Artigos e Entrevistas

Missão de fazer o país andar

Fonte: Ministério do Planejamento



Depois que o Senado rejeitou a recondução do economista Bernardo Figueiredo à presidência da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em março deste ano, ele ficou meses confinado "na roça", como diz, em seu sítio próximo a Brasília. Depois da licença forçada, reemergiu para assumir o comando da recém-criada Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Foi escolhido pela presidente Dilma Rousseff para pensar a "revolução logística" que ela pretende executar no país, estratégia que vinham discutindo em conjunto. Especialistas do setor estimam que a superestatal será responsável pela elaboração de projetos que atrairão mais de R$ 220 bilhões em investimentos do setor privado em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias.
 
Na semana passada, Dilma apresentou a primeira etapa do Programa de Investimentos em Logística, pacote de R$ 133 bilhões previstos para as concessões de nove trechos de rodovias (7,5 mil km) e 12 de ferrovias (10 mil km), cujos projetos vão nascer na EPL. Os próximos projetos, informa Bernardo, serão anunciados dentro de uma lógica voltada para a integração de todos os tipos de transportes. O objetivo é racionalizar esforços com governos estaduais, como o de São Paulo, e aproveitar projetos já existentes, caso do Ferroanel, que circundará a capital paulista.
 
Daqui a aproximadamente dez dias, será a vez do pacote de concessão de portos, cujo programa deverá somar algo em torno de R$ 40 bilhões. O leilão do trem bala já foi retomado e deverá resultar em invesimento de R$ 34 bilhões. Bernardo garante que o projeto será rentável. As privatizações de aeroportos e de hidrovias virão na sequência e, juntas, deverão somar mais de R$ 20 bilhões, conforme estimativas. Logo, a conta ultrapassa R$ 220 bilhões.
 
Figueiredo começou a carreira há 40 anos como estagiário da extinta Empresa de Planejamento de Transportes (Geipot), ligada ao Ministério dos Transportes. Sempre atuou na área da qual fala com entusiasmo. As primeiras nomeações da EPL serão publicadas nesta semana. Inicialmente, a instituição terá 45 funcionários, podendo ter seu quadro ampliado no pico da elaboração dos projetos de concessão com temporários, conta Bernardo entre uma e outra tragada do seu inseparável cigarro de palha. "Fumo só uns quatro por dia". A seguir os principais trechos da entrevista exclusiva de Figueiredo ao Correio.
 
Ao anunciar a primeira parte do programa de concessões na área de infraestrutura, a presidente Dilma frisou que não haverá monopólio nesse modelo. Pareceu uma critica à Vale, que domina grande parte da malha. Foi isso?

Sim. O documento que foi assinado (entre o governo e as concessionárias de ferrovia) no lançamento é o compromisso para chegar a uma metodologia de cálculo de valor sobre o uso da malha privada por outro operador.
 
Mas essas ferrovias estão com a capacidade comprometida?
 
Não. Mas tem lugares em que há mais capacidade sobrando do que outros. Como a gente está fazendo uma rede que irá gerar um volume grande, existe o risco de estourar a capacidade. Hoje, 95% da carga transportada é granel: minérios, soja e milho.
 
Ou seja, a diversificação diminuiu...
 
Quando você faz um contrato com grande liberdade e baixo compromisso como foi feita a concessão das ferrovias (no passado), você dá ao concessionário o direito de escolher o que transporta ou não. A presidente falou que não vai botar o monopólio na mão de quem tem interesse.
 
Esse novo modelo obrigará o transporte de passageiros nas ferrovias?
 
Com certeza. A Valec (estatal ferroviária) vai comprar toda a capacidade. Ela poderá vender para o transporte de passageiros e de cargas.
 
E os editais das ferrovias só saem em maio de 2013?
 
Sim. Estamos fazendo primeiro as concessões dos projetos mais adiantados, com estudos de viabilidade prontos. São seis trechos nesses 2,6 mil km do primeiro lote: ramais Norte e Sul do Ferroanel de São Paulo, acesso ao Porto de Santos, Lucas do Rio Verde (MT-Uruaçu (GO), Estrela d"Oeste (SP)-Maracaju (MA) e Açailândia (MA)-Vila do Conde (PA). Os outros vão demorar mais porque vamos começar os estudos do zero.
 
O senhor tem conversado bastante com o governo de São Paulo sobre o Ferroanel. É o projeto mais adiantado?
 
O desenho Ferroanel Norte coincide com o traçado Norte do Rodoanel que está com o projeto pronto. O governo paulista poderá nos auxiliar no licenciamento desse pedaço e também na racionalização das obras. O governo paulista já tem o plano do Ferroanel Sul. A MRS Logística tem o dos ramais de acesso ao Porto de Santos. Vamos aproveitar os dois.
 
Quais são os potenciais interessados nas ferrovias?
 
Os operadores de rodovias privadas são candidatos naturais. O conceito da operação ferroviária será muito parecido com o de rodovia. O concessionários de rodovia têm a pista, mas não têm os caminhões. Na ferrovia vai ser parecido.
 
Em relação às rodovias, depois da BR-116 e BR-040, as primeiras a serem licitadas do programa, quais projetos estão mais adiantados?
 
Essas duas são um lote. Todas as outras têm o mesmo cronograma e sairão juntas. Os editais deverão ser publicados em março de 2013.
 
Hoje, quantos quilômetros de rodovias estão concedidos?
 
Aproximadamente 10 mil km de estaduais e federais. As federais concedidas somam 5 mil km e agora entram mais 7,5 mil, ou seja, vai mais do que dobrar. Desse total, 1,8 mil km já estão duplicadas e o concessionário só complementará as obras.
 
Ele fica com a obrigação de construir uma parte, mas assume tudo?
 
Ele vai recuperar o pavimento, vai manter, completar a sinalização dos trechos que já estão duplicados e duplicar os que não estão.
 
Esses nove trechos do pacote de concessão de rodovias são prolongamentos de obras já iniciadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?
 
Sim. O que estava previsto de obras do PAC e que não foi iniciado sai do PAC e vai para a concessão.
 
Minas Gerais tem lugar estratégico nesse plano de concessões? Tem a ver com o fato de o senhor e a presidente serem mineiros?
 
É coincidência. Minas é o centro de passagem das ligações do Sul com o Norte e Nordeste. Tanto que a maior parte da malha rodoviária federal está lá. Do ponto de vista logístico, o estado está estrategicamente posicionado. O Triângulo Mineiro está virando um grande hub.
 
Como será o processo e qual será o valor estimado do projeto?
 
A proposta de edital e a modelagem econômico-financeira serão disponibilizadas no dia 23. A audiência pública está em curso e o edital deverá ser publicado no fim de outubro. Pretendemos fazer o leilão em maio.
 
O operador será escolhido antes da obra. Não seria mais lógico o contrário?
 
Sim, se não houvesse a exigência da tecnologia. Eu preciso saber antes qual a tecnologia que eu vou usar para definir qual é a infraestrutura que eu preciso fazer.
 
Então, como o governo vai fechar essa conta?
 
Se não fechar, temos outras saídas. A obra do Trem de Alta Velocidade (TAV) tem quatro negócios da EPL. Um é o arrendamento da infraestrutura. A empresa vai ser sócia da operação. A outra é a parte da infraestrutura. Vamos ter uma receita sobre o arrendamento na contratação da obra. A terceira é a exploração das áreas de licitação. Vamos tentar capturar alguma valorização imobiliária no entorno. E a quarta parte é a tecnologia. Vamos absorvê-la e desenvolver o licenciamento com os institutos de pesquisa. Esse conjunto de receitas terá que equilibrar o custo. Esse é o segredo.
 
Em quais planos está se concentrando mais agora?
 
Esse programa de concessões está partindo de planos setoriais que já existiam. O Ministério dos Transportes tinha um Plano de Logística Portuária (PLP) feito pela Secretaria Especial dos Portos (SEP). O que fizemos foi pegar esses projetos e testar a consistência deles em relação ao todo.
 
O próximo passo serão os portos. Nesse caso, ainda muitos contratos para vencer daqui para frente? Como serão os projetos?
 
Estamos analisando os contratos que estão vencendo. Há propostas de terminais de uso privativo e de aproveitamento das áreas portuárias. É nessas áreas em que a SEP está propondo investimentos e estamos montando a carteira final. Ainda não tenho esses números fechados. O que a Secretaria de Portos fez foi um balanço sobre a capacidade instalada e a demanda projetada. Isso é o que vai orientar as propostas de intervenção.
 
E esse pacote sai na próxima semana?
 
Eu acho que pode sair. Não tem uma data marcada ainda, mas não vejo problemas de essas propostas saírem nesse prazo.
 
E hidrovias?
 
O governo federal fez um convênio com o de São Paulo para o estudo da Hidrovia Tietê-Paraná e tem um plano de revitalização da transposição do Rio São Francisco onde está prevista a recuperação da hidrovia. A do rio Madeira está com volume mais expressivo de cargas e vamos abrir uma frente pela BR-163 (Cuiabá-Santarém) e provavelmente haverá uma estrutura em Santarém.
 
"Quando você faz um contrato com grande liberdade e baixo compromisso como foi feita a concessão das ferrovias (no passado), você dá ao concessionário o direito de escolher o que transporta ou não. A presidente falou que não vai botar o monopólio na mão de quem tem interesse"
 
"Esse programa de concessões está partindo de planos setoriais que já existiam. O Ministério dos Transportes tinha um Plano de Logística Portuária (PLP) feito pela Secretaria Especial dos Portos (SEP). O que fizemos foi pegar esses projetos e testar a consistência eles em relação ao todo"
 
Saturação
 
Vários dos portos do país, sobretudo o de Santos (SP), estão a beira da saturação. Estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro revelou que, se as repartições públicas, como a Alfândega, funcionassem 24 horas por dia, a produtividade dos portos dobraria. O tempo para a liberação de um contêiner passaria de 5,5 dias para 2,7.
 
Operador
 
No leilão do Trem de Alta Velocidade (TAV), informalmente conhecido por trem-bala, será primeiro decidido o operador, que oferecerá o valor a ser pago pela instraestrutura. O governo fará depois a licitação da obra, a ser tocada por várias construtoras. Se a obra sair mais cara do que o operador ofereceu antes, haverá prejuízo, que Figueiredo acredita poder recuperar com outras receitas.

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