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BR do Mar, apoio ou risco para a cabotagem?

Fonte: O Estado de S. Paulo / Luis Fernando Resano*
 
 
O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma costa de mais de 8.000 km, e a possibilidade de navegação até Manaus, para atender ao polo industrial da Zona Franca. A cabotagem é a opção mais óbvia e a melhor escolha para o transporte de carga em longas distâncias. Na última década, apesar das crises econômicas pelas quais o Brasil vem passando, a navegação de cabotagem cresceu a dois dígitos, ano após ano, mesmo sem um programa de Governo que apoiasse o modal. Foram investidos, pelas empresas brasileiras de navegação, R$ 5 bilhões em embarcações neste período.
 
Agora, finalmente, com o intuito de fortalecer esse que é um setor essencial para o crescimento econômico, o Governo Federal, após ouvir os setores envolvidos na atividade, enviou ao Congresso o projeto BR do Mar (PL 4.199/20). Importante, entretanto, que as propostas apresentadas não causem mais danos que resultados positivos. Para fortalecer o setor e, consequentemente, atender à demanda do usuário por redução de custo do modal, o texto carece de ajustes.
 
Desde 1997, com a Lei nº 9.432, a legislação permite que as empresas proprietárias de pelo menos uma embarcação com registro, bandeira e tripulação brasileira, obtenham outorga para operar na navegação de cabotagem, sem nenhuma limitação, podendo inclusive ter capital estrangeiro ilimitado.
 
Ainda estabelece as regras de afretamento tendo como base a realização de investimentos no Brasil, com o intuito de manter o mercado interno atendido e de fixar empresas no país, evitando a volatilidade do mercado internacional. Caso a Empresa Brasileira de Navegação (EBN) opte pela construção no Brasil, ela está autorizada, desde o início da construção, a operar um navio de bandeira estrangeira, como se brasileiro fosse, por um período de até 36 meses. Além disso, a partir de uma frota própria, a legislação autoriza que a EBN possa fazer uma ampliação de 50% da tonelagem em embarcações afretadas a casco nu com suspensão de bandeira. A Lei estabelece ainda que, excepcionalmente, em caso de indisponibilidade de navio de bandeira brasileira, a EBN pode afretar uma embarcação de bandeira estrangeira para realizar aquela viagem.
 
O projeto BR do Mar, com o objetivo de apoiar o crescimento do setor, propõe ampliar ainda mais essas possibilidades existentes hoje.
 
Um dos pontos que merece muita atenção é a possibilidade de afretamento de embarcação a casco nu, com suspensão de bandeira, sem necessidade de lastro, ou seja, sem necessidade de a empresa ser proprietária de embarcação de bandeira brasileira, em operação. A prosperar esta regra, poderemos ter empresas brasileiras de navegação que prestam serviços sem ter navio. Isso só seria bom para os oportunistas que atuam como verdadeiros intermediários, querendo agir como se fossem armadores, mas sem nenhum compromisso com o país ou demanda de alto investimento, como fazem as empresas brasileiras de navegação de fato.
 
Além disso, as características peculiares da cabotagem não suportam que os valores dos serviços prestados acompanhem o mercado internacional, o que ocorrerá se as embarcações não forem dedicadas ao mercado interno. Outro ponto relevante é que estas embarcações precisam permanecer atendendo aos usuários nacionais em qualquer circunstância, independente do mercado internacional e, não menos importante, estas embarcações devem atender toda a costa brasileira e não apenas os trechos ótimos. Portanto, a pretendida abertura incorporada ao PL precisa ser controlada, e o texto apresentado precisa ser ajustado para viabilizar este controle.
 
Outro artigo de extrema importância trata que a empresa habilitada ao BR do Mar poderá afretar, da sua subsidiária no exterior, embarcações a tempo, desde que sejam de propriedade ou posse da empresa estrangeira. Esta regra reduziria os custos operacionais das EBNs, ofereceria o melhor custo aos usuários e daria a competitividade desejada ao segmento, além da natural ampliação da frota e de empresas no setor. No entanto apesar de apoiarmos integralmente a empregabilidade de brasileiros, os encargos e regras trabalhistas brasileiras impactam seriamente a atividade, colocando-a entre 30 e 50% mais cara do que as empresas que operam nos segundos registros. O Programa obriga que a embarcação de bandeira estrangeira, afretada dentro do BR do Mar, tenha 2/3 de tripulantes brasileiros, inclusive o Comandante e o Chefe de Máquinas, o que é mais rigoroso que a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração. Se mantendo dessa forma, não haverá atratividade em aderir ao Programa com este elevado número de brasileiros sendo imposto.
 
Desejamos ampliar ainda mais os postos de trabalho para marítimos brasileiros, mas isso só será possível com a flexibilização da legislação trabalhista, o que não está em pauta no momento. Além disso, tememos que haja insegurança jurídica, na medida em que estes marítimos estarão exclusivamente sob as regras trabalhistas da bandeira do navio. Temos dúvida, ainda, quanto à disponibilidade de marítimos que aceitarão trabalhar sob regime e bandeira estrangeira. E como superaremos esta falta, não inviabilizando o Programa por falta de mão de obra? E ainda existe o risco da perda da habilitação pelo não cumprimento da regra, sem que a empresa possa demonstrar as razões que levaram a esta ocorrência.
 
Existem muitos outros pontos que devem ser debatidos pelos atores do modal. Precisamos ter uma discussão aberta sobre BR do Mar, por ser uma questão que afeta toda a sociedade brasileira. Temos ciência de que são muitas emendas que devem ser analisadas, cuidadosamente, uma a uma, para que essa não seja uma Lei que não prospere. Cabotagem tem características muito próprias, muito pouco compreendidas por quem não atua diretamente no setor. Sabemos que é fundamental um programa de apoio do Governo, mas que seja feito com responsabilidade. A cabotagem brasileira que de fato faz o modal acontecer está disponível e, mais que isso, ansiosa para debater com o Congresso e o Relator todas as questões realmente relevantes para o setor. A Sociedade conta com o Congresso nesse desafio, pois só assim, o Brasil sairá ganhando.
 
*Luis Fernando Resano é diretor executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac)
 

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