Artigos e Entrevistas

‘A questão do pleno emprego é discutível’, diz Laís W. Abramo, diretora da OIT no Brasil

Fonte: O Globo



Socióloga, mestre e doutora pela USP, Laís W. Abramo dirige o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 2006. Reconhecendo que as taxas de desemprego do país hoje remetem ao que a literatura chama de pleno emprego, ela adverte que esses indicadores representam médias e que há segmentos em situação desigual, como mulheres e jovens. Laís observa que a máquina continuará substituindo o homem, mas cita a melhor condição do mercado brasileiro na última década para afirmar que estratégias de desenvolvimento mostraram estar errada a visão de que o desemprego era inexorável. Que áreas abrirão mais vagas em dez a 20 anos? Engenharias, saúde, educação e ciências humanas.
 
Se estivesse começando sua carreira hoje, em que área atuaria?
 
Continuaria na área social. Porque, temos que pensar nas condições de mercado de trabalho, sem dúvida, mas também no que tem a ver com a gente, com o que a gente gostaria de fazer. Não adianta ter um trabalho bem remunerado no qual você se sinta frustrada. Por isso, continuaria apostando na área social.
 
E se fosse algo fora da sua área?
 
Talvez fizesse algo na área de sustentabilidade e economia ambiental, por exemplo, um setor que me parece muito interessante.
 
Qual a maior transformação que as tecnologias trouxeram para o mercado de trabalho?
 
A internet, sem dúvida. Ela nos deu acesso a tanta informação, tão rapidamente, que se tornou instrumento cotidiano de trabalho. Além disso, há pouco mais de 20 anos, houve toda uma discussão sobre a automação e os efeitos que o avanço da tecnologia produziria. Havia a ideia, não apenas no Brasil, mas em outros países, de que o desemprego e a precarização seriam inevitáveis diante das novas tecnologias. Havia uma visão mais otimista, de que isso diminuiria o trabalho manual e repetitivo, e essa visão mais pessimista, que associava desemprego estrutural a novas tecnologias e à globalização.
 
E isso não ocorreu?
 
Uma fábrica de automóveis tem hoje muito menos trabalhador por produto do que há 20 anos. Mas a inexorabilidade do desemprego e da precarização se mostrou errada. Nos últimos dez anos, o que vimos foi um processo de redução do desemprego e da precarização e o aumento da oferta de vagas. Era uma visão muito determinista, como se não dependesse das políticas e das estratégias que um país pudesse adotar.
 
A substituição da mão de obra por tecnologia acabou ou vai continuar?
 
Podemos prever que continuará havendo substituição, sim, em função do avanço científico-tecnológico, que tem um lado muito positivo. Permite que formas de trabalho mais perigosas, com mais riscos para a saúde, sejam substituídas por máquinas. Mas não se pode ter uma visão apenas cientificista ou tecnologicista: é importante pensar nos impactos sociais e ambientais.
 
De que maneira?
 
Os empregos verdes têm uma grande tarefa, que é possibilitar a transição para uma economia de baixo carbono, eliminando certas atividades produtivas. Mas isso não precisa gerar desemprego: podem ser desenvolvidas atividades mais amigáveis, que possam criar emprego. Para isso, é preciso haver planejamento e requalificação do trabalhador. O corte manual da cana, por exemplo, é trabalho muito penoso. A máquina que substitui 80 a 100 pessoas pode gerar desemprego. Não, se houver uma política e estratégia de requalificação, que as realoque em outras atividades.
 
Que áreas devem gerar empregos nos próximos dez a 20 anos?
 
Certamente as engenharias, porque temos um novo ciclo de expansão. Por muito tempo, da década de 90 ao início dos 2000, investiu-se muito pouco em infraestrutura. Hoje, mesmo em ritmo menor, tudo indica que a área continuará crescendo. Tanto a engenharia para obras de infraestrutura, como de saneamento e habitação. Além delas, há toda a área das tecnologias sociais, com o trabalho de instituições da sociedade civil em parceria com as políticas públicas. E isso, idealmente, deve ser acompanhado pela gestão pública. Aí, sociólogos, economistas e psicólogos têm papel muito importante. Nas áreas de saúde e educação, o Brasil ainda necessita de muita mão de obra qualificada. Em razão da reduzida taxa de médicos/habitante, é um grande campo para crescer. E é importante que tudo seja equilibrado, tanto em termos de formação, como nos locais geográficos onde exercer essas profissões.
 
Em que sentido?
 
Os indicadores de trabalho decente da OIT de 2012 mostram que a diminuição do desemprego e a melhoria de outros índices foram mais intensas em áreas do país onde as carências eram maiores. Isso é muito positivo, mas ainda há muita desigualdade.
 
O Brasil vive mesmo uma era de pleno emprego?
 
As taxas de desemprego estão realmente muito baixas. Estamos com menos de 6%, segundo a Pnad do IBGE: elas se aproximam do que a literatura chama de pleno emprego. Mas a questão do pleno emprego é discutível, porque uma coisa são as médias. Outra coisa é olhar para as mulheres, que têm taxa de desemprego mais alta, as mulheres negras ainda mais; para o desemprego entre os jovens, o triplo dos adultos. Em certas regiões do país, é ainda mais grave. Claro que temos que saudar a queda do desemprego, é fator fundamental na redução da pobreza, mas certos segmentos da sociedade merecem atenção especial.
 
E ainda faltam muitas?
 
Não é só questão de quantidade de postos de trabalho, mas da qualidade deles. A proporção de jovens que não estudam e não trabalham, segundo a Pnad 2011, era de 19%. Ou seja: quase um a cada cinco jovens de 15 a 24 anos, nem estudavam e nem trabalhavam. Se restringirmos por sexo, o número cai a 12,7% para homens e sobe a 25,5% para jovens mulheres, ou seja, uma de cada quatro. Entre as jovens negras, a taxa é quase de 30%.
 
As hierarquias organizacionais tendem a ser eliminadas?
 
No âmbito das empresas, noto que essa tem sido a nova modalidade de funcionamento, inclusive com uma crítica ao taylorismo e ao fordismo. Muitas empresas têm instituído mais o trabalho em equipe, a rotação de tarefas, mas a maioria das organizações ainda tem estruturas bastante hierarquizadas. Mas sem dúvida uma política de RH deve valorizar esse tipo de capacidade das pessoas: não é só o conhecimento técnico-científico específico, mas as inteligências emocionais. Uma empresa inteligente certamente investirá muito nisso. O trabalho decente é algo que tem a ver com os direitos dos trabalhadores, mas também é algo que pode ser muito útil para melhorar a produtividade das empresas. O profissional trabalhará mais satisfeito, com mais condições de entregar.
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe