Artigos e Entrevistas

Marimex como um 'case'

Fonte: A Tribuna On-line / Frederico Bussinger*
 
“Não precisa explicar, eu só queria entender” (Macaco Sócrates, de 'Planeta dos Homens')
 
 
Não é comum o Tribunal de Contas da União (TCU) decidir com placar apertado. Menos ainda com invocação de argumentos tão díspares. Talvez por isso, são contidas as manifestações enquanto se aguarda o acórdão a respeito da prorrogação (ou extensão?), até 2025, do arrendamento da Marimex.
 
No polarizado embate, discute-se o futuro da área hoje ocupada por seu terminal em Santos: i) o poder público (Ministério da Infraestrutura e Autoridade Portuária de Santos) decidiu não prorroga-lo após MAI/20: planeja ali implantar pera ferroviária e terminal de fertilizantes; ii) a Marimex pretende seguir operando-o por mais 20 anos: ante a negativa, buscou o TCU e obteve medida cautelar para tanto.
 
O relator, ministro Vital do Rego, votou pela prorrogação. E descartou proposta alternativa do ministro Walton Alencar (contrato de transição), reforçando argumento de seu relatório que “contrato de transição é precário e, por isso, não seria o mais adequado”.
 
Ao encaminhar sua proposta, o ministro Alencar fez duras críticas à proposta por fim vencedora e, ao fundamentá-la: i) arguiu a competência do TCU para decidir renovar contratos de arrendamento; ii) lembrou que “a empresa obteve áreas sem licitação”; iii) que “um contrato encerrado não pode ser renovado”; e iv) que “temia que com a decisão a empresa se perpetuasse no terminal usando a decisão do TCU”.
 
Independentemente do futuro do arrendamento e da pera planejada, esse (prolongado) contencioso já é um “case” de utilidade para o futuro dos portos brasileiros: De imediato, põe em xeque contratos de transição para “trocar o pneu com o carro andando”; instrumento que vem sendo largamente utilizado pelo poder concedente com aval, ainda que implícito, dos órgãos de regulação e de controle. Também a prática de se agendar leilões com graus de incertezas elevados em relação à possibilidade de cumprimento dos compromissos assumidos pelo poder público; ao menos nos prazos definidos.
 
No caso específico, é sabido que a tal pera é um dos pilares centrais para os projetos de requalificação da malha ferroviária interna do Porto; e essa para o futuro da sua própria expansão: os contratos dos dois terminais de celulose, p.ex, leiloados ano passado, dependem majoritariamente dos fluxos ferroviários. Qual o risco de pedido de reequilíbrio econômico-financeiro em função de atrasos ou não cumprimento de outras obrigações pelo poder público?
 
Lança dúvidas, ainda, sobre quem e como se decide arrendamentos e parcerias nos portos públicos. Enfim, sobre o processo decisório como um todo. Quem tem a palavra final? Quem, na verdade, é a autoridade portuária? Como explicá-lo a um estrangeiro (investidor ou não)? Ah! Como seria esse tema tratado na hipótese da a Autoridade Portuária de Santos vir a ser efetivamente privatizada?
 
Qual exatamente o papel do TCU? Quais seus limites? Ele tem consciência que essa decisão tem implicações que vão muito além da Marimex e seu terminal? Além do ministro Alencar, essas são dúvidas e discussões que se ampliam nos meios portuários e jurídicos.
 
Há algum tempo vem sendo ouvido que uma coisa é o plenário do TCU, outra são suas áreas técnicas. Na sessão de 29/JUL/2020, ao se analisar a renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e a Estrada de Ferro Carajás (EFC), tomou-se conhecimento que naquelas áreas técnicas haveria os “modernos” e um tipo de “velha guarda”. E, agora, dá-se conta de uma divisão no plenário, quase ao meio, em questões fundamentais. Eh! O Supremo Tribunal Federal (STF) parece estar fazendo escola!
 
Como saldo, o modelo landlord parece cada vez mais distante; e a tal da segurança jurídica, tão contundente e quase unanimemente defendida e reivindicada em discursos, na prática...
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 

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