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BR do Mar: solução ou risco?

Fonte: ABOL / Artur Solon*


 
Ao ler a reportagem no Valor Econômico, de Renan Truffi, confesso que minhas inquietudes em relação ao PL4199/2020, que versa sobre o “BR do Mar”, ressurgiram. Segundo a publicação, as divergências entre os partidos de Centro, que querem mudanças no texto, e a pressa na tramitação no Senado Federal, pulando a Comissão de Infraestrutura, contribuem para a falta de consenso sobre o projeto entre os parlamentares.
 
Dentre os senadores que pressionam por mudanças, se destaca a senadora Kátia Abreu (PP/TO), que, além de defender a tramitação da matéria em conjunto com outros projetos de temas parecidos, é autora de emenda à Lei 9432/1997, em relação à navegação marítima por cabotagem. A proposta da senadora retira a limitação de número de viagens a ser realizada no afretamento por tempo.
 
Apesar de essa limitação visar garantir que os armadores brasileiros que possuem navios brasileiros não sejam engolidos por “empresas de papel”, que, por prática, alugam navios estrangeiros para transportar mercadorias entre nossos portos a um custo barato, me pergunto, mas a que preço para o mercado nacional?
 
Para tentar entender onde estão os riscos da medida, é preciso ter em mente o que faz nosso frete tão caro. Na logística nacional, existem vários motivos para isso, entre eles custos trabalhistas elevados, incidência de impostos sobre os combustíveis (bunkers), serviços de praticagem, rebocadores, excesso de regulação e por aí vai. Por isso, ao se propor a abertura do mercado para qualquer um que afretar um navio, com uma bandeira aleatória e uma tripulação temporária sem origem definida, tudo isso justificado pelo suposto barateamento do custo de transporte, no mínimo, me parece uma solução simplista.
 
Nessas horas, o ideal é não reinventar a roda, mas, sim, observar como o mundo enxerga essa questão. Quase todos os países desenvolvidos possuem regras rígidas que dão preferência a navios com suas bandeiras em detrimento de outras. Nenhuma nação desenvolvida entrega a logística do transporte marítimo interno para estrangeiros por uma simples questão de custo, o que eles fazem é baixar seus custos para tornar seus navios competitivos. Outro grave problema é a perda da capacidade de mobilização de uma nação, em caso de necessidade, pois você não pode mobilizar o que não é seu.
 
Outro motivo relevante é a questão ambiental. Como fiscalizar e a quem responsabilizar em caso de um grave dano ambiental, causado por um navio afretado por uma empresa pequena, já que o BR do Mar não estabelece limite de idade para afretamento? Se até hoje não conseguimos saber e muito menos responsabilizar quem derramou óleo em nossas praias do Nordeste, com rotas relativamente com pouco movimento, imagine em um futuro próximo, quando se pretende incrementar esse mercado com um movimento muito maior, com navios de diversas nacionalidades e em condições de navegação não fiscalizadas por autoridades brasileiras. Prevejo problemas.
 
Na prática, creio que não devemos ser contra o BR do Mar. Todos aceitam e concordam acerca da necessidade de aprimoramento do transporte por cabotagem para o Brasil, por ser mais eficiente e barato. Mas, por esse tema possuir muitas sutilezas e um importante viés estratégico para o país, é preciso defender que ele deva ser melhor discutido e mais amadurecido, junto aos nossos congressistas e representantes do setor. Toda essa pressa não justifica os riscos e nem atacam nossos problemas estruturais. Ao contrário, só abrirá espaço para oportunistas que, há tempos, espreitam o mercado brasileiro.
 
*Artur Solon, bacharel em Direito, especialista em Direito Internacional Humanitário e diretor da empresa Tjsolon Consultoria de Planejamento e Gestão
 

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