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A ver navios

Miriam Leitão (*)

 
Este ano o Brasil exportará a maior safra agrícola de sua história: apenas de soja e milho, cerca de 60 milhões de toneladas. Excelente notícia, para quem precisa melhorar o saldo da balança, e para o mundo, que precisa de mais oferta de grãos depois da seca que atingiu os Estados Unidos no ano passado.
 
Para nós, a dificuldade é que esses grãos terão que atravessar os gargalos brasileiros conhecidos. A maior parte disso será transportada por caminhões movidos a diesel, do interior do país até os portos no litoral, engarrafando estradas, provocando acidentes e encarecendo custos de produção.
 
A MP dos Portos veio para desatar nós, mas, enquanto não se tem certeza das regras, paralisa os investimentos. Ontem e hoje, os empresários serão ouvidos em audiência pública: os que operam e os que usam os serviços portuários.
 
Na semana passada, a Comissão Mista do Congresso ouviu trabalhadores. O senador Eduardo Braga levará ao plenário até o dia 10 de abril um relatório que consolida as 645 emendas e demandas conflitantes nos diversos pontos complexos em que toca a MP.
 
Na conversa com os trabalhadores, ele concluiu que não há unanimidade entre eles: – Há os que querem a manutenção da obrigatoriedade de que todos os trabalhadores sejam contratados através do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). Mas já há os que não querem a proibição da contratação de trabalhador avulso e querem que o empresário tenha liberdade de escolher, contratar celetista, avulsos, usando ou não o Ogmo.
 
Os empresários que operam portos privados temem ser prejudicados por facilidades que possam ser concedidas aos novos entrantes. – Quem participou das licitações antigas e entrou no setor no regime anterior tem obrigações, tanto trabalhistas, tributárias, legais, que oneram o custo das operações.
 
Se a lei permitir que entrem outras empresas sem essas obrigações, haverá competição desleal – pensa Paulo Fernando Fleury, do Instituto Ilos. São inúmeras e intrincadas as discussões.
 
Uma é essa diferenciação que pode ser formada entre os portos que foram licitados antes de 1993 e em 1993. Quem entrou para operar, terminar ou arrendar portos públicos, participou de uma licitação que ganhava quem pagava mais ao governo e se comprometia com maior volume de investimentos. – Era o regime de outorga onerosa. Agora, será pela menor tarifa e pelo maior volume de carga transportada e também investimento – diz o senador.
 
As operadoras pagaram caro pela outorga, tiveram que fazer investimentos que ficaram incorporados aos portos e são obrigados a contratar trabalhadores pelo Ogmo.
 
Os portos privados, com mais liberdade, podiam apenas operar carga própria. Os novos que entrarem na nova lei terão liberdade de contratar via CLT e poderão operar cargas de terceiros.
 
A MP poderá alterar isso e dar condições de igualdade a todo o setor privado? O senador, num programa recente que fiz na Globonews sobre o assunto, disse que sim, mas seu relatório ainda não foi divulgado.
 
O que usuários desses serviços querem é que tudo funcione melhor e seja mais barato e rápido. Argumentam que o Brasil não pode ir contra as melhores práticas internacionais.
 
Segundo Richard Klien, conselheiro da Abratec, associação dos terminais de contêineres, em vários dos principais portos do mundo, que oferecem preços competitivos, há poucos operadores.
 
Eles precisam de ganhos de escala para reduzir os preços. Em Xangai, o porto com maior movimentação de contêineres do mundo, há um único operador, assim como Cingapura, que ocupa o segundo lugar. Há outros exemplos.
 
É um modelo consagrado: grupos se unem para, sob regulação, operar grandes terminais e assim obter maior escala e menor preço. Um estudo da consultoria Verax, ligada à Usp, mostra que os maiores custos dos exportadores não estão nos terminais portuários, que representariam entre 4% e 10% do total, mas sim na burocracia e nos fretes terrestres e marítimos.
 
O porto é parte de um sistema logístico que não tem funcionado e em que uma boa notícia acaba virando problema. Este ano o Brasil teve uma safra muito maior de milho e vai exportar 40% a mais.
 
A soja também está com demanda forte. Isso acaba virando caminhões em filas em portos entupidos. O melhor cenário é a nova lei desatar alguns nós e pacificar empresários em conflito ou trabalhadores com propostas diferentes. Mas nada disso vai melhorar a situação este ano.



 

(*) Miriam Leitão é jornalista econômica e escreve para O Globo  

 


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