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Trabalhadores precisam de mais direitos e desemprego deve subir, diz sociólogo
Fonte: Folha de S. Paulo
Na discussão sobre mudanças na CLT, "os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos".
Na discussão sobre mudanças na CLT, "os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos".
A avaliação é do sociólogo Ruy Braga, 40. Para ele, o trabalho precário tem absorvido o impacto da forte desaceleração da economia no mercado de trabalho. Mas a manutenção da anemia do crescimento deve provocar desemprego no próximo ano.
Professor da USP, ele está lançando "A Política do Precariado", que trata do "proletariado precarizado", de sindicalismo, greves e história.
Nesta entrevista, ele afirma que, apesar da ascensão social de setores mais pobres, "o precariado está inquieto", mas ainda "não identificou alternativas à hegemonia lulista". Braga fala aqui das greves em hidrelétricas e obras do PAC, mudanças na CLT e migrações. A íntegra:
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Folha - Com o atual ritmo de crescimento da economia brasileira o Sr.. prevê mudança no mercado de trabalho? Aumento do desemprego e queda nos salários?
Ruy Braga - É provável. Muitos se perguntam por que após uma forte desaceleração econômica no biênio as demissões ainda não começaram? Além das medidas do governo, como a desoneração da folha salarial em alguns setores, o mercado de trabalho brasileiro é muito flexível.
Apesar do assalariamento formal ter aumentado na última década, o emprego precário, isto é, as ocupações onde se encontram os trabalhadores marginalmente ligados à População Economicamente Ativa (PEA), ainda é muito numeroso, absorvendo o impacto da atual desaceleração sobre o emprego.
No entanto, se essa tendência persistir, muito provavelmente teremos demissões no próximo ano e a taxa de desemprego de 5,3% deve aumentar.
Como o Sr.. define o que chama de precariado hoje no Brasil?
É o proletariado precarizado. Trata-se de trabalhadores que, pelo fato de não possuírem qualificações especiais, entram e saem muito rapidamente do mercado de trabalho.
Além disso, devemos acrescentar jovens trabalhadores à procura do primeiro emprego, indivíduos que estão na informalidade e desejam alcançar o emprego formal, além de trabalhadores subremunerados e inseridos em condições degradantes de trabalho. Uma população que cresceu muito desde a década de 1990.
Não nos esqueçamos que, mesmo com o recente avanço da formalização do emprego, as taxas de rotatividade, de flexibilização, de terceirização e o número de acidentes de trabalho no país subiram na última década. O "precariado" é formado pelo setor da classe trabalhadora pressionado pelo aumento da exploração econômica e pela ameaça da exclusão social.
O Sr.. avalia que a gestão Lula despolitizou os trabalhadores e amansou sindicatos. Por quê? Qual sua visão do movimento sindical no Brasil atualmente?
Sim. Não há dúvida de que a gestão Lula fundiu o movimento sindical brasileiro com o aparelho de Estado. Além de garantir posições estratégicas nos fundos de pensão das empresas estatais, o governo preencheu milhares de cargos superiores de direção e assessoramento com sindicalistas.
Posições de grande prestígio em empresas estatais também foram ocupadas por líderes sindicais. E não nos esqueçamos que a reforma sindical de Lula oficializou as centrais brasileiras, aumentando o imposto sindical. Isso pacificou o sindicalismo.
Ocorre que as direções não são as bases, e o atual modelo de desenvolvimento, como disse, apoia-se em condições cada dia mais precárias de trabalho, promovendo muita inquietação entre os trabalhadores. Isso sem falar nos baixos salários e no crescente endividamento das famílias trabalhadoras.
Tudo somado, é possível perceber uma certa reorganização do movimento, com a criação de centrais sindicais antigovernistas, como a CSP-Conlutas, por exemplo.
Quais os efeitos da chamada ascensão social de camadas mais pobres nos últimos anos no movimento sindical? Emprego e entrada no mercado consumidor contribuíram para arrefecer o movimento sindical e reivindicativo? O precariado está satisfeito com o modelo de desenvolvimento e está quieto, votando no PT?
É verdade que o número de greves nos anos 2000 refluiu para um nível historicamente baixo. No entanto, a partir de 2008, a atividade grevista voltou a subir, alcançando, em 2011, o mesmo patamar do final dos anos 1990. Se essa tendência vai se manter ou não é difícil dizer.
Eu apostaria que a atividade grevista deve aumentar, pois a relação do precariado com o atual modelo é ambígua. Por um lado, há uma certa satisfação com o consumo, em especial, de bens duráveis. No entanto os salários continuam baixos, as condições de trabalho muito duras e o endividamento segue aumentando.
Meu argumento é de que o precariado está inquieto, isto é, percebe que o atual modelo trouxe certo progresso, mas conclui que este progresso é transitório.
Até o momento, o precariado não identificou alternativas à hegemonia lulista. Mas está à procura. Veja o fenômeno Celso Russomanno, por exemplo.
Como explica os movimentos grevistas que ocorrem em hidrelétricas e obras do PAC? Qual sua avaliação das posições que sindicatos, empregadores e governos têm tomados nessas situações?
Estes são movimentos motivados pelas condições de trabalho. Basta olharmos as demandas dos operários: adicional de periculosidade, direito de voltar para as regiões de origem a cada três meses, fim dos maus-tratos, melhoria de segurança, da estrutura sanitária e da alimentação nos alojamentos, etc.
Ao invés de representar os trabalhadores, o movimento sindical lulista optou por pacificar os canteiros. Caso contrário, como explicar o silêncio da CUT após a empreiteira Camargo Corrêa demitir no ano passado 4 mil trabalhadores em Jirau, poucas horas depois de um acordo ter sido celebrado entre a empresa e a Central?
É evidente que existem interesses comuns entre as empreiteiras e o movimento sindical. Quem são os principais investidores institucionais das obras do PAC? Os fundos de pensão controlados por sindicalistas governistas.
Essas mobilizações têm um significado maior e podem ser vistas como o prenúncio de uma insatisfação mais profunda entre trabalhadores?
Sim. Desde 2008, a retomada da atividade grevista parece consistente e aponta para uma insatisfação mais profunda. Entre 2010 e 2011 houve um aumento de 24% no número de greves. Algumas delas, como a dos bancários e a dos correios, por exemplo, foram inusualmente longas. Qual o significado disso? Em minha opinião, os trabalhadores começaram a perceber que o atual modelo de desenvolvimento encontra sérias dificuldades para entregar aquilo que promete, isto é, progresso material.
Observando a história o Sr.. afirma que houve habilidade do precariado brasileiro em transitar muito rápido da aparente acomodação reivindicativa à mobilização por direitos sociais. O Sr.. vislumbra alguma mudança nesse sentido atualmente?
Essa é a história da formação da classe operária fordista brasileira. Os trabalhadores migraram para as grandes cidades atraídos por qualificações industriais e direitos sociais. Encontraram condições de vida degradantes, mobilizando-se por seus direitos em diferentes ciclos grevistas. A aparente satisfação com o nacional-desenvolvimentismo foi sucedida pelos ciclos de 1953-1957 e de 1960-1964. A aparente satisfação com o "milagre econômico" foi sucedida pelo ciclo de 1978-1980.
A situação atual é diferente, pois aquela burocracia sindical oriunda desse último ciclo pilota o atual modelo de desenvolvimento. Se não é capaz de suprimir, isso tende a retardar o ritmo de mobilização.
O Sr.. faz um relato da história do movimento sindical e fala das condições despóticas nas fábricas brasileiras no século 20. O que mudou nas condições de trabalho?
Muito pouco. Apesar da existência de leis que protegem os trabalhadores, o país tem um déficit crônico de fiscais do trabalho. Quando acontece, a fiscalização limita-se a firmar Termos de Ajustamento de Conduta trabalhista que são ignorados pelos empresários.
Além disso, não há cláusula contra a demissão imotivada. Ou seja, a rotatividade predomina, favorecendo a usura precoce do trabalhador. Se o trabalhador adoece, acidenta-se ou se sua produtividade cai, é demitido e um outro contratado. Assim, o número de acidentes de trabalho saltou de um patamar de 400 mil, no início da década passada, para quase 800 mil hoje em dia.
Isso aponta para a reprodução de condições despóticas de trabalho, ainda que em um contexto diferente, marcado pela feminização do trabalho e pelo deslocamento dos empregos para os serviços.
O Sr.. afirma que na empresa brasileira o trabalho se transformou no principal instrumento do ajuste anticíclico e anti-inflacionário da rentabilidade dos ativos. Por quê? Como poderia ser diferente?
Sim. Com inovações em processos, produtos... O problema é que o fluxo de capital das empresas para os proprietários de ativos financeiros enfraquece os ganhos de produtividade. Assim, o trabalho transformou-se no principal instrumento de ajuste anticíclico.
Daí a busca por flexibilidade. Não é acidental que a economia brasileira não perceba ganhos reais de produtividade há mais de uma década. A financeirização das empresas contribuiu para degradar o trabalho e enfraquecer a inovação tecnológica.
O Sr.. afirma que as atuais condições de trabalho reforçam o individualismo, a competição entre trabalhadores, desmanchando as redes de solidariedade fordista e a militância sindical. Esse quadro está em mudança ou se aprofunda? O que representa para o sindicalismo?
O colapso da solidariedade fordista é uma realidade mundial. Mesmo nos países da Europa ocidental onde o compromisso social-democrata chegou mais longe em termos de proteção trabalhista as atuais formas contratuais privilegiam a flexibilidade e a individualização.
A mercantilização do trabalho apoiada em sistemas de informação que controlam o desempenho individual do trabalhador avança rapidamente. No entanto, isto não é uma fatalidade. Trata-se de uma correlação de forças muito desfavorável para a classe trabalhadora desde os anos 1980. Reverter esse quadro é a principal tarefa de um sindicalismo que privilegie a ação direta balizada pelo internacionalismo proletário.
A crise europeia revelou o aparecimento de embriões desse "novo sindicalismo" na Grécia e na Espanha.
Na sua visão, a ascensão social de quadros do sindicalismo para a burocracia estatal provocou mudanças nas lutas sindicais. Esse quadro permanece? Qual o impacto do mensalão nesse ponto? Algo está em mudança?
A transformação das camadas superiores do sindicalismo em gestores do capital financeiro e a fusão dos sindicatos com o aparelho de Estado praticamente sepultaram as chances do sindicalismo lulista voltar a defender os interesses da classe trabalhadora. Basta olharmos para a proposta do Acordo Coletivo Especial (ACE) apresentada recentemente pela burocracia sindical para chegarmos a essa conclusão.
Não me parece que o julgamento do Mensalão vá modificar isso. Apenas a revivificação das lutas sociais na base associada ao surgimento de novas lideranças poderá transformar esse quadro.
O Sr.. constata que a legislação trabalhista foi fruto de conquista. Como avalia a atual pressão empresarial para mudanças na CLT? Mudar a CLT seria um retrocesso do ponto de vista dos trabalhadores?
É preciso mudar a CLT em vários pontos. Mas, não naqueles advogados por empresários e sindicalistas governistas. Para a esmagadora maioria dos trabalhadores que não está representada por sindicatos fortes, a predominância do negociado sobre o legislado significa perda de direitos.
Aqueles que clamam pela reforma da CLT pensam apenas em flexibilizar o trabalho. Na realidade, a força de trabalho brasileira é muito barata e nosso mercado de trabalho excessivamente flexível. É necessário reformar a CLT para garantir mais liberdade sindical e mais direitos aos trabalhadores. Necessitamos de uma cláusula contra a demissão imotivada. Os trabalhadores precisam de mais direitos, não de menos.
Qual o impacto das migrações internas e dos imigrantes de outros países no mercado de trabalho e no movimento sindical?
Historicamente, o movimento operário iniciou-se no final do século 19 com as imigrações italiana e espanhola. A crise da sociedade imperial e o advento da República oligárquica estimularam políticas imigratórias, revolucionando o mercado de trabalho.
Os trabalhadores imigrantes e seus descendentes tornaram-se protagonistas políticos na primeira metade do século 20. A Greve Geral de julho de 1917, de flagrante inspiração anarquista, foi a certidão de nascimento do movimento operário no país.
Por sua vez, ao longo da industrialização fordista das décadas de 1950 e 1960, os migrantes nordestinos e mineiros assumiram progressivamente o controle dos sindicatos, deslocando os trabalhadores italianos e espanhóis para um plano secundário.
Ou seja, o militantismo está muito associado aos fluxos migratórios.
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A POLÍTICA DO PRECARIADO
AUTOR Ruy Braga
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 39 (264 págs.)