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O aposentado não sabe a força que tem

Fonte: O Estado de Mato Grosso do Sul

Presidente do Sindnap defende organização de categoria que envolve 30 milhões de segurados do INSS
 
Em 15 de julho de 2000, culminando com um processo que envolveu viagem à Itália para conhecer o sindicalismo exercido pela parcela da população que já está aposentada, João Batista Inocentini participou da fundação do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados), o qual preside e que, nas suas palavras, “hoje é o maior sindicato do Brasil e da América Latina, com 600 mil filiados e presença em todos os Estados da Federação”. Em 2009, a entidade criada como ONG se tornou sindicato.
 
A intenção, como conta Inocentini em entrevista a O Estado, era garantir representatividade a uma categoria que, hoje, corresponde a 23,5 milhões de pessoas –o total de brasileiros com 60 anos ou mais, conforme números do censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ante 10,7 milhões em 1991 e que, conforme projeções do Instituto de Estudos de Saúde chegará a 39,2 milhões de pessoas em 2013, ou 19% da população naquele ano (quase um entre cada cinco brasileiros). O presidente do Sindnapi lembra, também, do peso econômico dos aposentados.
 
“Somos grandes consumidores, representamos 14% do PIB nacional. Somos cerca de 30 milhões de brasileiros segurados do INSS”, destacou. “O governo liberou, só em empréstimo consignado a aposentados, mais de R$ 80 milhões”, prosseguiu Inocentini, que veio ao Estado participar de plenária da representação regional da entidade –que planeja, em cinco anos, ter no Estado também sua cooperativa de crédito. Mas, para isso, espera a adesão da categoria.
 
Inocentini é velho conhecido do movimento sindical. Em 1972, fez parte da chapa da qual José Ferreira da Silva, o Frei Chico, disputaria o comando do Sindicato dos Metalúrgicos do Grande ABC –e da qual abdicou porque um colega de fábrica já havia se inscrito, sugerindo que o irmão que atuava em outra empresa, Luiz Inácio Lula da Silva, fosse candidato. Ao lado de Lula, o presidente do Sindnapi também foi um dos fundadores do PT e da CUT (Central Única dos Trabalhadores), dos quais saiu para auxiliar na criação da Força Sindical.
 
O Estado – Como nasceu sua luta sindical a favor dos aposentados?
 
João Batista Inocentini – Antes de o sindicato nascer, no ano 2000, fui metalúrgico, tendo trabalhado em várias fábricas da região do Grande ABC (as cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, e seus entornos), e aposentei-me da profissão na fábrica da Ford. Trabalhei durante muito tempo em São Bernardo. Em 1972, disputei na chapa de oposição à então situação do Sindicato dos Metalúrgicos do Grande ABC ao lado do Frei Chico, irmão do ex-presidente Lula, que foi eleito presidente do nosso sindicato.
 
O Estado – O sr. também teve atuação política nesse momento?
 
Inocentini – Sou um dos 11 fundadores do PT, na ata de fundação sou o número 88. Depois, participei diretamente da criação da CUT, mas, por divergência política, saí em meados de 1980 e participei da fundação da Força Sindical. Naquela época, se você saísse da CUT era obrigado a sair do PT, e acabei sendo expulso do partido. Mas isso tudo, e o trabalho em conjunto pelos metalúrgicos do ABC, fez com que eu tivesse certo trânsito com o presidente Lula, e acabei sendo um dos coordenadores de sua campanha contra o Collor, em 1989. Infelizmente não tivemos sucesso naquele ano, mas depois o Lula virou presidente. E nas horas difíceis do seu mandato, nós, do movimento sindical, estávamos dando todo o apoio necessário.
 
O Estado – Como foi o processo de criação do Sindnapi?
 
Inocentini – Em 1999 estivemos na Itália, e vimos a organização do maior sindicato do mundo, com 15 milhões de filiados, todos aposentados. E a força dele é tão grande que, antes de se candidatar a cargos públicos, a pessoa precisa sentar com o sindicato apresentando projetos que atendem aos aposentados. Essa experiência europeia acabou fazendo com que, em 2000, criássemos o sindicato no Brasil. O que acontecia antes era o seguinte: cada segmento da sociedade criava uma associação do seu setor, por exemplo, os aposentados do comércio, metalúrgicos, bancários etc. Então, em 15 de julho de 2000, reunimos mais de cinco mil aposentados em Praia Grande (SP) e criamos o que hoje é o maior sindicato do Brasil e da América Latina, com 600 mil filiados e presença em todos os Estados da Federação. 
 
O Estado – Quais são apontadas como as principais bandeiras e conquistas do Sindinapi?
 
Inocentini – Neste ano, trabalhamos para reorganizar e aumentar a força da instituição. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, são 300 mil aposentados e apenas mil filiados. Se chegarmos a 10%, serão 30 mil pessoas, tornando-se o maior sindicato do Estado, com muito mais força e representatividade. Nossa nefício. Antigamente, o aumento do benefício ocorria no meio do ano, e o dinheiro chegava consumido pela inflação do período, ou seja, o aumento não era capaz de garantir nada ao aposentado, já que a inflação comia todo o dinheiro. Você nunca conseguia repor o valor necessário. Hoje, o aumento de todos os aposentados é feito em 1º de janeiro, uma conquista do sindicato. E o benefício é recebido até o quinto dia útil do mês. Quem ganha um salário mínimo recebe até o quinto dia útil do mês.
 
Em fevereiro, por exemplo, no dia 23 a pessoa já começa a receber o seu benefício, o que aumenta o poder de compra e negociação do beneficiado. Para se ter uma ideia, para quem recebe apenas um saláriobase, a antecipação do recebimento garante por ano R$ 250 a mais por pessoa. Vale ressaltar que o sindicato já conquistou e pagou mais de R$ 30 bilhões em diversas ações. Em 2012, fizemos um acordo com a Previdência em cima do seguro-acidente, que vai garantir o pagamento de mais de R$ 14,9 bilhões para quase três milhões de pessoas com direito a esse atrasado (garantido a quem se aposentou por acidente ou ficou afastado a partir de 1999).
 
O Estado – Os idosos ganharam mais espaço na sociedade com a representação sindical?
 
Inocentini – Até o ano 2000, não se falava em idosos ou aposentados no país. Hoje, se fala e muito. Somos grandes consumidores, representamos 14% do PIB nacional. Somos cerca de 30 milhões de brasileiros segurados do INSS. O governo liberou, só em empréstimo consignado a aposentados, mais de R$ 80 milhões. O dinheiro que estava parado na Previdência, hoje, voltou para o mercado. Hoje somos reconhecidos pelo governo federal.
 
Lutamos muito durante o mandato do FHC (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), mas só ganhamos reconhecimento com o Lula, que já tinha assumido compromisso com a classe.
 
Com ele, obtivemos a regulamentação da instituição, e a autorização para que a contribuição sindical seja descontada direto na folha de pagamento do filiado, graças a um convênio com a Previdência autorizado pelo governo. Hoje, a Justiça do país já reconhece que o sindicato é o representante legal de todo aposentado, idosos e pensionistas do país, sócios e não sócios.
 
O Estado – Em outubro de 2012 foi criada a Coopernapi (Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Aposentados e Pensionistas), vinculada ao sindicato, associados e ao Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil). Como surgiu a iniciativa?
 
Inocentini – O ex-presidente Lula nos incentivou a criar uma cooperativa. O aposentado é um pagador de imposto, mas não estava sendo enquadrado em nenhuma legislação específica no Brasil. Hoje, somos regulamentados dentro do Banco Central.
 
Podemos fazer investimentos, financiamentos, crédito consignado, gerenciamento de contas correntes e poupanças. Desde outubro de 2012, a cooperativa funciona em São Paulo, alcançando o posto de segunda maior do Brasil, com 30 mil pessoas que já fizeram adesão. Dos 0,5% que se desconta do segregado, 0,4% fica no sindicato, e o restante é repassado à cooperativa. Com mil sócios, ela já pode vir para Campo Grande, por isso já pagaria os R$ 100 mil necessários para a montagem no Estado. Nossa expectativa é de que, dentro de cinco anos, ela já esteja implantada no Brasil todo. Será o banco nacional do aposentado, com melhores condições, especificamente para um setor da sociedade, com juros de no máximo 1,5% ao mês. Para ser sócio da cooperativa, basta ser sócio do sindicato.
 
O Estado – Sua visita a Mato Grosso do Sul visa a fortalecer a classe aqui?
 
Inocentini – Essa plenária em Mato Grosso do Sul é para abrir o diálogo com a Previdência, que ainda tem dificultado muito o acesso às informações dos segurados. Hoje, somos quase 30 milhões de aposentados, e em 2022 seremos um terço da população. Em Mato Grosso do Sul, que conta com 2,5 milhões de habitantes, seríamos 750 mil pessoas. Certamente, daqui a dez anos, esse número será bem maior.
 
Imagine a força dos aposentados. Por isso batalhamos para que todos os projetos do governo nos atinjam diretamente. Antigamente, só se investia em creches para crianças. Hoje, é preciso pensar na construção de mais centros de convivência de idosos.
 
Somos muitos milhões, e não existe hospital ou moradia para atender a todo mundo. Cabe dizer que a Previdência não tem um “rombo”, como pensam e dizem muitos. O que é preciso, de verdade, é que ela precisa ser tratada como investimento, pois é a Previdência que vai resolver a vida de uma grande parcela de nossa população. É preciso uma política previdenciária mais organizada.
 
O Estado – Como a Previdência pode atuar em favor do segurado?
 
Inocentini – Dou um exemplo. No final de 2012, fizeram um acordo com os campeões do mundo nas copas de 1958, 1962 e 1970, com doações de prêmios de R$ 100 mil e mais o pagamento do teto da Previdência, que é de R$ 4.170 para cada jogador. E quem não foi campeão? Não é gente? Alguns trabalhadores labutam 40 anos e se aposentam sem prêmios e com apenas um salário mínimo de renda. Isso é justo? Por isso, a participação do sindicato é importante, para defender os interesses de cada aposentado. Por isso, precisamos estar organizados para exigir nossos interesses. Um remédio de pressão, por exemplo, que custa R$ 100, poderia ser custeado pelo Estado, já que essa economia seria gasta com outra coisa. Um estudo recente provou que o valor recebido em revisões processuais retorna para o mercado em apenas cinco meses, ou seja, o aposentado não guarda dinheiro. Ele precisa usá-lo, tornando-se um importante agente da economia nacional porque deixa o dinheiro circular.
 
O Estado – Qual a importância, para o aposentado, da filiação sindical?
 
Inocentini – A importância de ser sindicalizado é de se olhar para o futuro, investir na sua qualidade de vida, para aumentar sua expectativa de vida, resgatar sua dignidade. Se o aposentado, por exemplo, deixar de tomar uma cervejinha por semana, consegue se filiar ao maior sindicato da América Latina, tornando-se participante de lutas e reivindicações da classe e que visam a melhorar sua situação, no seu país. O leão é o rei da selva porque o elefante não descobriu a força que tem. O aposentado não sabe a força que tem. O dia em que o aposentado descobrir sua força, vamos nos tornar extremamente importantes para todas as decisões do Brasil, por causa do nosso voto. Juntos, podemos eleger o presidente da República. Não adianta o aposentado ficar em casa ou no bar jogando dominó, tomando uma cachacinha, reclamando e se lamentando. É preciso sair às ruas para reivindicar os seus direitos. Os aposentados e pensionistas de Mato Grosso do Sul precisam se mobilizar para se fortalecerem. Certamente, nós, dessa geração, não teremos todas as vitórias que sonhamos, mas nossos filhos e netos irão desfrutar de nossa luta, para que, quando eles forem se aposentar não seja como hoje.
 
Pois quando chegamos na velhice, no período de pendurar as chuteiras, a aposentadoria nos é dada como um favor. Os governantes não reconhecem aquilo que fizemos pelo país. É importante que o sul-mato-grossense procure uma instituição ligada à Força Sindical, à CUT, não importa a quem. Mas que entre na batalha por uma velhice mais digna e mais saudável.
 
Perfil
Nome: João Batista Inocentini
Naturalidade: São João da Boa Vista (SP)
Atividades: metalúrgico aposentado, um dos fundadores do PT, CUT e Força Sindical.
Ocupação atual: presidente do Sindnapi.

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