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Pode o empregador aplicar justa causa ao empregado por aglomeração no fim de semana?

Fonte: Migalhas / Priscilla Cipriano Santos de Carvalho e Ricardo Calcini*
 
Um dos reflexos da pandemia na seara trabalhista se refere à possibilidade de o empregador aplicar a justa causa ao funcionário que participa de aglomerações fora do horário de trabalho.


 
Desde o dia 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de covid-19, o mundo vem enfrentando desafios e restrições. Grandes mudanças vêm sendo verificadas no âmbito trabalhista, acarretando reflexos, em muitos casos, ainda não constatados e que implicarão num aumento de ações no judiciário.
 
Um dos reflexos da pandemia na seara trabalhista se refere à possibilidade de o empregador aplicar a justa causa ao funcionário que participa de aglomerações fora do horário de trabalho.
 
A princípio, é certo haver nítida distinção entre vida privada e vida corporativa. Entretanto, em tempos de pandemia da covid-19 e em situações de gravidade extrema, como nos dias atuais, a saúde pública é dever de todos. Logo, o interesse público protegido pela Constituição Federal permite e determina o condicionamento de direitos individuais, razão pela qual temos a obrigação de auxiliar no combate à disseminação do vírus.
 
Diante disso, em razão da pandemia, a saúde pública passa a ser dever de todo cidadão, empregado ou empregador. Devemos estar atentos às situações que coloquem em risco nossa vida, dos familiares, dos amigos e, também, dos colegas de trabalho. Desse modo, conclui-se que pode o empregador aplicar medidas disciplinares aos empregados por atitudes que terão reflexos na empresa, cuja responsabilidade de preservação da salubridade é do empregador.
 
Os atos que caracterizam a justa causa estão definidos no artigo 482 da CLT. Porém, não existe modelo fixo para sua aplicação, sendo que cada empresa deve estabelecer sua rotina punitiva e observá-la igualmente para todos os empregados. Frise-se que a justa causa se dá por ato faltoso do empregado que faz desaparecer a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, tornando indesejável o prosseguimento da relação empregatícia.
 
Via de regra, observamos que o procedimento mais comum é a aplicação de uma advertência, duas suspensões, e, só então, a justa causa. Entretanto, a empresa pode estabelecer os critérios que melhor entender, desde que aplicáveis igualmente para todos empregados, haja vista o caráter pedagógico que envolve a medida, criada justamente para inibir condutas similares e futuras dos demais empregados.
 
Importante salientar, ainda, outros requisitos que também devem ser observados pelo empregador, quais sejam: a imediatidade (a punição deve ser atual, pois o transcurso do longo tempo entre a falta e a penalidade acarreta a presunção de perdão ou renúncia ao direito de punir); a singularidade da punição (a cada falta cometida pelo empregado somente uma pena deve ser aplicada); não discriminação (para uma mesma falta, a mesma punição, independentemente do empregado que a cometeu); e proporcionalidade (a pena deve sempre ser proporcional à falta cometida).
 
Desse modo, devem os empregadores levar informação e realizar treinamentos com os empregados para que tenham consciência e ajam de forma adequada para a época que estamos vivendo, tanto no ambiente de trabalho quanto no doméstico. Assim, caso se verifique que determinado empregado não está observando as medidas de distanciamento social e sanitárias impostas, que se nega a realizar aferição de temperatura ou exames compulsórios, deve o empregador, de forma reservada e sem constrangimentos, adverti-lo.
 
Ante a nova realidade de convívio e vigilância a que todos nós estamos expostos, onde a vida pessoal do trabalhador impacta na segurança e saúde dos seus colegas de trabalho, devemos ter em mente que é necessário pensar e agir coletivamente, com razoabilidade e equilíbrio, e que as políticas e regulamentos empresariais internos podem e devem servir para ajustar e punir comportamentos que arrisquem a saúde de seus empregados.
 
*Priscilla Cipriano Santos de Carvalho é advogada Trabalhista. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela EPD - Escola Paulista de Direito.
 
*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de pós-graduação em Direito do Trabalho da FMU. Palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company" pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos.
 

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