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Especialista fala sobre riscos e estabilidade da desestatização do Porto de Santos

Fonte: A Tribuna On-line
 
Thiago Miller, da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB-SP detalha o assunto, em entrevista a A Tribuna
 
 
A evolução na regulação do setor portuário brasileiro, nos últimos anos, trouxe avanços para o mercado, atraindo investimentos. Mas ainda há desafios a serem vencidos. A análise é do presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Thiago Miller, que é advogado-sócio da RMM Advocacia. Em entrevista a A Tribuna, ele ainda avalia o processo de desestatização do Porto de Santos e os riscos a serem enfrentados. Confira.
 
Nos últimos anos, o setor portuário brasileiro sofreu uma minirreforma, tem seus principais complexos marítimos passando por um processo de desestatização e vários terminais sendo leiloados. Qual sua avaliação sobre o setor portuário em 2021? Se compararmos o presente com 2013, quando foi publicada a Lei 12.815, o atual marco regulatório do setor, estamos melhor ou pior?
 
A mudança do marco em 2013, com a revogação da Lei 8.630/93, causou apreensão à época, assim como aquele projeto açodado de licitar inúmeros terminais – com contratos vencidos e a vencer –, que acabou paralisado pelo TCU. Essa mudança brusca do marco somada à recessão econômica e instabilidade política que se instalou à época paralisaram o setor, que demorou a responder. O momento hoje é muito melhor, em grande parte pela mudança de rumo da política econômica que se inicia em 2016 e que tem sequência com o novo Ministério da Infraestrutura, em 2019, que aproveita grande parte do trabalho realizado pelo PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, do Governo Federal).
 
Qual medida adotada pelo Governo melhor impulsionou o segmento? E qual foi a mais negativa?
 
Sem dúvida, a flexibilização para autorização dos terminais privados destravou e acelerou investimentos em cadeias produtivas importantes para o País. Em segundo lugar, a antecipação da renovação dos arrendamentos. Do lado negativo, o retorno da centralização do poder decisório em Brasília e a supressão da autonomia das companhias Docas.
 
Sobre as mudanças feitas nos últimos anos no regulamento do setor portuário, elas foram suficientes? Há ainda alguma questão que precisa ser tratada?
 
O setor precisa de estabilidade e segurança jurídica – esses são os mantras. As minirreformas – infra-legais , com os decretos 9.048/17 e 10.672/21, e a legal, com o (Projeto de Lei) 14.047/2020 – flexibilizaram e trouxeram novos instrumentos e possibilidades para a exploração de áreas portuárias. A questão que precisa ser enfrentada diz respeito às relações de trabalho no porto, pois a Lei 12.815/13 retrocedeu em temas que estavam praticamente equacionados, como a preferência na vinculação dos avulsos.
 
Uma das principais críticas de empresários e investidores do setor é quanto à insegurança jurídica. O que essa insegurança acarreta ao setor?
 
Causam a paralisia de investimentos e a judicialização, o que retarda ganhos de eficiência operacional e o ciclo positivo que os investimentos em infraestrutura podem gerar na economia.
 
Ainda sobre essa insegurança, uma grande preocupação era quanto ao conflito de interpretações que se obtinha com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), como no caso do THC2. A assinatura do Memorando de Entendimentos 01/2021 entre Antaq e Cade sinaliza que esse conflito foi resolvido? Esse obstáculo foi ultrapassado?
 
Infelizmente ainda não foi resolvido, mas houve um avanço institucional importante, que pode facilitar o encaminhamento de uma solução para um problema que se arrasta há 20 anos. Há ainda uma assimetria de informação, por parte da agência reguladora, que traz um desafio para o equacionamento da disputa.
 
Qual sua avaliação sobre o processo de desestatização dos portos planejado pelo Governo? Diante das regras estabelecidas para a desestatização do Porto de Vitória, o Ministério está no caminho certo?
 
Primeiro, é importante destacar e reconhecer dois pontos. Desde o início desse governo, esse projeto foi colocado de forma transparente. E trata-se de um projeto de desestatização inédito – não há setor de infraestrutura que se assemelhe ao portuário –, que demanda um trabalho e estudos complexos. Pensando a partir dessas premissas, eu acredito que estão no caminho certo. Após as audiências públicas, admitiram aprimoramentos e precisamos conferir o resultado que foi apresentado ao TCU. Na minha opinião, estão pecando apenas em não compartilhar os estudos que embasaram as minutas, bem como o resultado dos aprimoramentos, que poderia acalmar os receios de arrendatários e terminais privados.
 
O que esperar da desestatização do Porto de Santos? O Governo garante sua realização. Diante do tempo médio utilizado pelo TCU para avaliação de projetos e o período eleitoral de 2022, temos condições de realizá-la?
 
É a “jóia da coroa”. Esperamos que ela ocorra, que os contratos sejam garantidos e respeitados, que estejam previstos todos os investimentos que justificaram a sua opção e a desestatização ofereça opção e transição aos atuais empregados, que construíram a sua história. O tempo é curto, a instabilidade política atrapalha, mas o fato de chegar ao TCU após a análise do projeto de Vitória/Codesa deve otimizar o processo.
 
Uma das medidas necessárias na desestatização é adaptar os contratos de arrendamento, passando-os do Direito Privado para o Direito Público. Que cuidados deve-se ter neste processo? Há o risco de judicialização?
 
É a questão jurídica mais sensível desse processo de desestatização. A transparência e a garantia das regras contratuais estabelecidas nos arrendamentos originais devem ser preservadas, assim como o estabelecimento de critérios objetivos a permitir a renovação ao final do prazo contratual.
 
Hoje, no campo da regulamentação, qual o maior risco para o setor portuário?
 
A Agência Reguladora mostrou uma grande evolução e amadurecimento ao longo dos anos, inclusive introduzindo novos métodos de avaliação e consulta. No entanto, o acúmulo de funções e competências, recebidas com a nova legislação, tem dificultado atender a todas as demandas, em tempo razoável. Nesse sentido, a regulação ex post não tem provocado a mudança de comportamento de alguns agentes, que incorrem e repetem práticas já condenadas pela Agência. Seria valioso a análise e estudo da regulação ex ante, que comprometeria os agentes com os padrões de serviço definidos pela Agência, sob pena de perder a sua outorga.
 

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