Artigos e Entrevistas

Ferrovia portuária santista: copo meio cheio, meio vazio

Fonte: Modais em Foco / Frederico Bussinger*


 
“Para todo problema complexo
existe sempre uma solução simples, elegante,
plausível e completamente errada”
(H.L.Mencken)
 
“Um problema bem definido é metade da solução”
[Atribuído a diversos autores]
 
“Não se pode encontrar a solução de um problema
usando a mesma consciência que o criou.
É preciso elevar o nível de consciência”
[Albert Einstein]
 
Avançou-se muito nos últimos dois meses. A começar pelo mero reconhecimento de haver um problema; ponto de partida para aumentar as chances de se chegar a uma adequada solução. Melhor, ainda, porque essa consciência é hoje coletiva, tendo transposto os umbrais dos chamados especialistas. Ah! Até autoridades, mais afeitas à divulgação de dados e realizações, passaram a admiti-lo publicamente.
 
Há mais, todavia. Hoje sabemos que: i) os gargalos ferroviários não se limitam à malha interna do Porto de Santos; ii) há, também, um imbróglio entre a Serra do Mar e o Porto de Santos (e Guarujá); iii) esse problemão pode comprometer, gravemente, tanto o fluxo ferroviário e a expansão do porto, como das ferrovias no Planalto (MRS, Rumo e VLI); iv) o modelo operacional mais indicado é o de uma operação coordenada entre todas as concessões ferroviárias e o Complexo Portuário (Porto Organizado mais TUPs); v) há uma janela de oportunidade nesse 2021, decorrente da rescisão antecipada do contrato da Portofer, mais renovação antecipada do contrato da MRS, mais discussões sobre nova governança do Porto; vi) o imbróglio mereceu dois recentes webinars (A Tribuna e Portogente); vii) há uma modelagem articuladora para parte do problema (Ferrovia Interna do Porto de Santos - FIPS), com audiência realizada em 10/FEV .
 
Interessante é que tais diagnósticos, conceitos e diretrizes são hoje de domínio público; e quase uma unanimidade. Mas, lembremos, há dois meses não eram!
 
Tampouco eram quando do leilão dos 2 terminais de celulose (28/AGO/20), ou quando da liberação desses processos pelo Plenário do TCU (1º/ABR/20); ainda que seus EVTEAs indiquem a ferrovia como vital para acessá-los. Quando da consulta/audiência pública (29/SET/19), entretanto, há que se segmentar: os gargalos eram conhecidos e preocupavam; tanto que das 294 contribuições recebidas pela ANTAQ para o STS-14, versaram sobre ferrovia 65 delas. Soluções, porém, estavam ainda apenas alinhavadas: “Em função das contribuições da Audiência Pública, os projetos de acesso terrestre (rodoviário/ferroviário) serão revisados em conjunto com a Autoridade Portuária” foi resposta, quase padrão, para cerca de metade das contribuições: 31. Já foram todos revisados?
 
No processo de renovação antecipada da Malha Paulista (Rumo), concluído em MAI/20, essas limitações na interface malha-Porto não foram objeto de tratamento resolutivo explícito (mesmo sendo a Rumo a principal potencial prejudicada ou  beneficiada, vez que por suas linhas na Serra do Mar deverá transitar mais de 80% do fluxo ferroviário de/para o Porto): nem constou da documentação, nem da audiência pública, nem da análise liberatória do TCU.
 
O PDZ (JUL/20) trata de projeção de demanda ferroviária (S-28 da apresentação), de obras (S-32) e de investimentos previstos (S-37/39). Mas sempre limitado à malha interior: e nem poderia ser diferente, pois essa é sua abrangência. Já o Plano Mestre (ABR/2019), cujo escopo é o Estuário (o Complexo Portuário), se fornece dados (V1; pg. 428-517) dos quais pode-se deduzir o imbróglio, não correlaciona variáveis, estrutura prioridades, indica urgência, ou aponta “meios e modos” (no jargão militar) para solucioná-lo. Aliás, curiosamente, na sua análise SWOT (V2, pg. 197-212) o imbróglio não é apontado como “fraqueza” nem como “ameaça” (enquanto investimentos ferroviários em portos concorrentes o são! – V2, pg. 209).
 
Saudemos, porém, o copo já meio cheio... com aspectos de infraestrutura e operacionais; inclusive estimativas de investimentos, como bem explicado na rica e didática apresentação da MRS no webinar (24m15s).
 
Mas o imbróglio vai além da engenharia ferroviária. Ele requer a ampliação da consciência do problema e a inclusão de outras variáveis: i) a regulação é nevrálgica, mormente ante configuração das malhas, tal como hoje existentes, que facilita o proveito de “posição dominante”; ii) há fragmentação regulatória; no caso Antaq-ANTT; iii) e, claro, há interesses empresarias, legítimos, mas não obrigatoriamente harmônicos.
 
Um próximo artigo da série tratará dessa outra metade a ser preenchida.
 
*Frederico Bussinger, engenheiro, economista e consultor. Foi diretor do Metro/SP, Departamento Hidroviário (SP), e da Codesp. Também foi presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e da Confea.
 

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