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Salário baixo e alta informalidade: a cara do emprego dos jovens no Brasil

Fonte: O Estado de S. Paulo
 
Oito em cada dez jovens de até 24 anos têm emprego considerado precário, aponta estudo feito pela consultoria IDados
 
 
Em 2017, aos 21 anos, o sul-mato-grossense Enivaldo Cabral Garcia desembarcou na capital paulista para trabalhar e bancar seus estudos. Sozinho e sem experiência, teve de aceitar o que apareceu pela frente para conseguir entrar no mercado de trabalho. A esperança da carteira assinada deu lugar ao trabalho intermitente, sem estabilidade nem benefícios. Na época, o estudante de Direito arrumou alguns trabalhos em eventos, na área de limpeza, e ganhava por dia.
 
Aos poucos, ele conseguiu melhorar sua posição, saindo de auxiliar para supervisor. “Mesmo assim, meu salário era bem inferior aos dos colegas mais velhos que faziam o mesmo que eu. Mas, como precisava da renda, não reclamava.” Tempos mais tarde, conseguiu um estágio na defensoria pública e, depois, um trabalho num call center. Este último, no entanto, foi interrompido pela pandemia. Formado em 2019, Garcia aguarda novo calendário para prestar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), buscar uma vaga na área e tentar melhorar suas condições de trabalho.
 
A trajetória de Enivaldo resume a cara do Brasil, onde mais de dois terços dos jovens (77,4%) têm emprego considerado de baixa qualidade. Ou seja, de cada dez trabalhadores com até 24 anos de idade, quase oito trabalham em situação vulnerável, segundo levantamento da consultoria IDados. Em números absolutos, isso significa perto de 7,7 milhões de pessoas. Na faixa etária entre 25 e 64 anos, o porcentual é de 39,6% e, acima de 65 anos, de 27,4%.
 
Para considerar se um emprego é de má qualidade ou não, foram analisados quatro aspectos do nível de ocupação no País: salário, estabilidade, rede de proteção (INSS, por exemplo) e condições de trabalho. Em todos esses pontos, o emprego dos jovens apresenta fragilidades, mas os piores são renda e estabilidade. Para cerca de 90%, a renda é inferior a 6 vezes uma cesta básica (varia de R$ 398 a R$ 539) e 75% têm menos de 36 meses de tempo de trabalho.
 
 
“No mundo todo, o jovem tem uma renda menor e maior dificuldade de se colocar no mercado. Mas, no Brasil, os porcentuais indicam uma qualidade do emprego pior por causa da maior rotatividade e da informalidade (no mundo, os porcentuais estão em torno de 60%)”, diz o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e responsável pelo trabalho, baseado nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC). Considerando a população total ocupada (não só os jovens), o Brasil tem níveis de qualidade do trabalho parecidos ao de países como Honduras (41,6%) e Nicarágua (43,3%) e bem pior do que Costa Rica (18,8%) e Panamá (29%).
 
De acordo com o estudo, em 2019, a qualidade do emprego do jovem atingiu o pico de 79,1% e recuou para 77,4% no segundo trimestre deste ano. Ottoni explica que a crise da covid distorce um pouco os indicadores e, por isso, eles apresentam melhora no período. O desempenho ocorre porque quem perdeu o emprego foi o trabalhador de renda mais baixa ou o informal. Os mais qualificados continuaram empregados. “Como a qualidade do emprego é calculada com base em quem está empregado, o indicador pode melhorar. Mas vai piorar assim que o trabalhador demitido voltar ao mercado de trabalho, provavelmente em ocupações piores.”
 
FALTA DE EXPERIÊNCIA, CONHECIMENTO E REDE DE CONTATOS
 
Uma das principais explicações para a baixa qualidade do trabalho dos jovens está na falta de experiência, menor nível de conhecimento por causa da idade e uma rede pequena de contatos. Esses fatores também são o motivo para o elevado nível de desemprego dos jovens – fator amplamente analisado e documentado no Brasil. Mas os números do IDados, calculados com base na literatura internacional, revelam que o problema vai além da quantidade de vagas de emprego para essa faixa etária. O trabalho mostra em quais condições o jovem entra no mercado, afirma o economista da Tendências Consultoria Integrada, Thiago Xavier.
 
Esse cenário, avaliam especialistas, traz consequências para o País e para toda uma geração de trabalhadores. A baixa qualidade do emprego deixa o jovem mais desprotegido no caso de ser demitido ou de uma doença, sobretudo se  esse trabalhador está na informalidade - 32,7% dos jovens não têm carteira assinada. Nesse caso, ele não terá direito ao seguro desemprego e ficará sem renda, diz Ottoni. Em muitos casos, isso tem reflexo direto na renda das famílias, que contam com esses recursos no dia a dia e terão de refazer o orçamento diminuindo o consumo.
 
Para o jovem, esse emprego considerado vulnerável poderá representar o abandono dos estudos e uma estagnação do capital humano, que é o conjunto de conhecimento, habilidades e atitudes que ajudam na execução do trabalho. A má qualidade desse emprego também eleva a rotatividade do jovem no mercado. “A experiência adquirida ao longo do tempo desenvolve capitais específicos. Sem isso, poderemos ter trabalhadores que não conseguiram se desenvolver de forma adequada ao longo do tempo”, diz o professor do Insper, Sérgio Firpo.
 
Outro reflexo dessa vulnerabilidade do trabalho dos jovens pode respingar na produtividade da mão de obra brasileira, que não tem evoluído muito nos últimos anos. Entre 1981 e 2018, a produtividade do trabalho avançou apenas 0,4%, segundo dados do Ibre/FGV. “A rotatividade elevada, por exemplo, prejudica o ganho de produtividade. Se esse índice é alto, a empresa não vai investir na capacitação desse trabalhador e se torna uma profecia auto realizável. Uma coisa aumenta a outra.”
 
De acordo com o estudo do IDados, quase metade dos jovens não contribuem com a Previdência. Além disso, muitos não têm benefícios como plano de saúde ou vale refeição. É o caso de Lais Matos, de 23 anos. Ela acaba de completar um mês empregada numa rede de lojas, na área de recursos humanos. Entra às 8 horas e não tem horário para sair. Só recebe vale transporte e não tem nenhum outro benefício. “E quando precisa tenho de acumular funções para cobrir a falta de mão de obra no departamento, que está sobrecarregado”, diz a trabalhadora. Como outros milhares de jovens, ela busca adquirir experiência na área para buscar melhores oportunidades no mercado.
 
Jovens têm mais dificuldade para voltar ao mercado de trabalho
 
Trabalhadores com empregos vulneráveis são os primeiros a serem demitidos em uma crise
 
Os jovens em trabalhos vulneráveis são os que mais sofrem os efeitos de uma crise. Por terem menos experiência e, muitas vezes, não ter vínculo empregatício, são os primeiros a serem demitidos, diz Bruno Ottoni, da consultoria IDados. “Eles também são os que têm mais dificuldade para voltar ao mercado de trabalho.”
 
É o caso de Caroline Rosa de Carvalho, de 20 anos, desempregada desde junho. Estudante de direito, ela fazia estágio na área jurídica, onde recebia uma bolsa auxílio de menos de um salário mínimo e vale transporte. “A remuneração era baixa, mas queria adquirir experiência”, diz Caroline.
 
Desde que ficou sem emprego está buscando novas oportunidades no mercado, mas não tem tido sucesso. “As empresas exigem uma experiência que ainda não tenho. Para mim, esse é o maior obstáculo na volta ao mercado de trabalho, especialmente num momento tão delicado como agora (por causa da pandemia).”

 
O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, diz que os jovens da faixa etária entre 15 e 19 anos e entre 20 e 24 anos foram os que tiveram maior queda na renda entre o primeiro e segundo trimestres deste ano. No primeiro grupo, o recuo foi de 34% e no segundo, de 26%. Com isso, a participação dos jovens no mercado de trabalho recuou 20% e 11%, respectivamente, diz ele. Na média de todos os trabalhadores, essa queda foi de 8,6%.
 
“Os jovens já vinham perdendo muito nos últimos anos e perdeu mais uma vez (agora na pandemia)”
Marcelo Neri, diretor da FGV Social
 
“Os jovens já vinham perdendo muito nos últimos anos e perderam mais uma vez (na pandemia). Além da renda, as horas trabalhadas caíram muito e a jornada de estudo também”, diz o economista. Em alguns casos, a perda do emprego também representou o abandono dos estudos, como no caso de Pamela Lacerda Costa, de 20 anos.
 
Ela está desempregada desde dezembro. “Para estudar tenho de trabalhar”, afirma ela, que tem procurado emprego como vendedora nas lojas do Bom Retiro e pela internet. Pamela diz que atualmente qualquer loja pede um ano de experiência em carteira. “Ao mesmo tempo que querem gente nova também exigem experiência.” Nesse tempo desempregada, ela tem feito trabalhos esporádicos para conseguir algum dinheiro.
 

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