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Salvação do SUS requer 30 dias de lockdown rígido

Fonte: Folha de S. Paulo / Vários autores (nomes ao final do texto)
 
Esforço poderá poupar 45 mil vidas e evitar falta crônica de leitos e insumos


 
Não se trata mais apenas de evitar a Covid-19. Pela primeira vez em uma geração, os brasileiros já não sabem se, diante de um acidente —no trânsito, em casa, no trabalho—, seja em hospitais públicos ou privados, conseguirão receber atendimento.
 
Um lockdown de somente um mês, rígido e fiscalizado, nos termos sugeridos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em carta aberta em 1º de março, é fundamental para atravessarmos a pior fase da pandemia sem agravar o estado de calamidade em que estamos.
 
Por que 30 dias? É o tempo para que a vacinação em massa comece a fazer efeito significativo. Por três fatores: 1 - toda vacina impede o óbito. Após 450 milhões de pessoas vacinadas (primeira dose, de diferentes vacinas) contra a Covid-19 no mundo, não há notícia de um único óbito por Covid-19 entre elas; 2 - mais de 70% dos óbitos registrados no Brasil até aqui foram de pessoas acima de 60 anos; e 3 - devemos ter duas doses para imunizar todos os brasileiros acima de 60 anos até o início de maio, no cenário mais provável, detalhado abaixo.
 
E como a vacinação impacta em óbitos por dia? Estudo da ONG Impulso Gov combinou 12 bases de dados públicas com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, por meio da Lei de Acesso à Informação, para projetar uma queda da atual média móvel de 2.300 óbitos por dia para menos de 1.000 óbitos por dia, a partir de maio, graças à vacinação. A queda continuaria daí em diante.
 
Ainda são números inaceitáveis. Mas essa redução nas mortes já aliviaria a pressão insustentável que o sistema de saúde vive hoje.
 
O estudo traçou três cenários de vacinação (pessimista, intermediário e otimista), e estamos hoje mais próximos do cenário intermediário, com produção nacional de 78 milhões de doses —suficiente para vacinarmos todas as pessoas acima de 60 anos— até o começo de maio. O estudo e a metodologia completa, disponível em www.CoronaCidades.org, sugere que o pior momento é o que vivemos agora e o que viveremos nas próximas semanas.
 
Então, se a vacinação deve melhorar a situação a partir de maio, por que precisamos de um lockdown de 30 dias? Não podemos só esperar?
 
Não. Primeiro, porque se o lockdown reduzir pela metade a atual média de óbitos, em um mês serão 45 mil vidas poupadas. Há outros três motivos menos óbvios: 1 - sem lockdown, faltarão leitos para… tudo. Se o número de internações por Covid-19 não baixar imediatamente (e não somente em maio, com os efeitos da vacinação), o sistema de saúde —público e privado— pode ficar sem leitos de UTI no país todo, como já é observado em 16 dos 27 estados; 2 - quanto mais a curva sobe, mais difícil baixá-la. Já atingimos 3.000 óbitos em um único dia. Se essa cifra não cair já, não ficaremos abaixo de 1.000 óbitos nem em maio, mesmo com a vacinação; e 3 - novas variantes podem surgir. Se permanecermos muito tempo com elevadíssima circulação do vírus, o risco de novas mutações surgirem aumenta, sendo possível até que o efeito da imunização seja menos potente, e pessoas vacinadas venham a óbito.
 
Se isso ocorrer, as projeções acima serão invalidadas. Estaríamos de volta a uma situação sem perspectiva de melhora. Há luz no fim do túnel, e ela está próxima; mas, se não formos rápidos, poderá se apagar.
 
Não podemos esperar mais nenhum dia. Após indesculpável atraso, o novo auxílio emergencial nacional, enfim, está a caminho —o que nos permite reduzir, agora, a circulação de pessoas, com medidas rígidas e de curto prazo, em todos os estados com mais de 85% de ocupação dos leitos de UTI ou internações por Covid-19 em ascensão.
 
Mesmo com um rígido lockdown agora, em 30 dias não estará “tudo bem”. Máscaras e distanciamento social permanecem necessários. Mas não sofreremos mais com falta generalizada de leitos e insumos médicos. Não necessitaremos de novos lockdowns nacionais. O pior terá passado.
 
É verdade que não será fácil: economicamente, psicologicamente. Mas março de 2021 não é março de 2020: sabemos o que fazer, e temos vacinas. Será o último esforço dessa magnitude que precisaremos realizar como nação.
 
Desde sua criação, há 30 anos, o SUS já salvou milhões de vidas. Agora, somos nós que precisamos fazer nossa parte para, nos próximos 30 dias, salvarmos o SUS.
 
João Moraes Abreu, diretor executivo da Impulso Gov, realizadora do CoronaCidades.org
 
Marco Brancher, coordenador de dados da Impulso Gov
 
Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass)
 
​Marcia Castro, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard
 
TENDÊNCIAS / DEBATES
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