Artigos e Entrevistas

O pit bull de passeata

Fonte: Revista Piauí / Renato Terra (*)



Fiz uma versão maneiríssima da musiquinha “Eu sou baderneiro/ com muito orgulho/ com muito amor” com batida eletrônica
 
Antes de mais nada, quero deixar claro que não tenho esse papo de ideologia política. Quando chego nas paradas de manifestação e protesto, enfio a mão esquerda em barbudinho radical e finalizo coxinhas nervosinhos com um cruzado de mão direita. Sou democrático.
 
Isso não impede que eu esteja sempre antenado nas demandas dos jovens brasileiros. Tenho uma puta consciência. Primeiro, veio a tendência globalizada das músicas gringas nas boates, e eu lá no agito. Depois, a anarquia das micaretas, muita mulherada e cerveja gelada. Aí veio o conservadorismo das quintas-feiras com música sertaneja, e depois o hedonismo meio babaca das raves. Agora o que está bombando são as passeatas. Depois dizem que a juventude é acomodada, parceiro. Estamos sempre ligados nesses lances.
 
O maneiro é que todos esses eventos acontecem exatamente da mesma maneira: a mulherada pira e a testosterona ferve. Eu, enquanto macho alfa, saio esbarrando na galera à caça das gatinhas ou de uma encrenca. Não necessariamente nessa ordem. Meus heróis morreram de overdose – de anabolizantes – e meus inimigos vão sentir o poder do meu punho fechado.
 
Atravessei a juventude sempre lendo os códigos exigidos para cada ocasião. Se antes vestia camisa polo, chapéu de vaqueiro ou abadá, agora saio de subversivo, escondendo o rosto com a camisa. A mulherada, aliás, tem até olhado mais para mim. As mina pira nos subversivos. Beijei muito uma loura do PCR, que gritava “Revolução, revolução, vem pro meu partido!”. Uma militante do PCO deu mole pra mim, mas não me amarrei na estampa da criatura. Cabeluda demais nos lugares errados. A esquerda costuma ser peluda demais.
 
Semana passada, fiz um cercadinho na concentração da avenida Rio Branco e cobrei 15 reais de consumação mínima. Uns camaradas do PSOL chegaram com um papo de centavos e eu deitei dois logo de cara. Comuna pé de chinelo não dá. A gente não quer só centavos. Por que não uns dólares? O ingresso no meu quadrado era uma camiseta da Brahma com uma estampa do Che Guevara, filho do Fidel. Ficou irado. A partir de meia-noite, tinha coquetel molotov e uísque com energético à vontade.
 
Fiquei tão amarradão que fiz até uns cartazes no pré-night aqui em casa: “É catraca livre ou roleta-russa” e “Abaixo o sarrafo”. Fiz uns molotov com as garrafas de Absolut que sobraram.
 
O foda é que um comuna do PSTU resolveu desafiar minha livre-iniciativa e arranquei a barba dele na unha. Devia era ter tirado com uma foiçada de direita e uma martelada de esquerda. Para minha surpresa, a galera começou a gritar “Sem partido!”, “Sem partido!”. Para contrabalançar, sapequei uma rasteira num engomadinho que pedia o impeachment da Dilma. O cara queria golpe. Não precisou pedir duas vezes. Já disse que meu movimento de punho é apartidário.
 
Ainda fiz uma versão maneiríssima da musiquinha “Eu sou baderneiro/ com muito orgulho/ com muito amor” com batida eletrônica. Vandalizei nas carrapetas. No fim da noite a coisa ficou embaçada, só sei que estava na esquina da avenida Paulista com a rua Uruguaiana. Fiquei em dúvida se era Rio ou Sampa. O bagulho ficou louco. Fiquei alienado. No dia seguinte já amanheci com uma dor de consciência política de rachar. Tive que tomar três Cefalives.
 
Talvez alguns invejosos com meu sucesso, uns afetadinhos sem testosterona, tentem abafar meus ventos viris de mudança. Mal sabem eles que aprendi a aplicar estrangulamentos no padrão Fifa. Um desses camaradas me viu quebrando uma vitrine e me jogou um xaveco. Disse que eu não tinha consciência, que eu era um contrarrevolucionário. Enfiei logo um perfume Jequiti no olho dele. Vai derrubar a Bastilha, mané! Se não fosse o sargento do Bope me botar pra dormir com uma bala de borracha na testa, eu detonava o cara.
 
Confesso que tenho predileção em mirar minha energia revolucionária naqueles camaradas brancos que ficam mugindo “Sem violência”, “Sem violência”. Não quer violência, vai pra Disney! Tá com medo? Chama o papai! Devem ser vegetarianos, ecochatos. São do tipo inofensivos, criados pela avó. Com esses, eu faço strike.
 
Fico também atento a situações que despertam meu interesse. Quando pego um hippie de butique oferecendo uma flor para um policial, o sapeca-iá-iá-na-fuça vai com gosto. O que mais me irritou esta semana foi um cara dizendo que era da Terceira Internacional dando porrada num que era da Quarta. Que babado é esse? Eu sou Grêmio, o cara me vem com Internacional? Tá maluco? E não é que chegou um bando com bandeiras vermelhas com uma estrela branca? Ah, meu irmão, deve ser a organizada independente. Desci o porrete. Me chamaram de fascista. São uns bananas. Porrada faz parte, pô. Malandros mesmo são aqueles carecas que pintaram com canivete e corrente. A barra pesou, atropelei uns três. Me chamaram de comunista. Que papo mais mariola. Eu sou é democrata! Dei neles e nos inimigos deles, os moicanos. Esses são de esquerda, mas não aguentam o tranco. Tudo florzinha. Tiranizei de mão aberta. Vão quebrar banca de jornal, bando de trouxas!
 
A coisa foi nessa base a semana toda. Me amarrei na exibição de músculos da democracia brasileira. Queria nocautear uns deputados, uns vereadores, meia dúzia de senadores, mas não rolou. Os caras não pintaram na área. Mas confesso que estou cansado. Bater nesses pés de pano me deu até distensão muscular. Meu bíceps está um caco, véio.
 
 

 

(*) Renato Terra, jornalista
 

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