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Procedimento para exploração de portos privados é legal

Fonte: ConJur / Henrique Galkowicz (*)

 
Recentemente, o Congresso foi palco de um acalorado debate acerca do novo regime jurídico dos portos nacionais. Entre a publicação da Medida Provisória 595, em 6 de setembro de 2012, e sua conversão na Lei 12.815, em 5 de junho de 2013, muito se discutiu sobre a adequação política e econômica das inovações trazidas. Mas não só. Também a constitucionalidade de alguns de seus dispositivos foi questionada. Nesse sentido, um dos pontos de maior controvérsia referia-se ao procedimento desenhado como etapa preliminar às autorizações para exploração dos portos privados.
 
No escopo de reestruturar e modernizar o sistema portuário brasileiro, sabidamente um dos maiores gargalos de nossa infraestrutura, o governo federal elaborou e apoiou a aprovação de uma lei que, dentre diversas alterações, promoveu uma segunda etapa de “privatização” dos portos nacionais. Se no começo da década de 90 tornou-se possível, com a promulgação da Lei 8.630 (de 25 de fevereiro de 1993), a concessão do serviço de exploração dos portos públicos aos agentes econômicos privados, concessão esta regulada por meio de contratos firmados entre o poder público e a empresa sagrada vitoriosa em licitação prévia, em 2013 tornou-se possível a a exploração de portos com natureza jurídica privada, para isso bastando uma autorização do ente público detentor do poder regulatório (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).
 
Para obter a citada autorização, o interessado não precisa se submeter aos procedimentos licitatórios previstos nas Leis 8.666/93, 8.987/95 e 11.079/04 , como ocorre na concessão dos portos públicos. Entretanto, o mero pedido de autorização também não é suficiente, havendo um procedimento prévio para a obtenção desta autorização. Tal procedimento engloba as seguintes etapas: (i) requerimento de autorização pelo interessado à Antaq; (ii) publicação do extrato do requerimento, inclusive via internet; (iii) abertura de processo de anúncio público, com prazo de 30 (trinta) dias, para identificar a existência de outros interessados na obtenção de autorização de instalação portuária na mesma região e com características semelhantes; (iv) caso haja determinação do poder concedente à Antaq, será aberto processo de chamada pública para identificar a existência de interessados na obtenção de autorização de instalação portuária; (v) por fim, havendo mais de uma proposta e impedimento locacional que inviabilize sua implantação de maneira concomitante, a Antaq deverá promover processo seletivo público para selecionar o candidato mais apto, que ao final estabelecerá um contrato de adesão com o órgão regulador (Antaq).
 
Nesse contexto, a questão que se coloca é: o procedimento previsto na Lei 12.815/13, para embasar as autorizações de portos privados, é constitucional? A resposta deve passar por duas cogitações.
 
Em primeiro lugar, é preciso saber se a exploração de portos privados é um serviço público. Se a resposta for negativa, chega-se à conclusão de que, não sendo necessária uma licitação prévia, o procedimento é compatível com a Constituição, visto que a autorização estaria fundada no poder de polícia sobre as atividades privadas, e não na transferência da prestação de serviço pública, que exige licitação. Por outro lado, caso a resposta seja afirmativa, será preciso avaliar se o procedimento descrito na lei pode ser considerado uma “licitação”. Neste ponto, sobressai a controvérsia sobre o conceito constitucional de licitação: afinal, licitação é todo e qualquer procedimento instaurado previamente à formalização de um ajuste entre agentes privados e públicos, portanto englobando “processos seletivos” dos mais variados matizes, ou licitação tem um sentido mais estrito, referindo-se apenas aos processos legalmente designados “licitação”?
 
Tanto por uma perspectiva, quanto por outra, chega-se à conclusão de que o procedimento previsto na Lei 12.815 é compatível com a Constituição.
 
No que tange ao primeiro aspecto, deve-se observar que a exploração dos portos brasileiros deixou de configurar, exclusivamente, um serviço público, para se transformar numa atividade que admite tanto uma exploração fundada no regime público (exploração direta pelo Estado ou por agente privados concessionários), quanto uma exploração fundada na livre concorrência (empresas privadas detentoras de autorização do órgão regulador).
 
No que se refere ao segundo aspecto, é de se notar que o procedimento previsto na Lei 12.815/13, em especial o “processo seletivo” instaurado quando há mais de um interessado pela mesma área, enquadra-se no conceito amplo de licitação, ao menos em relação a seus elementos essenciais (procedimento administrativo unilateral, discricionário e destinado à seleção de um contratante da Administração Pública). A diferença fica por conta da postura da administração pública, passiva no âmbito da Lei 12.815/13 (por se resignar a receber e analisar os pedidos de autorização, instalando processo seletivo em caso de pluralidade de interessados), e propositiva no campo dos tradicionais mecanismos de licitação, tendo em vista que, nestes casos, é a Administração Pública que se dirige ao mercado em busca de um prestador de serviços.
 
Nesse sentido, conclui-se que a exploração dos serviços portuários, por ter deixado de configurar um setor de exploração exclusivamente estatal, não requer a aplicação dos tradicionais mecanismos de licitação como procedimento competitivo prévio à autorização. Porém, ainda que a exploração de portos seja considerada um serviço público, não é de se descartar, por inconstitucionalidade, o procedimento previsto na Lei 12.815. Isso porque este procedimento, apesar de não seguir as diretrizes da Lei 8.666/93, atende aos parâmetros constitucionais da licitação, visto que assegura a igualdade de condições a todos os concorrentes e garante o cumprimento das exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis, requisitos estes que têm amplas condições de serem preservados no transcorrer do procedimento previsto na Lei 12.815.



 

(*) Henrique Galkowicz é advogado e sócio do Frullani, Galkowicz & Mantoan Advogados
 

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