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Embarcadores esperam propostas consistentes para maior oferta e adesão à cabotagem

Fonte: Portos e Navios
 
Governo acredita que BR do Mar tem potencial de atrair novos players, não somente para o transporte de contêineres. Abac aponta necessidade de analisar fatores como regularidade da carga no transporte de granéis e modelo de negócios dos donos de carga.
 
 
Grandes embarcadores de cargas apontam baixa competitividade e preços de fretes que inviabilizam suas logísticas com a utilização de cabotagem. Empresas que transportam altos volumes, principalmente commodities, esperam que governo e parlamentares aprovem propostas consistentes que atinjam o objetivo de aumentar a oferta de serviços e baratear o frete. Para as maiores empresas de navegação que operam no modal, a discussão é mais ampla, pois é preciso analisar fatores como a regularidade da carga no transporte de granéis e o modelo de negócios dos donos de carga. O governo acredita que o BR do Mar tem potencial de atrair investimentos e novos players, não somente para o transporte de contêineres. 
 
A Alcoa observa que, devido às barreiras de acesso, o mercado doméstico é restrito e com uma quantidade pequena de fornecedores. “Existem poucas empresas que ofertam o transporte de cabotagem à granel no Brasil, o que deixa os demandantes pelo serviço de mãos atadas na busca por custos menores, pois, não havendo competição, os fretes são altos, encarecendo o custo de nossos produtos. É a teoria elementar da oferta e demanda”, analisou o gerente de afretamento e de operações da Alcoa na América do Sul, Eduardo Saraiva.
 
Na avaliação da empresa, um dos maiores usuários da cabotagem de carga granel do país, o ideal é que o mercado de cabotagem se abra para a competição, já que existem poucos operadores no Brasil. “Não temos acesso a esses operadores que podiam tornar o mercado mais competitivo e acessível”, sugeriu Saraiva. Para a Alcoa, a cabotagem é um modal de transporte fundamental uma vez que não existe alternativa no transporte de bauxita de Juruti, no oeste do Pará, para São Luís, no Maranhão. 
 
A Alcoa entende que o texto atual do BR do Mar, em tramitação no Senado, apresenta alguns desafios no que tange a abertura de mercado. Saraiva acredita que, em alguns casos, pode ser entendido que o projeto impõe mais barreiras de acesso. “Sem novos entrantes, o custo do frete não se tornará competitivo, muito pelo contrário. O texto demanda mais clareza em alguns pontos, principalmente no que diz respeito a contratos de longo prazo – uma oportunidade de trazer novos investidores e operadores”, apontou. 
 
O gerente de afretamento da Alcoa reforçou que a falta de competitividade no mercado de fretes na cabotagem acaba trazendo custos exorbitantes aos usuários. Ele deu como exemplo a própria empresa, que faz uso da cabotagem para o transporte de bauxita, um minério que dá início à fabricação de alumínio, que é uma commodity. “O alumínio brasileiro acaba custando muito mais do que a alumina de outros lugares do mundo porque, em grande parte, nossos custos logísticos são muito maiores do que de outros lugares no mundo”, comparou Saraiva. 
 
Na visão da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), o ponto crítico no granel não está na oferta porque não faltam navios, considerando a possibilidade de afretamentos temporários para atender aumento de demanda, sempre de acordo com a legislação. “O granel tem características muito distintas do contêiner. O tamanho das cargas é sempre muito superior, pois são muitas toneladas que viabilizam um transporte e, muitas vezes, como a quantidade não é suficiente para completar a capacidade do navio, gera um elevado frete morto”, ressaltou o diretor-executivo da Abac, Luis Fernando Resano. 
 
Muitas vezes, a carga de granel não tem regularidade e nem gera frete de retorno. “A possibilidade de existir mais empresas sempre houve, mesmo antes de ter o PL 4199 e fica a questão: por que não temos mais empresas? A resposta óbvia é que não há carga ou interessados em usar a cabotagem”, frisou Resano. A associação acredita que a busca por custos menores talvez ocorra quando não há volume adequado para o transporte marítimo, e/ou quando não existe regularidade. “Tal situação faz com que a cabotagem de granéis esteja muito ligada a projetos de média e longa duração, onde se tem volume e regularidade na movimentação”, ponderou. 
 
A avaliação da Abac é que o PL 4199/2020 está focado nas cargas de contêiner, e não deve impactar significativamente o transporte de granéis, a não ser na possibilidade de mais navios afretados dentro do programa BR do Mar para atender contratos de transporte de longo prazo e operações especiais. Tais opções, segundo a Abac, ainda carecem de detalhamento. A associação considera que existe competição, mas que aumentá-la não depende necessariamente de um número maior de empresas. “Reduzir custos é necessário, assim como reconhecer que o custo tributário e trabalhista da EBN é muito superior a uma empresa operando com registro aberto. Se nada for feito para aproximar os custos, nada será alterado”, analisou Resano. 
 
No caso da Vale, a cabotagem permite alguns atendimentos a clientes internos no Brasil, que são suportados por embarques de minério de ferro em navios graneleiros, tanto na modalidade spot, quanto em contratos de afretamento. Na visão da empresa, particularmente no transporte de minério de ferro e pelotas, as regras que encarecem o preço e não incentivam um ambiente competitivo são os gargalos que mais impactam a decisão em usar ou não o modal marítimo para atendimento ao mercado interno. A mineradora considera que há poucos players nesse mercado e regras que restringem a competição. 
 
Em alguns cenários, a Vale vê o preço como um impeditivo para avaliar estrategicamente um maior atendimento aos clientes no Brasil por esse modal. “A regra atual permite que navios estrangeiros sejam ofertados através de uma EBN na falta de navios com bandeira nacional. Não há para a Vale uma falta de oferta. Há, entretanto, regras que encarecem o preço do frete e que inviabilizam o uso da cabotagem”, informou em nota à reportagem. A Vale apoia a proposta em análise pelo Congresso, a qual enxerga tendência de ser positiva para situações específicas, tais como vendas atendidas por contratos de afretamento de longo prazo com a possibilidade de utilização de navios de bandeira estrangeira, sem necessidade de circularização prévia. 
 
O diretor do departamento de navegação e hidrovias do Ministério da Infraestrutura, Dino Batista, disse que o principal conceito trabalhado no BR do Mar é a ‘contestabilidade’ do mercado, não necessariamente uma maior quantidade de concorrentes. “Quando o mercado é mais contestável, ele tem condições de caso uma empresa que já esteja estabelecida comece a pisar na bola, um novo concorrente entre”, explicou à Portos e Navios. Ele destacou que o programa cria um ambiente em que as empresas já estabelecidas saberão que será mais fácil entrar no mercado brasileiro, ao passo que as empresas de fora poderão voltar os olhos para essa maior abertura. “A contestabilidade não só vai trazer novas empresas, como fazer com que empresas que aqui já estão continuem a atuar de maneira concorrencial, sabendo que, se não atenderem adequadamente seus clientes, outro virá e fará seu atendimento”, observou. 
 
O ministério admite que o programa não vai atrair um grande número de players no curto prazo, na medida em que a atividade depende de escala e de capital intensivo. No entanto, a pasta acredita que podem entrar alguns novos concorrentes, não somente para contêineres, mas para segmentos como granéis sólidos, granéis líquidos e cargas de projeto. Batista contou que o ministério recebeu uma carta de empresas de longo curso estrangeiras demonstrando apoio ao BR do Mar por entenderem que, quanto mais possibilidade de concorrência na cabotagem, melhor para elas também. O diretor explicou que, como um navio com milhares de contêineres não escala muitos portos, é importante que o país tenha cabotagem forte para distribuição pela costa. 
 
A expectativa do governo a partir do BR do Mar é, em alguns segmentos, atrair novos players por meio de seis modalidades de afretamento. Entre elas, Batista destacou as operações especiais, as quais ele classifica como ‘berçário’ de novos players da cabotagem. Ele estima que, para ter uma frota com rota de contêineres é preciso, pelo menos, quatro embarcações. O diretor avalia que, por conta disso, pode ser inviável para uma empresa de pequeno porte concorrer com empresas que operem embarcações com 4 mil TEUs a 5 mil TEUs. Batista ressaltou que, apesar de cerca de 40 empresas estarem registradas na Antaq, muitas fazem transportes de cabotagem esporádicos de pequeno porte que não são objeto direto do BR do Mar. A avaliação é que a atividade reúne 10 empresas que efetivamente transportam na cabotagem, sendo sete de maior porte e outras três de porte mais reduzido e que buscam fazer seus modelos de negócios. 
 
Antes da apresentação do PL 4.199 pelo governo federal, o Congresso recebeu outras propostas que foram apensadas quando o projeto chegou para tramitação no Senado. Uma delas é o PL da senadora Kátia Abreu (PP-TO), que acredita que o problema não está na Lei 9432/1997, mas na regulação restringindo efeitos legais e permitindo que o setor se desenvolvesse na ‘tangente da lei’. A senadora acredita que o marco da navegação foi amplamente discutido e equilibra bem os interesses de embarcadores, armadores e indústria naval. “Propomos o PL 3129/2020 que, a nosso ver, é cirúrgico em corrigir essas questões, permitindo maior concorrência em prol dos embarcadores que, a nosso ver, é o caminho correto para baratear frete”, disse à reportagem. 
 
A parlamentar afirmou que o PL 4199/2020 parece ter foco nas empresas de navegação, fortalecendo as grandes empresas em detrimento da concorrência. Ela citou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) referendou essa análise em resposta a um questionamento de sua equipe. Kátia Abreu acrescentou que a nota técnica que embasou o PL do governo não traz análises dos diversos mercados que compõem a cabotagem. “Não acreditamos que uma ‘solução’ genérica possa ser benéfica a um mercado tão cheio de particularidades”, avaliou. A senadora observa que o PL do governo tem semelhanças com a resolução normativa 01/2015 da Antaq, ao restringir o afretamento por tempo do navio estrangeiro a condições que somente as grandes empresas atendem. Essa modalidade é vista como mais atraente do que os demais tipos de afretamento propostos no BR do Mar. “Não é preciso ser cientista para saber que, diante de uma menor concorrência, haverá prejuízo de oferta ao mercado. O próprio Cade, que analisou tanto a RN-01/2015, como o PL 4199/2020 (BR do Mar), afirmou isso”, salientou. 
 
O diretor do Ministério da Infraestrutura considera legítimo que empresas eventualmente busquem seus interesses, mas acredita que o PL do governo, quando sancionado, aumentará a segurança jurídica da atividade, somado à atuação da agência reguladora e dos órgãos de controle. Batista disse que não há temor que aconteçam questionamentos em órgãos de defesa, como os que foram apresentados em relação à resolução 01/2015 da Antaq, que versa sobre afretamento. “Não temos dúvida que o mais importante é buscar interesse do país, não de empresas específicas, muito menos uma ou duas empresas. Não temos muita preocupação em relação a isso”, comentou. 
 
A Abac entende que no mercado brasileiro de cabotagem há espaço para empresas de todos os tamanhos e é importante que elas existam. A associação considera que expulsar as grandes empresas não parece adequado, pois dificilmente haveria empresas que atendessem os serviços que elas fazem hoje. A leitura é que faz parte do mundo empresarial que empresas maiores tenham mais facilidade para ampliar seus mercados, assim como a atuação das agências reguladoras para que isto ocorra em igualdade de competição das demais empresas. A associação afirma não ser de seu conhecimento regras que encarecem os preços ou que prejudiquem a competitividade, além das necessárias e adequadas ao modal. 
 
A entidade afirmou que atribuir encarecimento de preço e falta de incentivo sem identificar os pontos de divergência não parece oportuno. A Abac ressaltou que, quando se fala de uma relação comercial entre privados, as regras são discutidas abertamente. Para a associação, o PL deve incentivar e promover investimento na cabotagem, razão pela qual o afretamento a tempo deve ser baseado na frota de propriedade da EBN. “Não concordamos com a criação de EBN sem a propriedade de navios, pois isto enfraquece a marinha mercante brasileira e deixa o Brasil mais vulnerável aos fretes internacionais e à disponibilidade de embarcações estrangeiras, ainda que venham depois a arvorar a bandeira brasileira provisoriamente”, disse Resano. 
 
Batista, do Minfra, destacou que, entre as diferentes modalidades do programa, há inclusive possibilidade de afretamento a tempo com base em lastro e embarcações próprias. “Da mesma forma que estamos incentivando empresas a terem frota própria, criamos ‘n’ outras maneiras das empresas entrarem no mercado sem ter frota própria. Achamos que conseguimos equilíbrio interessante: trazer incentivos à criação de frota e, ao mesmo tempo, trazer incentivos à entrada de empresas sem necessidade de frota própria”, concluiu.
 

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