs, a imprensa, os índios que não deixam construir uma usina em Belo Monte, e é preciso reduzir a capacidade da usina para atendê-los. Eu, por exemplo, escuto aqui da minha janela (referindo-se à sede da CNI em Brasília) a música "Índia" cantada pelo Movimento Sem Terra, em frente ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, no edifício vizinho à CNI em Brasília). E é a versão cantada pelo Tiririca! Eu já não aguento mais, meu pessoal já não aguenta mais (risos). O governo vai fazer um leilão dos aeroportos de Confins e do Galeão, tem que mandar primeiro para o TCU. O Tribunal deveria verificar as contas depois. O governo é que tem que ser responsável e fazer a coisa bem feita. É papel do TCU examinar o edital? Mas há avanços, eu estou confiante.
 
Que avanços?
 
Hoje, se investe muito mais em tecnologia e inovação que há alguns anos. Agora, avançamos muito menos do que gostaríamos. Queríamos que as coisas fossem mais rápidas, mas há entraves próprios do sistema. Foi votado há duas semanas no Senado um projeto do senador Fernando Collor (PTB-AL) propondo que as empresas paguem integralmente as despesas de transporte dos funcionários. Hoje, por lei, o empresário deve pagar o valor que extrapolar o equivalente a 6% do salário do funcionário. Isso é um absurdo, aumentará o custo brasileiro. O que motivou isso? Eu não vi nenhuma demanda de trabalhadores para isso. Pode ser que se esteja atendendo ao setor de transporte: é mais fácil o setor de transporte vender para mim (empresário) do que vender para o funcionário. Um senador que foi presidente da República, responsável pela abertura comercial do país, por colocar na agenda do país a questão da concorrência... ele chamava os carros de carroça... agora propõe um retrocesso.
 
Como o senhor está vendo o cenário eleitoral?
 
Acho que vamos ter muitas emoções, mas, pelas nossas pesquisas, a presidenta Dilma Rousseff ainda é favorita. Claro, há nomes fortes como Eduardo Campos, Marina Silva, Aécio Neves, José Serra. É preciso ver quem serão os candidatos, mas avalio que o governo está muito bem posicionado. Nossas pesquisas mostram que o governo está com uma confiança grande da população, o nível de desemprego está muito baixo, o Brasil tem bons programas sociais.
 
Na sua visão o país tem melhorado mesmo em áreas críticas como saúde e educação. Diante disso, qual a explicação para essas manifestações populares nas ruas?
 
Eu acho quehá uma insatisfação principalmente com os serviços públicos. Eu vi reclamações com relação a transporte público, saúde. Os gastos com os estádios foram também um dos motivos. As pessoas veem o que se gastou com estádios e o que se gasta com saúde, com transporte público. Há o problema da corrupção, para o qual a sociedade está cobrando uma solução. Eu não saberia dizer se a corrupção aumentou ou diminuiu, mas certamente ela ficou mais visível - e nisso a mídia tem um papel fundamental, pois à medida que há mais divulgação, o cidadão se torna mais consciente, mais observador e mais cobrador.
 
Na ponta da corrupção, quem paga é o empresário. Se não pagasse...
 
Na corrupção há os dois lados, do administrador público e do empresário. Não existe isso de alguém dizer: "Eu fiz porque me obrigaram". A legislação tem que penalizar os dois.
 
Mas não há casos em que os empresários entram em conluio em torno de uma licitação?
 
Temos que fazer uma mudança na Lei 8.666 (lei de 1993 que rege as licitações de obras e compras públicas). Ela foi importante nos anos 90,mashoje, de certa forma, induz esse tipo de coisa. Há muitas possibilidades de recursos e uma licitação que poderia ser feita em quatro meses acaba consumindo dois, três anos. São tantos os recursos que até o comprador, àsvezes, é obrigado a cancelar o processo. Isso pode induzir a acordos no mercado para fazer com que o negócio saia. E aí, pode haver interesses tanto dos empresários quanto de administradores. A responsabilidade é dos dois lados. A única forma de combater a corrupção é dando divulgação, transparência e tendo leis que realmente sejam punitivas.
 

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