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Risco Bolsonaro dificulta atração de investimentos privados em Infraestrutura

Fonte: O Globo
 
Intervenção do presidente na Petrobras traz obstáculos ao plano de concessões e privatizações do governo
 
 
A crise em torno da troca de comando da Petrobras elevou o risco político do plano de concessões e privatizações do governo. Além das dificuldades de colocar os leilões de pé e aprovar os projetos necessários no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro gerou mais um obstáculo à atração de investimentos privados na área de infraestrutura ao intervir na estatal para trocar a direção e ao se queixar da política de preços dos combustíveis, avaliam especialistas e consultores empresariais.
 
Levantamento inédito da Inter.B Consultoria mostra que, em 2020, os investimentos em infraestrutura no país somaram R$ 124,6 bilhões, o menor patamar desde 2007, quando foi de R$ 100,8 bilhões. Para Cláudio Frischtak, especialista em infraestrutura à frente da consultoria, o ambiente gerado pela crise na Petrobras — cujas ações caíram mais de 20% só na segunda-feira, com recuperação parcial nos dias seguintes — tende a levar empresas a pisarem no freio dos investimentos:
 
— Toda essa interferência na Petrobras cria uma camada de incerteza entre os investidores, que desaceleram o seu processo de decisão de investir. Por isso, no melhor cenário, o ano de 2021 em termos de investimentos empata com 2020, que foi afetado pela pandemia do coronavírus.
 
Na sexta-feira, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, colocou seu cargo à disposição de Bolsonaro. É mais um resultado da pressão do presidente sobre estatais por motivos políticos. Em janeiro, Bolsonaro quase o demitiu após o anúncio de um plano de demissão voluntária e de fechamento de agências. Foi adiante no caso do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defenestrado por não deixar de reajustar os preços dos combustíveis diante da alta da cotação internacional do petróleo. O tema é sensível aos caminhoneiros, parte da base eleitoral do presidente. Deve ser substituído pelo general Joaquim Silva e Luna mesmo depois de a estatal apresentar lucro recorde de R$ 59,8 bilhões nos três últimos meses de 2020.
 
Incerteza crescente
 
Para analistas, o episódio ampliou o clima de incerteza em relação ao governo. Isso pode ter três consequências práticas na infraestrutura: afastar investimentos em uma economia que precisa voltar a crescer e gerar empregos; atrasar a solução, pelo setor privado, de gargalos em áreas como saneamento e transporte, que impactam a vida da população; e reduzir a capacidade de arrecadação do governo com a venda de estatais e leilões de concessões, em meio ao desequilíbrio das contas públicas.
 
No fim de 2020, o governo anunciou que pretende realizar mais de 50 concessões e renovações de contratos e vender nove estatais em 2021, incluindo Eletrobras e Correios, objetos de uma medida provisória e um projeto de lei para encaminhar a privatização entregues por Bolsonaro na semana passada num gesto para tentar acalmar o mercado.
 
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, estimou que o pacote, no âmbito do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), tem potencial de gerar R$ 137,5 bilhões em investimentos. Estão incluídos duas dezenas de aeroportos, quase 20 terminais portuários, duas ferrovias, 11 rodovias e a Companhia Docas do Espírito Santo.
 
“Temos boas condições aqui, mas o Brasil tropeça nos próprios pés, não faz o dever de casa há 30 anos. Isso reduz o valor captado”
PAULO VICENTE
Professor da Fundação Dom Cabral
 
A esse volume se somam projetos nos estados, como o da privatização da Cedae, no Rio, que pode gerar R$ 32,5 bilhões em obras de saneamento. O leilão do 5G, cujo edital foi aprovado na semana passada e deve ocorrer até julho, tem potencial de movimentar até R$ 35 bilhões, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A maior parte será em obrigação de investimentos pelas teles até 2025.
 
Os projetos, no entanto, podem ter o impacto econômico reduzido se houver menor interesse dos investidores diante do risco político em estatais ou em áreas reguladas pelo governo. Para Frischtak, a desvalorização de estatais e a piora na classificação de empresas brasileiras por agências de avaliação de risco na semana passada já refletem a maior incerteza entre os investidores. O valor de venda de uma estatal, por exemplo, é afetado. Nas concessões, a tendência é o risco ser precificado, o que joga para baixo o que as empresas estarão dispostas a pagar ao governo em outorgas ou a investir nos projetos de longo prazo, explica Paulo Vicente, professor da Fundação Dom Cabral:
 
— O governo é visto como risco, o investidor foge de projetos em companhias que tenham o dedo dele, como Petrobras, Banco do Brasil. As empresas de capital misto vão sofrer mais. Nas concessões, em que o governo abre mão do controle e se afasta da tentação de interferir, o investidor aposta. Mas vai precificar o risco.
 
André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, vê uma “bandeira amarela” para o investidor:
 
— Ela diz: fique longe de empresas em que o governo tem influência relevante na gestão.
 
Conheça dez empresas incluídas na lista de privatizações do governo Bolsonaro
 
As três consequências
 
1. Desestímulo a negócios em plena crise
 
Em 2020, o Brasil teve a mais alta taxa de desemprego já registrada, de 13,5%, e disparada da dívida pública, que chegou a 89,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a crise e o caixa à míngua, o país precisa atrair investimentos privados para voltar a gerar emprego e renda. No ano passado, os investimentos estrangeiros diretos no país caíram 50%, segundo a Unctad, das Nações Unidas. A quinta maior queda do mundo. O Brasil sempre vai captar investimentos, diz Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, mas menos do que poderia devido ao ambiente de negócios. E alerta que, se as privatizações não andarem em 2021, terão ainda mais dificuldades de sair em 2022, ano eleitoral.
 
— Na saída da pandemia, haverá retomada, não há tantos mercados para investir em infraestrutura no mundo. Temos boas condições aqui, mas o Brasil tropeça nos próprios pés, não faz o dever de casa há 30 anos. Isso reduz o valor captado — diz.
 
André Castellini, da Bain & Company, frisa que o que afugenta o investidor se mantém: o país não cresce e o governo é malvisto em práticas ambientais, sociais e de governança:
 
— Após a saída do Salim Mattar (ex-secretário de Desestatização, que deixou o governo em 2020 alegando não conseguir fazer privatizações), muitos investidores desistiram de analisar estatais porque perceberam que não vai acontecer a privatização.
 
2. Atraso em soluções estruturais
 
Recursos da iniciativa privada são vistos por especialistas como a única saída para corrigir déficits históricos em áreas como saneamento básico. O Brasil tem 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada e metade da população sem coleta de esgoto. As empresas estatais não foram capazes de solucionar isso e, em sua maioria, estão com baixa capacidade financeira para investir, assim como os governos. Aprovado em meados de 2020, o marco legal do setor prevê a universalização dos serviços até 2033 com a abertura à iniciativa privada, mas o ambiente regulatório ainda não é suficiente para as empresas tirarem os projetos do papel. É preciso investir 4,12% do PIB por 20 anos.
 
— Começamos 2021 com o atraso na modernização de marcos regulatórios. Até nos mais adiantados, como no do saneamento, faltam normativas. No caso do gás, o projeto voltou para a Câmara — diz Cláudio Frischtak, da Inter.B, referindo-se à nova regulação, parada no Congresso, que abre a distribuição de gás natural a fim de baixar seu preço para a indústria.
 
Para Carlos Lobo, do escritório de advocacia americano Hughes Hubbard & Reed, é preciso cuidado para que investidores não vejam as mudanças como nebulosas no Brasil:
 
— O governo tem um plano arrojado de privatizações. Não se pode mudar a regra. Isso gera perda de confiança.
 
3. Menos fontes de recursos para o Tesouro
 
A demora no processo de privatizações afeta o caixa do governo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer R$ 1 trilhão em privatizações no início do governo, que queria usar para abater a dívida pública. Mesmo sem privatizações, estatais mais eficientes geram dividendos para a União. Por outro lado, empresas que não conseguem se sustentar sozinhas e precisam de aportes do Tesouro acabam tirando recursos de áreas essenciais, como saúde e educação. Além disso, perdem valor e o potencial de arrecadação na hora de serem vendidas.
 
O secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, afirma que as vendas de subsidiárias de estatais já renderam mais de R$ 200 bilhões desde 2019, citando a privatização da BR Distribuidora e a venda de participações do BNDES em empresas. Ele reconhece, porém, que o processo é lento e lembra que o governo assumiu sem nenhuma empresa pública no Programa Nacional de Desestatizações (PND):
 
— Hoje, estamos estudando cerca de 20 empresas para privatização. Entre a tomada de decisão, começar o estudo e assinar um contrato, são dois anos. E a gente teve que começar isso do zero; 2021 e 2022 serão anos de colheita.
 
Para ele, ruídos gerados por episódios como a troca na Petrobras não afastam investidores.
 

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