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Rei da Holanda quer nova lei dos portos para quebrar a “reserva de mercado” em Roterdã

Fonte: Agência T1 / José Augusto Valente (*)
 
 
Alguém consegue imaginar uma manchete dessas? O governo holandês querendo mudar a lei dos portos daquele país – que é igual a que foi revogada aqui pela MP-595 – por entender que os dois terminais privados que operam o porto de Roterdã têm uma “reserva de mercado”, que é ruim para o interesse nacional? O que lá seria impossível porque eles entendem de portos e sabem que a chave do sucesso é a concentração e não a competição entre terminais, conceito internacionalmente conhecido não aplicável à atividade portuária.
 
Pois bem, a Ministra-chefe da Casa Civil, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, disse que um dos objetivos da MP-595 é quebrar a “reserva de mercado” do maior operador portuário da América do Sul, a Santos Brasil.
 
Além do argumento completamente despropositado da “reserva de mercado” – que não se sustenta na Holanda, na Alemanha, na França ou na China – a ministra utiliza como alvo o Daniel Dantas, acionista majoritário da Santos Brasil, como se ele fosse o único dono da empresa. Esquece que há muitos outros investidores brasileiros e estrangeiros que acreditaram no potencial da empresa e têm lá muito dinheiro aplicado.
 
Na entrevista à Folha, a ministra Gleisi mistura quantidades de granéis e carga geral para mostrar que a capacidade dos portos públicos irá estourar em 2015, daí a necessidade de abrir as portas para os terminais privados movimentarem cargas de terceiros. O que ela não revelou é que há vários projetos de expansão dos terminais de contêineres e de granéis aguardando decisão do governo de leva-los adiante, o que garantiria o atendimento da demanda prevista até 2021. Basta o governo querer e esses projetos se viabilizam imediatamente. Ao contrário, os futuros terminais privados levariam cerca de dez anos, do pedido de autorização até a entrada em funcionamento.
 
Afirma ela que quem está estabelecido no porto público quer manter o seu mercado e não quer concorrência. Mas a MP-595 propõe justamente o oposto: são os terminais privados que ganharão seus terminais de mão beijada, sem concorrência, sem licitação! Há terminais de uso privado, em implantação, que terão investido muito menos que a Santos Brasil, e outros operadores de contêineres, e ganharão a possibilidade de movimentar carga de terceiros sem pagamento de outorga, com contrato eterno, podendo contratar trabalhadores de forma menos onerosa do que os terminais privados do porto de Santos, entre outras vantagens. Que concorrência é essa?
 
Como dissemos num dos primeiros artigos sobre esta MP, há o risco de que, daqui a cinco/sete anos, as coisas mudem para pior, para os exportadores/importadores. Como, de fato, essa competição desigual desidratará o porto público – como parece querer a ministra Gleisi, ao dizer que quer quebrar a “reserva de mercado” do porto público – e como o usuário paga ao armador e não ao operador a respectiva taxa de movimentação no terminal, ele ficará nas mãos dos donos de navios de longo curso e grandes operadores internacionais. Desse modo, a MP-595, como o governo federal quer aprovar, corre o risco de entregar o comércio exterior brasileiro, de forma irreversível, aos armadores e grandes operadores internacionais.
 
Acredito que não há ninguém no governo fazendo uma avaliação isenta sobre isso. Mas no Congresso, sim.
 
Além disso, em lugar algum do mundo existe legislação portuária tão ultraliberal como essa que o governo quer aprovar a qualquer custo. Nem durante o período de Margaret Tatcher, na Inglaterra.
 
É por essas e outras que a MP corre o risco de caducar sem votação ou ver aprovada a emenda aglutinativa de alguns partidos!
 
 

 

(*) José Augusto Valente – Diretor Executivo da Agência T1 e TVT1  
 
 

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