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O futuro do trabalho

Fonte: O Estado de S. Paulo / José Márcio Camargo*
 
Nos últimos 12 meses a economia brasileira gerou 2,1 milhões de postos de trabalho. É um número bastante elevado, principalmente quando levamos em consideração o baixo crescimento da economia, de 1,0% ao ano. Destes 2,1 milhões de postos de trabalho, um pouco mais da metade (1,2 milhão) foi ocupada por trabalhadores por conta própria. Além do grande volume deste tipo de trabalhadores, outra característica importante da atual recuperação é que uma porcentagem relativamente grande de trabalhadores declara estar trabalhando menos do que gostaria, por razões econômicas.
 
Se, por um lado, a geração de grande volume de postos de trabalho é um fator positivo, por outro, muitos analistas consideram o trabalho por conta própria uma forma precária de se inserir no mercado de trabalho porque, nesta modalidade, o trabalhador é uma empresa e não está sujeito à “proteção” da legislação trabalhista. A mesma observação se aplicaria a jornadas menores que as desejadas.
 
Este comportamento do mercado de trabalho está ligado a fatores conjunturais, em razão da profundidade da recessão e da lenta retomada da economia, mas também em razão de fatores estruturais, decorrentes de mudanças tecnológicas e regulatórias: a tecnologia da informação, a reforma trabalhista e a liberalização da terceirização.
 
As inovações tecnológicas cumprem um papel fundamental neste processo. O exemplo paradigmático são os postos de trabalho gerados por aplicativos, que estão se espalhando por praticamente todos os setores da economia. O primeiro efeito da introdução dessa tecnologia é acabar com uma reserva de mercado no setor em que ela é introduzida, diminuindo o poder das corporações. A partir daí, qualquer profissional com capital físico e humano capaz de desempenhar adequadamente a tarefa poderá oferecer o serviço. Se a legislação permitir, será um trabalhador formal; caso contrário, será informal. O resultado é o aumento da oferta. Se a demanda não aumentar proporcionalmente, os preços (e, portanto, a renda) caem.
 
Uma segunda consequência é que, dada a produtividade do trabalhador por conta própria, sua jornada de trabalho e sua renda vão depender da demanda. Se a demanda cai, a jornada (e a renda) diminui; se ela aumenta, a jornada (e a renda) aumenta. Se supusermos que todos os trabalhadores são por conta própria e que todos têm o mesmo estoque de capital físico e humano à sua disposição, o total de trabalho existente no setor seria igualmente distribuído entre estes trabalhadores. Não haveria desemprego, apenas trabalhadores com jornada (e renda) menor do que gostariam. É o caso limite de work sharing.
 
Um trabalhador por conta própria é um microempresário. Ele poupa, investe, acumula capital físico e humano, utiliza esse capital para produzir bens e serviços e é remunerado por isso. Parte dessa remuneração se deve à sua função como trabalhador e parte é remuneração do capital investido. A remuneração está diretamente relacionada ao valor do que foi produzido, que depende do esforço realizado e do estoque de capital físico e humano à sua disposição. Nesse sentido, a suposta precariedade do trabalho por conta própria é função do estoque de capital físico e humano ao qual o trabalhador tem acesso no posto de trabalho, e não da forma de inserção no mercado. Como a renda depende diretamente do esforço, trabalhar por conta própria incentiva o esforço.
 
O comportamento do mercado de trabalho brasileiro desde 2017 reflete a incorporação destas inovações tecnológicas. A reforma trabalhista, que criou diferentes tipos de contratos, e a liberalização da terceirização deram os primeiros passos para formalizar estas novas relações de trabalho. É uma tendência irreversível. Precisamos criar um conjunto institucional que substitua o atual e que incentive e facilite a acumulação de capital físico e de capital humano por esses trabalhadores. Este é o futuro do trabalho.
 
*José Márcio Camargo, professor do departamento de Economia da PUC/Rio e economista-chefe da Genial Investimentos
 

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