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Centralização embutida na desestatização?

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
O modelo Landlord, concebido na Europa há 800 anos, está em quatro de cinco portos mundiais
 
 
O modelo Landlord, concebido na Europa há 800 anos, está em quatro de cinco portos mundiais. Autonomia é seu pilar central: autonomia não apenas para executar, mas também para decidir. Disso decorre descentralização e participação institucionalizada de stakeholders.
 
No Brasil, nunca foi implantado. Mas chegamos próximo com o modelo balizado pela Lei nº 8.630/93: definir planos diretores, modelar e conduzir processos licitatórios, firmar contratos com os parceiros e/ou aditá-los, homologar projetos e aprovar investimentos, autorizar prestadores de serviços, fiscalizar operações e imputar penalidades, fixar e revisar tarifas, p.ex, eram atribuições da governança local; essa assentada sobre um “parlamento” (o Conselho de Autoridade Portuária, o CAP) e um órgão executivo (a Autoridade-Administradora). No tocante ao “Porto Organizado”, cabia ao “ministério competente” (Transportes, hoje Infraestrutura, Minfra) exercer função recursal de 2ª instância.
 
Mas durou pouco: o Plano Real veio para “domar a inflação”, levando à Fazenda decisões tarifárias. A inflação se estabilizou, mas o Ministério aí atua até hoje.
 
No ano seguinte, as Docas passaram a integrar o Programa Nacional de Desestatização. Na prática, arrendamentos passaram a ser supervisionados pelo Conselho Nacional de Desestatização e o BNDES, a participar das modelagens. O decreto foi revogado, mas o BNDES não apenas segue, como concentra as modelagens mais relevantes.
 
Em 2008, veio o Dec. nº 6.620. Objetivo? “Resolver o problema da carga de terceiros”. Por alguns considerado uma “Nova Lei dos Portos”, ele concentrou o processo decisório nos órgãos federais. O problema das cargas de 3º ficou sem solução. O decreto foi revogado. Mas a centralização do processo decisório foi transferida à MP-595. E, desta, à Lei nº 12.815/13 (Lei dos Portos atualmente vigente). No arranjo resultante, quase todas as funções estratégicas, originalmente na órbita da governança local, passaram a estar centralizadas na Secretaria Especial de Portos (SEP) e/ou na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O CAP passou a ser consultivo e, às administrações portuárias, restaram duas dezenas de funções de natureza essencialmente administrativas.
 
Registre-se que a MP-595 foi anunciada como “Programa de Investimentos em Logística para Portos” (veja vídeo). Inclusive com metas até 2017: R$ 54,2 bi em concessões, arrendamentos e TUPs; ii) R$ 6,4 bi em acessos; e iii) R$ 3,8 bi em dragagem. No período foi efetivamente aplicado R$ 0,46 bi; ritmo acelerado com a criação do PPI: R$ 2,15 bi até 2019! Bem, se os investimentos ficaram bem aquém do anunciado, o processo decisório centralizado se consolidou.
 
A privatização das autoridades portuárias é pauta e diretriz do governo federal no momento. Atração de investimentos é, mais uma vez, o argumento-chefe. O modelo não está claro, apesar de algumas luzes vindas do processo da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Três dúvidas básicas surgem quando o tema é tratado publicamente: i) isonomia no ambiente concorrencial; ii) participação dos stakeholders locais no processo decisório; e, iii) exercício da função de autoridade portuária; função que, sabe-se, é “imprivatizável”. Nem na Austrália o foi!
 
A resposta normalmente é que políticas, planejamento e regulação seguirão com o poder público. Que poder público? Se atualmente as administrações portuárias já não desempenham nenhuma função estratégica, após privatizadas as empresas que a exercem, haveria outros órgãos que não o Minfra e a Antaq? E isso para todos os portos.
 
Estaríamos a caminho de uma Autoridade Portuária Nacional? Vindo ou não os investimentos prometidos, seria essa uma reforma portuária, só que, desta vez, sem alteração legislativa?
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 

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