Artigos e Entrevistas

Reformas para o bem comum

Fonte: O Estado de S. Paulo / Ives Gandra Martins Filho*
 
Em clima de insegurança jurídica, quem se arriscaria a criar postos de trabalho pela nova lei?
 
 
Jean Tirole, professor francês vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2014, resumiu seus estudos e ideias no livro Economics for the Common Good (2017), no qual defende a necessidade urgente de reformas na legislação francesa e de outros países em vários campos, como o trabalhista e o previdenciário, justamente para promover adequadamente o bem comum da sociedade. Suas reflexões e seus alertas podem nos trazer importantes subsídios, quando em nosso país se busca implementar a reforma trabalhista aprovada em 2017 e realizar a reforma Previdenciária neste ano de 2019.
 
Tirole parte da constatação de que, após a queda do Muro de Berlim e da transformação econômica da China continental num capitalismo de Estado, com a falência da economia planificada, a economia de mercado passou a ser a dominante em todo o mundo. E também tem respostas, até mais eficientes, para a promoção do bem comum.
 
A matriz epistemológica de Tirole é Uma Teoria da Justiça (1971), de John Rawls, baseada na premissa do “véu de ignorância” que encobre cada membro da sociedade sobre sua real situação em relação aos demais, e que faz com que se possa perguntar a qualquer um: em que sociedade você gostaria de viver, independentemente de suas circunstâncias pessoais? Para responder a essa pergunta Rawls desenvolveu sua tese da “justiça como imparcialidade”.
 
Nesse “liberalismo social” de Rawls e Tirole, a busca do bem comum se daria pela promoção de uma igualdade de oportunidades para todos, característica da economia de mercado, e não uma igualdade de resultados, própria das economias planificadas.
 
As críticas à economia de mercado sob o prisma ético fazem confusão entre as falhas naturais do mercado, que devem ser corrigidas pela intervenção do Estado, e uma imoralidade que se consideraria intrínseca ao mercado. Na verdade, deve-se buscar um equilíbrio entre a intervenção constante do Estado na economia e o laissez-faire do liberalismo econômico, sabendo que o mercado necessita de regulação, como o Estado precisa do regime concorrencial para se desenvolver melhor.
 
Nesse contexto, Tirole aponta para alguns dos maiores desafios na esfera econômica, que são a revolução digital e o mercado de trabalho. Este último aspecto é especialmente abordado por Tirole, ao colocar como uma das metas do Estado, como promotor do bem comum, o combate ao desemprego. Diz ele que o problema não se resolve com o aumento de empregos públicos, haja vista o rombo da Previdência, especialmente no setor público, exigindo urgente mudança de regras. O caminho é o da criação de condições que estimulem a criação de empregos no setor privado.
 
Para isso sustenta que se faz necessária a reforma de muitas instituições de Direito do Trabalho, para dar maior flexibilidade à contratação e dispensa de trabalhadores, pois o elevado custo das dispensas ou as garantias cada vez mais amplas de estabilidade no emprego levam fatalmente empresários a contratar menos ou mecanizar a produção, pois o risco da atividade econômica recai sobre suas costas.
 
Nesse sentido, mostra Tirole que o excesso de protecionismo no campo laboral é a falsa solução para o desemprego. A informalidade e o desemprego não são decorrência pura e simples da lei do mercado, mas das escolhas e decisões equivocadas dos atores econômicos sobre que mecanismos utilizar para gerar empregos e condições de trabalho decentes. As bem-intencionadas políticas públicas de excessivo protecionismo laboral acabam por proteger uma minoria de empregados, mas não os empregos e sua ampliação.
 
No Brasil, nossa reforma trabalhista, ainda que tímida, tem encontrado resistência de parte do segmento do Judiciário Laboral, ainda crente no protecionismo judicial como fórmula única de garantir condições decentes para o trabalho humano. Na contramão da dicção clara dos incisos VI, XIII, XIV e XXVI do artigo 7.º da Constituição, ainda há quem sustente que a negociação coletiva só se pode dar para ampliação de direitos trabalhistas, o que levaria, com o passar dos anos, à fixação de salários cada vez maiores para jornadas cada vez menores, o que nenhum empresa tem condições de suportar.
 
Porém a resistência não se dá apenas quanto ao fruto da negociação coletiva, mas especialmente à nova legislação trabalhista. Por óbvio que nenhuma lei é capaz de gerar emprego por si só, especialmente quando não aplicada pela Justiça. Num clima de insegurança jurídica, causado pelo próprio Poder Judiciário, quem se arriscaria a criar postos de trabalho aproveitando as novas formas de contratação ofertadas pela lei?
 
Em todos os países europeus que promoveram reformas trabalhistas, especialmente Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália, a queda na taxa de desemprego só se efetivou de modo mais palpável depois que suas Cortes Constitucionais referendaram as medidas legais adotadas, o que vem também ocorrendo paulatinamente em nosso país com as decisões de nossa Suprema Corte pela constitucionalidade dos diferentes aspectos da reforma trabalhista, como foram os casos da contribuição sindical, da negociação coletiva e da terceirização.
 
Em suma, se é missão do Estado promover o bem comum da sociedade, considerado como o conjunto de condições de segurança, educação, saúde, trabalho, previdência, etc., para que cada um alcance seu bem particular o caminho que se tem mostrado mais eficaz é, na seara laboral, o da denominada flexisecurity, valorizando e respeitando mais a negociação coletiva entre patrões e empregados, com legislação mais flexível para contratação e dispensa.
 
Saibamos aproveitar as lições do professor Jean Tirole, de modo a que mais rapidamente cheguemos ao verdadeiro Estado de bem-estar social.
 
*Ives Gandra Martins Filho, mestre e doutro em Direito pela UNB e pla UFRGS, é minitro do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
 

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