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Governo enfraquece agências reguladoras

Fonte: Época / Gustavo Paul*
 
Ao pressionar Aneel sobre regras de energia solar, Bolsonaro levanta dúvidas sobre independência dos órgãos
 
O presidente Jair Bolsonaro tanto pressionou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deverá abrir mão da proposta de reduzir incentivos para quem produz energia por meio de painéis solares. Sob o controverso argumento de que a proposta vai "taxar o sol", o presidente criticou publicamente a medida e  chamou o presidente da agência para uma conversa.
 
Ao constranger publicamente o órgão regulador, o presidente da República coloca mais uma vez em dúvida a eficácia do modelo das agências reguladoras no Brasil, que completa 24 anos de vigência em 2020.
 
Mais do que isso, a administração joga a regulação no país em um perigoso limbo — uma incongruência para um governo financeiramente quebrado, que se diz liberal e prega mais investimentos privados em áreas economicamente estratégicas.
 
Esses órgãos se consolidaram nos países desenvolvidos a partir dos anos 80 do século passado. No Brasil, aportaram apenas no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o fim dos monopólios estatais.
 
As agências, que têm como pressuposto a autonomia, tanto do poder político quanto do econômico, surgiram para garantir o equilíbrio entre os interesses do consumidor, do governo e das empresas, além de assegurar o melhor funcionamento dos respectivos setores.
 
No Brasil, cabe a esses órgãos a definição de regras para exploração da atividade por parte da iniciativa privada em setores que representam quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB). 
 
A elas cabe garantir a manutenção das regras do jogo. Estabilidade é um dos fatores que mais pesam na hora de o investidor escolher em que país vai aplicar seu dinheiro.
 
A ação presidencial não é nova. Bolsonaro sempre atacou os órgãos reguladoras, dizendo que eles têm "poderes enormes para o bem e para o mal". Como deputado, foi contra sua criação nos anos 1990.
 
As agências estão sob fogo desde sua criação. Nenhum presidente manteve o modelo original: quadros técnicos, autonomia política e verbas suficientes para fiscalização.
 
Sem constrangimento, os cargos de direção das agências reguladoras passaram a ser ocupados por indicados políticos. Em 2010, por exemplo, um dirigente do time de basquete Universo foi indicado para ocupar a diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), na cota do então PMDB.
 
Quando era presidente, Luís Inácio Lula da Silva também foi crítico das agências, dizendo que elas "terceirizam o governo". No governo Temer, levantamento feito pelo jornal O Globo mostrava que dos 40 cargos executivos, 35 eram de apadrinhados.
 
Em setembro passado, Bolsonaro sancionou o projeto da nova lei das Agências, suprimindo a escolha de dirigentes das agências por meio de listas tríplices constituídas por profissionais a serem levadas ao presidente para fazer sua escolha. Para o Planalto, é prerrogativa do presidente nomear os dirigentes.
 
No livro Desafios do regulador, de 2009, o professor Jerson Kelman, ex-presidente da Aneel e da Agência Nacional de Águas (ANA), adverte que esses órgãos devem ser uma instituição de Estado, acima dos governos.
 
"Se uma agência fosse uma entidade de governo, haveria o risco de que o interesse de longo prazo dos consumidores viesse a ser sacrificado em favor do interesse de curto prazo do Governo de plantão", alerta. 
 
Bolsonaro argumenta que a Aneel não é um órgão soberano e que ele tem "todo o direito de trabalhar para que agência não venha taxar a energia produzido por raios solares".
 
Há limites dados pela Constituição e pelo bom senso para atuação do presidente da República. Afinal, ele possui a caneta, que indica e demite e cujo poder de pressão é enorme.
 
No caso da Aneel, foi aberto um precedente. Ele também vai pressionar a ANP ou a Anatel, por exemplo, se discordar de suas orientações técnicas? Quem, afinal, decide nessa área? O governo ou as agências?
 
*Gustavo Paul é coordenador de Economia da sucursal de O Globo em Brasília. Trabalhou nas redações de O Estado de Minas, Veja, O Estado de S. Paulo e Exame. Também foi assessor de imprensa do Banco Central e do BNDES.
 

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