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A proposta da CNI para a modernização trabalhista

Fonte: Correio Braziliense / Carlos Pessoa (*)
 
 
Anos de militância no campo das relações de trabalho em todo o território nacional permitiram constatar que as entidades representativas dos empregadores sempre tiveram postura reativa, enquanto as entidades dos trabalhadores eram mais propositivas. O empregador, quase sempre, se limitava a dizer não a um projeto em tramitação no parlamento. Os empresários não apresentavam projetos ou ideias relativas às relações de trabalho porque não sabiam aonde queriam chegar. E quem não sabe aonde chegar vai chegar aonde não quer.
 
Por isso, é bem-vinda a proposta da CNI intitulada "101 propostas para modernização trabalhista". Chega com atraso, mas mesmo assim em boa hora, pois coloca o pensamento da indústria e talvez até o empresarial em discussão, mostrando à sociedade que o setor já tem projeto e sabe aonde quer chegar.
 
A iniciativa tem visão moderna e adequada ao Brasil de hoje. Coincidentemente, em 2009, como vice-presidente de Relações de Trabalho da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) nacional, sob a liderança do então presidente Ralph Chelotti, apresentei proposta e participei ativamente dos debates que definiram o posicionamento da entidade em relação aos projetos que tramitavam no Congresso Nacional, na área trabalhista, e firmamos entendimento idêntico ao apresentado pela CNI nos seguintes temas:
 
1. Trabalho noturno — fixação do percentual de 37,14%, extinguindo-se a hora reduzida; 2. Terceirização — fim da dicotomia de atividades meio e atividades fim, com garantias aos trabalhadores terceirizados; 3. Fracionamento das férias — usufruto em até três períodos; 4. Seguro de vida — como substituto ao de adicional de periculosidade; 5. Investimento em formação profissional — com incentivos fiscais para as empresas que investissem em educação corporativa; e 6. Adequação do ponto eletrônico.
 
Também foi abordada a substituição do adicional pecuniário de insalubridade pela redução de jornada em percentual igual, justificando que, aí sim, a jornada poderia ser menor, porque reduziria a exposição ao risco — diferentemente de outras atividades, como telefonistas, médicos, advogados etc. que conseguiram redução da jornada sem nenhuma causa relacionada à saúde — e o dinheiro não reduz o risco!
 
Li e reli o trabalho apresentado pela CNI e confesso que fiquei surpreso e contente. Surpreso, pela coragem de inovar que a confederação mostrou ao assumir posições firmes, mas sem o ranço de um conservadorismo ultrapassado. A proposta contém pontos que atendem a classe empresarial sem descuidar do bem-estar dos trabalhadores.
 
A jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de folga aparece na proposta da CNI com a informação de que a jornada média semanal ficaria em 44 horas. Na verdade, a jornada média, nesse sistema de trabalho, fica em 42 horas semanais. Portanto, menor do que a jornada normal para os demais trabalhadores, o que é mais um ponto positivo.
 
Quando fala da hora in itinere, a proposta deveria contemplar que, nos casos em que o pagamento fosse devido, dever-se-ia iniciar a contagem após determinado tempo (encontrando-se um tempo médio) de deslocamento que o empregado teria se trabalhasse no perímetro urbano, onde há transporte coletivo. Ninguém, principalmente nos centros urbanos, começa a receber salários assim que põe o pé fora da porta.
 
Também a sistemática de pagamento das horas extras poderia ter sido inserida na proposta de modernização trabalhista da CNI. Atualmente, o pagamento das horas extraordinárias tem custo adicional embutido e não dimensionado no momento da sua realização: repercussões no repouso semanal remunerado, nas férias, no 13º salário e no aviso prévio.
 
Significa dizer que a repercussão desses valores poderá ocorrer muito tempo depois. Basta verificarmos a incidência nas férias, as quais podem ser usufruídas pelo empregado até 23 meses depois de iniciado o período aquisitivo. A média de horas extras para esse caso leva em conta o período aquisitivo. Não se cogita de retirar nenhum direito, mas a legislação poderia prever um percentual que englobasse tudo isso e o assunto ficaria liquidado. As empresas fariam a conta e somente escalariam o trabalhador para trabalhos extras se a conta compensasse. Alguns empregadores pensam que o percentual mínimo de horas extras é de 50%, mas, ao fazer a nova conta com as repercussões, o mínimo passa para 95%.
 
Outro aspecto que poderia ser contemplado é a contrapartida para as empresas empregadoras dos dirigentes sindicais eleitos. Hoje, em casos de greves, essas empresas são as primeiras a serem paradas por piquetes, muitas vezes violentos. Assim como os dirigentes sindicais têm estabilidade, salvo nos casos de falta greve, as empresas que os emprega deveriam estar protegidas contra as greves, salvo nos casos de descumprimento de leis ou de instrumentos normativos. Seria uma igualdade justa.
 

Seria difícil a aprovação dessa ideia, mas devemos considerar que elas representam um norte para todos que militam na área de relações do trabalho e que muitas vezes pensam de forma semelhante, mas acham que pensam só.
 



(*) Carlos Pessoa
Consultor na área de relações do trabalho

 

 


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