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A logística piorou?

Fonte: Agência T1 / José Augusto Valente (*)

 
Artigo da jornalista Míriam Leitão, publicado no site Globo.com em 12/10/2013, com o título “A logística piorou”, baseia-se em documento do Instituto Ilos, o qual infelizmente não consegui ter acesso na internet.
 
Assim, minha crítica não será aos resultados ou aos métodos utilizados na sua elaboração. Este comentário será baseado no que está afirmado ou nos juízos presentes no artigo da jornalista. Futuramente, quando tiver acesso ao documento do Ilos poderei fazer a crítica metodológica, como venho fazendo com a Pesquisa Rodoviária da CNT.
 
Apresento, inicialmente, o pano de fundo para os comentários pontuais que virão mais à frente.
 
A partir de 2002, a corrente de comércio exterior quase quintuplicou, passando de cerca de US$ 100 bilhões em 2002 para cerca de US$ 465 bilhões em 2012. Além disso, no período 2009/2010, o Brasil teve um dos maiores crescimentos no comércio exterior, entre os países desenvolvidos e dos BRICS, sendo 32% nas exportações – mesmo patamar de China, India, Japão e Rússia – e 43% nas importações – maior que esses quatro, o dobro dos EUA e Canadá e o triplo da Alemanha. No período 2010/2011, foi mantido um ritmo forte de crescimento, a despeito do aprofundamento da crise financeira e econômica mundial, com bons resultados comparativos com os países desenvolvidos e dos BRICS.
 
Essas cargas chegaram aos portos, em sua quase totalidade, por meio de caminhões e trens. Se houve esse elevado crescimento, em apenas dez anos, significa que as exportações e importações fluíram e tiveram custos logísticos adequados para se tornarem competitivos e atraentes, ainda que possam ser menores, no futuro.
 
Dito isso, passemos às críticas pontuais. Um dos principais erros cometidos por análises da logística brasileira reside em acreditar que somente investimentos em obras de infraestrutura permitem aumento da eficiência e redução de custos logísticos. Nada mais errado! Medidas institucionais – há uma dezena delas nos PAC 1 e 2 – são tão ou mais importantes que os investimentos em obras.
 
O principal exemplo é o Reporto, instituído em dezembro de 2004 pelo Congresso Nacional, que suspende a cobrança do IPI, PIS/PASEP e COFINS e, quando for o caso, do Imposto de Importação, nas vendas de máquinas, equipamentos e outros bens aos terminais portuários.
 
Essa simples medida institucional permitiu a modernização dos terminais portuários brasileiros, especialmente os de contêineres. Esse é um dos principais motivos do acelerado crescimento do comércio exterior brasileiro, no que dependeu dos portos. Essa medida foi estendida para equipamentos ferroviários.
 
O referido texto afirma que o “custo logístico é alto”. Qual o fundamento desse juízo? Se dissesse “o custo logístico, apesar de competitivo, pode ser mais baixo” seria fácil de entender, pois a redução dos custos logísticos é algo que todos devem buscar de forma permanente. Entretanto, dizer que os custos aumentaram em relação ao PIB é algo que precisa ser demonstrado. Como foram apurados esses custos? Normalmente o método utilizado pelo Instituto Ilos é o de pesquisa entre os principais usuários brasileiros, o que não permite aferir todos os custos envolvidos. Logo, a afirmação “O aumento do custo supera R$ 100 bilhões para quem usa os serviços logísticos no Brasil” não tem como ser comprovada. Não há nenhum órgão credenciado de governo que calcule o custo logístico global. Eu afirmaria que nem mesmo custos setoriais. Esse valor deve ter sido inferido de alguma forma heterodoxa.
 
Ao contrário, não é crível que nosso comércio exterior esteja apresentando números expressivos de crescimento, se os custos estão elevados, embora isso possa ocorrer pontualmente. A logística da soja, por exemplo, teve seu custo de transporte por caminhões elevado, devido à nova legislação que não permite que o caminhoneiro dirija durante mais de vinte horas seguidas. Essa medida legal provocou, de fato, aumento no frete rodoviário.
 
A afirmação “A escolha do Brasil pelas rodovias é uma insensatez econômica: o custo de transporte rodoviário é cinco vezes maior do que o ferroviário” não se sustenta na realidade brasileira e não pode ser comparada com a de outros países. Ao contrário do que muitos pensam, o frete cobrado pelos caminhoneiros brasileiros é que se aproximou do valor do frete ferroviário. Os motivos: elevada oferta de caminhões, que trafegam com excesso de carga por eixo por longos períodos de direção e baixo poder de barganha dos caminhoneiros em relação aos embarcadores de soja.
 
Se o frete ferroviário fosse muito mais baixo do que o rodoviário, como explicar que o segundo maior produtor de soja, o oeste do Paraná, escoa quase toda a sua produção por caminhões, quando tem ligação ferroviária que liga essa região (Cascavel) aos portos de Paranaguá e São Francisco do Sul?
 
Finalmente, para não cansar os leitores e leitoras, há no texto um discurso de panfleto de oposição – que não tem combina com uma pesquisa que se pretende científica – como a afirmação: “Em 2003, o governo Lula lançou o Plano de Revitalização de Ferrovias. Depois, vieram PAC 1 e PAC 2. No ano passado, a presidente Dilma anunciou o Plano de Investimento em Logística. Nada deu resultado.”
 
Como já mostramos anteriormente, os investimentos e medidas institucionais – como o Reporto – vêm permitindo resultados expressivos no comércio exterior brasileiro e no crescimento da nossa economia. Logo, está dando resultado!
 
Ainda assim, os investimentos em andamento e previstos para ferrovias só poderão gerar resultados no longo prazo. Isso porque antes do então presidente Lula ter lançado, em 2003, o Plano de Revitalização de Ferrovias, nenhum processo de retomada do ferroviário foi iniciado. Como todos sabem, esses projetos são de longa maturação e execução.
 
A finalização do texto não se sustenta também: “Como todos sabem — e sentem — pessoas e mercadorias estão engarrafadas, perdendo tempo, dinheiro e produtividade nos gargalos logísticos do Brasil”.
 
O texto inicia e conclui falando sobre a campanha de Dilma – em 2010 e agora em 2014 – demonstrando o caráter panfletário do artigo. Mas, além das generalizações sem fundamentação, a presidenta Dilma é responsável por “pessoas engarrafadas”? Além disso, onde estão as mercadorias engarrafadas?
 
Onde está escrito que há pessoas e mercadorias engarrafadas? No Plano Nacional de Logística Portuária? Em algum estudo sério, como os realizados pelo BNDES, sobre portos e aeroportos? No Plano Nacional de Logística e Transportes, que coordenei em 2006, atualizado em 2010, que abrange todos os modais?



 

(*) José Augusto Valente é Diretor Executivo do Portal T1 de logística e transportes
 
 

 


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